Receita Federal no Pará: superintendente diz que órgão quer ser 'parceiro, não apenas fiscalizador'
A superintendente Altair de Fátima Sampaio enfatizou, em entrevista exclusiva ao Grupo Liberal, que a dimensão geográfica e o perfil econômico exportador tornam a atuação da Receita na região única no país
Cobrir 42% do território nacional e fiscalizar 11 mil quilômetros de fronteira é o desafio diário da Superintendência da Receita Federal na 2ª Região Fiscal, que abrange toda a Amazônia, exceto Tocantins. À frente da unidade desde abril deste ano, a superintendente Altair de Fátima Sampaio enfatizou, em entrevista exclusiva ao Grupo Liberal, que a dimensão geográfica e o perfil econômico exportador tornam a atuação da Receita na região única no país.
“A região Norte é estratégica para o Brasil. Temos uma balança comercial positiva e operações que exigem forte controle aduaneiro, especialmente com o crescimento do Porto de Vila do Conde”, afirma Altair. Ela também alerta que a reforma tributária exigirá adaptação dos municípios, sob pena de perda de repasses federais a partir de 2026.
Confira a entrevista na íntegra:
Na atuação da Receita Federal, quais são as particularidades aqui na região Norte. Claro que a senhora vai responder pela sua região, mas, no sentido Amazônia, região Norte, existe alguma especificidade?
Altair de Fátima Sampaio - Na verdade, a Receita é composta por dez regiões fiscais, e cada uma tem as suas especificidades. A nossa região é muito diferenciada por várias razões. Nós somos a maior em número de estados atendidos — seis ao todo, toda a região Norte, menos Tocantins — e também pelo tamanho.
Geograficamente, correspondemos a 42% do território nacional. Você imagina o tamanho do desafio só pela questão geográfica. Além disso, temos 11 mil quilômetros de fronteiras terrestres — nenhuma outra região chega perto disso. A segunda com mais fronteira tem pouco mais de 2 mil quilômetros.
Então, cobrir 11 mil quilômetros de fronteira é uma missão muito desafiadora. A Receita Federal tem essa responsabilidade, porque somos o órgão que controla a saída de bens do país por essas fronteiras terrestres. Temos sete unidades alfandegadas nesses seis estados.
E, dos seis estados, cinco são incentivados. Temos a Zona Franca de Manaus, que representa boa parte da renda fiscal do país, e as áreas de livre comércio nos demais. O único estado que não é incentivado é o Pará.
O Pará é eminentemente exportador. Enquanto o Amazonas importa muito — por conta da indústria que precisa de insumos —, o Pará exporta. Nosso perfil é de exportação de boi em pé, milho, soja, minérios, açaí...
E isso significa o quê? A exportação é desonerada. Por isso, a região responde por apenas 2,5% da arrecadação federal, o que não é sinal de ineficiência, mas do perfil incentivado da região.
A nossa balança comercial é positiva, porque exportamos muito mais do que importamos. Isso coloca o Pará numa posição bastante relevante, principalmente por conta do Porto de Vila do Conde, um dos cinco maiores portos do Brasil e um dos que mais cresce em volume de carga.
Por ali sai boa parte da exportação paraense — boi, milho, soja... Isso exigiu um controle aduaneiro mais forte e levou à decisão estratégica de transferir a Alfândega do Porto de Belém para o Porto de Vila do Conde, o que deve ocorrer com o novo regimento interno da Receita Federal, previsto para o início de 2026.
A senhora assumiu a superintendência em abril deste ano. Além desse novo momento da Receita, o que tem sido uma prioridade agora nessa nova fase?
Quando assumimos em abril, tínhamos dois grandes desafios. O primeiro foi a reunião do BRICS, realizada em Manaus em setembro. A Segunda Região Fiscal ficou responsável por toda a logística do encontro, que reuniu as autoridades tributárias dos países do bloco — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul —, além de convidados como Irã, Egito, Indonésia e Emirados Árabes Unidos. Foi um evento importante e exigiu muito da nossa equipe.
O segundo grande desafio é a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP 30. A Receita tem um papel essencial, pois controla a entrada de bens no país. Já temos mais de 130 delegações confirmadas, e todas passarão pelo controle da Receita.
Por isso, estabelecemos estratégias para atender adequadamente as delegações, principalmente os chefes de Estado, que chegarão entre 5 e 7 de novembro. Trouxemos reforço: 40 servidores de todo o Brasil vão se juntar aos 26 que temos no aeroporto, porque a demanda será enorme. Essa preparação tem tomado bastante tempo, mas é fundamental.
A senhora mencionou esse “novo momento” da Receita Federal aqui no Pará. O que muda nessa fase e o que tem sido priorizado?
A Receita Federal, desde sua criação em 1968, sempre foi vista como uma instituição fiscalizadora e repressora. Essa imagem ficou ainda mais forte com a campanha do “Leão”, nos anos 1980.
Mas hoje buscamos mudar essa percepção. A Receita continua fiscalizando, mas também quer ajudar o contribuinte a se autorregularizar. O conflito é custoso — para o contribuinte, para a Justiça e para a União. Então, estamos investindo em programas que facilitem o cumprimento das obrigações tributárias.
Temos três programas principais: o Sintonia, voltado às empresas em geral; o Confia, para grandes contribuintes; e o OEA (Operador Econômico Autorizado), na área aduaneira.
Esses programas simplificam o cumprimento das obrigações e reduzem o risco de erro.
Além disso, a Receita busca se tornar uma instituição social e ambientalmente responsável. Através do Programa de Cidadania Fiscal, queremos chegar diretamente à sociedade. Um dos eixos é o Receita Cidadã, que transforma bens apreendidos — contrabandeados ou irregulares — em produtos reaproveitáveis.
A senhora mencionou o trabalho de redesignação desse objetos oriundos de contrabando que a receita, junto com parcerias, tem dado outro formato e origem. Como tem funcionado essa parceira e projeto?
Esses bens, quando apreendidos, podem ter três destinos: leilão, incorporação a órgãos públicos ou destruição.
No caso de contrabando, a legislação proíbe leiloar ou reincorporar, então antes eram destruídos — o que gerava custo e impacto ambiental.
Agora, passamos a transformar esses materiais em produtos de utilidade social. Por exemplo: roupas esportivas apreendidas viram mochilas, bolsas e nécessaires. Tudo é doado a entidades sociais, não comercializado.
Outro exemplo são os TV boxes piratas, proibidos pela Anatel. A Receita recolheu milhares desses equipamentos — só do Rio de Janeiro vieram 100 mil para cá. Eles estão sendo transformados em microcomputadores para escolas de regiões isoladas.
Esses equipamentos vêm com mais de 360 programas pedagógicos e funcionam sem internet, o que é ideal para escolas do interior. Já entregamos mais de 5 mil unidades, sendo 630 apenas no Pará. É uma iniciativa que tem nos dado muito orgulho, pois alia sustentabilidade e inclusão digital.
Falando em arrecadação, a senhora pode fazer uma avaliação sobre a entrega da declaração do Imposto de Renda deste ano aqui no Pará? Houve aumento?
Sim. A Receita recebeu 957.684 declarações, o que representa 94,48% do total previsto. Houve um pequeno crescimento em relação a 2024, então consideramos um resultado muito satisfatório.
Do total, 65% têm valores a restituir, 16% a pagar e 18% sem imposto devido.
Em termos de perfil: 43% dos declarantes são mulheres, 56,9% homens, com média de idade de 45 anos.
A declaração pré-preenchida foi usada por 47,5% dos contribuintes — um sucesso, porque reduz erros e facilita o processo.
Mesmo assim, cerca de 25.763 declarações (menos de 3%) ficaram retidas em malha, principalmente por deduções médicas, que ainda são o principal motivo de inconsistência.
E para aqueles que caíram na malha fina e ainda não foram notificados, qual é a orientação a seguir?
O primeiro passo é identificar o motivo. O contribuinte deve acessar o e-CAC, na aba do Imposto de Renda, e verificar a inconsistência.
Ele pode enviar uma declaração retificadora ou apresentar documentação na Receita.
Também temos o Manual da Malha Fina, disponível no site da Receita, com todas as orientações.
Mais de 60% das declarações retidas em 2025 já foram regularizadas de forma automática, o que mostra como o sistema está mais intuitivo e eficiente.
Entre os desafios atuais, a senhora pontuou a reforma tributária. Quais pontos merecem atenção dos municípios e órgãos públicos?
A reforma tributária de 2023, voltada ao consumo, traz mudanças importantes. Uma delas é a emissão da nota fiscal de serviço eletrônica dentro de um padrão nacional, gerido pela Receita Federal.
Os municípios que têm sistemas próprios precisam firmar convênio com a Receita para integração. Já os que não têm sistema podem adotar diretamente o da Receita.
Hoje, apenas 14 municípios paraenses estão ativos na plataforma.
A preocupação é que, a partir de 1º de janeiro de 2026, quem não estiver emitindo a nota dentro do padrão nacional deixará de receber transferências voluntárias da União, o que afeta especialmente os municípios menores.
Outro ponto é a extinção da DIRF (Declaração do Imposto de Renda Retido na Fonte). A partir de 2026, todos os órgãos públicos precisarão informar os pagamentos de pessoal via eSocial, como já fazem as empresas.
Se isso não for feito, os servidores podem cair na malha fina, porque o sistema não conseguirá cruzar as informações. Então, é essencial que os órgãos se adaptem até lá.
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