Presença de mães na política paraense ainda precisa superar desafios

Espaços de poder ainda precisam se adaptar para receber e compreender melhor as mulheres com filhos

Eduardo Laviano
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A vereadora Lívia Duarte (Psol) estava grávida do filho Pedro durante as eleições 2020. Quando ele nasceu, virou apoiador de primeira hora da candidatura, comparecendo em todos os atos da campanha - sempre no colo da mãe. Desde que foi eleita, a rotina dela é a mesma de muitas outras mulheres paraenses: se desdobrar em várias para garantir 100% de comprometimento com o trabalho, manter as coisas de casa em ordem e cuidar das crianças (no caso dela, três).

"A maternidade me fez pensar sobre a intensidade das jornadas de trabalho de uma mulher. Problemas silenciosos de todas as mães que não são ditos porque a gente é criado para dizer que tudo na maternidade é lindo. E, infelizmente, não é", reflete. Mas não faltam coisas incríveis na maternidade, segundo Duarte. Uma delas é poder aprender coisas novas com os filhos todos os dias, o que renovou as visões dela sobre como o trabalho como parlamentar pode impactar positivamente a vida das mães. 

Ela lembra, porém, que a presença de mães na política paraense é menor do que o tema merece e classifica o fato de apenas cinco mulheres estarem eleitas na Câmara Municipal de Belém como uma sub-representação.

"As mães sabem onde aperta o sapato. Sabem que a política precisa estar direcionada a problemas reais. Nem sempre há muito acolhimento por exemplo, no meio acadêmico ou político, sobre políticas que colhemos em dezenas de reuniões nos bairros com as mães, mas são demandas reais e de grande impacto, à exemplo do nosso projeto de creches noturnas para mães que trabalham de dia e estudam de noite", relata. 

image Lívia Duarte (Psol) foi eleita vereadora em 2020 (Arquivo pessoal)

Duarte lembra que ser uma mãe na política é uma escolha sensível. Não só pelo dia-a-dia corrido, por ter que voltar em casa quatro vezes por dia ou por ter decidido amamentar o filho Pedro até quando ele quiser. Mas também porque, por diversas vezes, ela sentiu medo de estar expondo os filhos aos respingos das violências políticas que ela já sofreu.

"Duas coisas me levam adiante: sei que muitas mães morreram buscando esse lugar e esses direitos. E sei que meus filhos e os filhos de todas estarão melhores num mundo com vida digna para todas e todos. Ouço cotidianamente que mulher não vota em mulher e que mãe não é um assunto político. Bem, aqui estamos. E o horizonte é puxar muitas outras", diz.

Colega de trabalho de Lívia, a vereadora Blenda Quaresma (MDB) está grávida do terceiro filho. Ela, que já é mãe da Maitê e do Luiz Guilherme, conta que a experiência de ser mãe tem sido surreal porque mostrou para ela que as mulheres são dotadas de muita força, mas também de muitas fragilidades.

"É muito legal, surpreendente e apaixonante. Mas não quero romantizar a maternidade. Ela traz uma garra muito grande, mas também muitos desafios e angústias. Mas quando você vê seu filho brincando e sendo feliz ao seu lado, você vê que tudo vale a pena e que você é a melhor mãe que ele pode ter", avalia. 

Quando o filho dela tinha seis meses de idade, a covid-19 estava em alta pela primeira vez no Pará, mas Blenda precisou manter as agendas. Ela vivia cercada pelo medo de infectar os filhos, mas sabia que não podia parar de trabalhar. Foi nessa época que o então caçula Luiz Guilherme foi diagnosticado com o vírus.

"Ele teve dois dias de febre. Foram dois dias que fiquei lutando com meu próprio psicológico para cuidar bem dele. Foi um período muito complicado. Não é fácil. Eu me indagava muito mas ao mesmo tempo penso nas injustiças que tantas mulheres e mães sofrem. Tanta gente desempregada e passando fome na pandemia", conta a vereadora.

Ela concorda que a presença das mães na política ainda é mínima, o que a deixa pensativa sobre o fato de que a maioria do eleitorado é formada por mulheres. Na opinião de Quaresma, é importante dar voz aos que as mães necessitam, como emprego, oportunidade e aprendizado. E essa discussão deve incluir o debate sobre a gravidez precoce.

"Enquanto nós políticos não acordamos para a necessidade de diálogo aberto com adolescentes sobre a gravidez precoce, vamos continuar tendo mães muito novas. É uma realidade que a gente precisa falar, pois muitas vezes param a sua vida ou acham que tem que parar por não ter uma estrutura. É aí que o Estado e os políticos entram com suporte para a mãe, para que elas tenham condições de batalhar para viver, até porque muitas são mães  solo", diz.

image Blenda Quaresma (MDB) sonha com cada vez mais mulheres no poder legislativo (Arquivo pessoal)

Segundo ela, é importante que cada vez mais mulheres sejam eleitas para as casas legislativas do Pará, pois há toda uma diversidade de demandas e necessidades que só serão contempladas com a amplitude da representatividade.

"A política não pode ser um privilégio. É um lugar para todos. Precisamos fazer com que as mulheres tenham consciência disso, de que as mães também se dão conta. O meu local de fala pode representar várias mulheres, mas não todas. E aí talvez outra companheira de parlamento que seja mulher e mãe consiga trazer outras ideias que contemplem um número maior de pessoas. As mães são plurais. Precisamos dar voz às mães da periferia, negras, brancas, indígenas", aponta a vereadora. 

Desafios são grandes

A fundadora do Política para Mulheres, Natasha Vasconcelos, ressalta que o fazer político exige algo que é muito caro às mães: o tempo. Segundo ela, muitas atividades delegadas para as mulheres historicamente diminuem o número de horas disponíveis, como o acúmulo de atividades domésticas e trabalhos similares não remunerados, algo invisível para muitos homens.

"Consequentemente há sobrecarga das atividades consideradas como privadas, que somam-se ao dever político que o cargo exige. Numa sociedade patriarcal, gera o que conhecemos como culpa materna, que nada mais é do que aquela sensação permanente de não estar dando conta das atividades inerentes a casa e filhos, nem das tarefas profissionais", diz ela, que tem dois filhos

Na opinião de Vasconcelos, com tantos homens dominando há tanto tempo as estruturas do poder, os espaços onde elas funcionam ainda não evoluíram adequadamente para receber mulheres e mães. Ela exemplifica o atraso com a ausência regimental da previsão de licença maternidade para parlamentares em muitas casas legislativas do Brasil, que além de ser uma forma de exclusão política, representa uma violação dos direitos humanos das mulheres, bem como a ausência de berçários, salas de amamentação e brinquedotecas para acolher crianças em primeira infância, que acabam demandando uma atenção maior.

"Socialmente entende-se como responsabilidade quase exclusiva das mães. O acolhimento passa pela revisão dos regimentos internos das casas legislativas de modo a inserir a perspectiva de gênero e incluir direitos já consagrados pela Constituição Federal para então possibilitar que as parlamentares tenham asseguradas garantias básicas da maternagem", argumenta.

Mãe de político

Além das mães parlamentares, há ainda as mães de políticos, que acompanham cada passo da vida pública dos filhos em um misto de orgulho e preocupação. Hilda Normando conta que o filho Igor, que é deputado estadual pelo Podemos, sempre foi engajado com a política e que cedo ela percebeu que não iria ter outro jeito. "É gratificante do ponto de vista de que meus filhos seguiram seus próprios caminhos, mas a caminhada é árdua, porque a exposição de um político, principalmente jovens como eles são, é imensa. Aí a gente, como mãe, não tem sossego", brinca ela, que também é mãe do vereador Renan Normando (Podemos). "Tive a sorte de ter uma mãe muito presente. Ela é uma leoa em defesa dos filhos. Quando decidi a minha trajetória, ela sempre disse que não era o que ela tinha sonhado para mim, mas que se me fazia feliz eu podia contar com ela incansavelmente", conta Igor. 

image Hilda Normando ganhando beijos dos filhos Renan e Igor (Arquivo pessoal)

Diana Coelho também viu dois filhos serem eleitos para cargos públicos recentemente. Assim como Hilda, ela conta que um filho mais velho despertou para a política primeiro e depois o mais novo seguiu os passos do irmão. "Embora eu seja suspeita pra falar, ambos vem desempenhando mandatos com muita responsabilidade e compromisso. A exposição pública deles me preocupa muito, mas eu e o pai sempre estamos ao lado para tentar orientar e aconselhar que eles não se desviem dos seus propósitos, porque as críticas sempre existirão mesmo, por mais que eles se esforcem para fazer o melhor", conta ela.

Um dos filhos dela, o deputado estadual Adriano Coelho (PDT), conta que as atividades parlamentares e viagens a trabalho acabam reduzindo um pouco o tempo em família, mas que isso tem feito ele valorizar cada vez mais os reencontros. Segundo ele, a mãe Diana é um exemplo de força e compreensão. "Eu diria para as mães que se mantenham firmes ao lado do filho que optou pela política, porque é nesse apoio que a gente encontra disposição e coragem para seguir em frente", conta.

image Diana também tem dois filhos na política (Arquivo pessoal)

O irmão João, que é vereador do PTB em Belém, concorda. "Tenho uma mãe muito parceira que sempre apoiou e incentivou minhas escolhas e não foi diferente quando decidi iniciar uma trajetória na carreira política. Estamos sujeitos a uma exposição muito grande e muitas críticas. Nessas situações o que nos motiva e encoraja é o apoio da família e se esse apoio vier com colo e amor de mãe, aí tudo fica mais fácil", destaca.

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