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Mais de 2 mil pessoas deixam Apyterewa e ficam sem ter para onde ir

Moradores da região abandonam plantações, gados e objetos pessoais

Emilly Melo
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Enquanto desmonta a moradia que demorou mais de 10 anos para construir, Jacinto Rosa reflete sobre o que fará a partir de agora para prover o sustento da casa, já que a alimentação da família era garantida por meio da plantação que mantinha na sua chácara. Assim como ele, mais de 2 mil colonos que viviam na Vila Renascer seguem, mesmo que sem rumo, a ordem de desintrusão das Terras Indígenas Apyterewa e Trincheira Bacajá, no sudeste paraense, localizadas entre os municípios de de São Félix do Xingu, Altamira, Anapú e Senador José Porfírio.

Desintrusão Apyterewa

O agricultor familiar relata que, em boa parte do tempo, a comunidade vivia com tranquilidade, no entanto, a operação de retirada de não indígenas trouxe aflição aos colonos, que precisaram deixar a região e abandonar os seus pertences de qualquer forma.

“A gente passa uns meses tranquilo, mas a maior parte do tempo é essa arruaça bruta que está acontecendo comigo e com todos os moradores da região. É só desassossego e prejuízo. Não temos que contar com a valorização de nada. Mexeram com a minha chácara, onde crio porco, galinha, mas, hoje, acabou tudo. Comecei a desmanchar a minha casa. Não vai adiantar deixar”, conta Jacinto.

Ele possuía uma pequena propriedade onde cultivava os alimentos que consomia e diz que não sabe para onde a família vai, nem como vão sobreviver sem a agricultura. “É da agricultura familiar que a gente vive. Minha chacarazinha não é exagerada, mas, graças a Deus, aqui eu vivi a minha vida todinha tranquilo. Agora, vamos para o meio da rua e não tem como sobreviver mesmo. Eu plantava mandioca, inhame, milho, de tudo um pouco aqui”, desabafa.

image Jacinto desmontou toda a moradia que levou anos para construir (Igor Mota / O Liberal)

Assim como ele, Rosa Maria dos Santos se pergunta para onde vai. Desamparada, ela revela que chega a questionar a Deus o que fez de errado “para estar passando por essa situação”. Na propriedade onde morava, Rosa cultivava todos os alimentos que precisava para se sustentar.

“Nós temos aqui o nosso pão de cada dia, plantamos o nosso arroz. Todo ano, mesmo pequena, porque não temos condições, temos a roça, com mandioca, arroz, feijão, criação de galinha, porco, mas não podemos levar. Hoje não tenho nada o que comer porque está tudo lá [na roça] e não pode nem ir pegar porque eles não deixam ninguém passar”, lamenta.

Além da insegurança alimentar, Rosa revela que não consegue desocupar a sua propriedade por conta de um problema de saúde, e conta apenas com a ajuda do neto, de 16 anos — que considera como um filho —, que está sem estudar por conta da suspensão das atividades escolares na região, como relatam os moradores da comunidade.

“Eu crio o meu neto que trabalha comigo e fica carregando as nossas coisas para cá, eu sou doente. Tenho problema de circulação de sangue. Eu não tenho para onde ir, tudo o que eu tenho é essa casa. Agora também o meu filho está sem estudo porque proibiram eles de estudar”, declara.

image Rosa Maria revela que teme não ter o que comer  (Igor Mota / O Liberal)

De acordo com os relatos dos colonos, as atividades escolares na comunidade foram paralisadas antes de terminar o prazo de desocupação do território, que determinava a desintrusão até o dia 31 de outubro. Há relatos também de que o posto de saúde foi fechado, além da suspensão temporária no fornecimento de energia e sinal de internet.

Clima de terror

O deputado estadual Rogério Barra (PL-PA) esteve na Vila Renascer, entre os dias 31 de outubro e 1º de novembro, e alega ter visto muitas situações degradantes durante a operação articulada pelo Governo Federal.

“Percebemos muitos colonos humildes tocando o gado nessa retirada, sem ter para onde ir. No caminho, muitos animais acabaram morrendo de fome e sede e percebemos muitas carcaças de animais na saída de Apyterewa”, aponta o deputado integrante da comissão externa — aprovada pela Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) para acompanhar o processo de desintrusão.

image Alepa aprovou a criação de uma comissão externa para acompanhar a operação (Igor Mota / O Liberal)

O parlamentar afirma que alguns colonos declararam que não pretendem deixar o território, sobretudo, se não existir uma oferta de compensação justa. “A maior parte dos colonos são humildes. Muitos relatam que só vão sair de lá mortos e vão resistir, porque eles se criaram e viveram a vida inteira naquelas terras”, pontua Barra.

Segundo o político, enquanto esteve na comunidade, ele presenciou algumas violações de direitos e ressaltou o clima de terror dos moradores, que dizem estar com medo da situação.

“O próprio MPF (Ministério Público Federal) recomendou que, para que a operação fosse feita, deveria ser feita, primeiramente, a compensação dos colonos em outra terra para que eles pudessem garantir a sua moradia, coisa que não está acontecendo nos relatos que ouvi. Isso gera um clima de tensão e tristeza, uma parte se propõe a se retirar por conta do clima de terror. Vemos que também aumentou o índice de depressão na comunidade”, garante Rogério Barra.

A principal reivindicação dos colonos é que o Governo Federal faça uma revisão do laudo antropológico, pois alegam que não possuem contato com nenhuma comunidade das terras indígenas Trincheira Bacajá e Apyterewa, homologadas em 1996 e 2007, respectivamente. Rogério Barra reiterou que a operação precisa ser muito cautelosa para que nenhuma das partes sejam prejudicadas e afirmou que a comissão de deputados está preparando um relatório sobre a situação na região.

“Acho que está tendo certos atropelos [na operação], teria que se fazer um processo muito cauteloso para não desamparar nenhum colono. Estamos preparando um relatório, ações efetivas, para informar a respeito da situação tanto na violação de direitos dos colonos quanto nos maus-tratos de animais que estão acontecendo. Vamos tentar fazer esse acompanhamento”, anunciou Barra.

Operação de desintrusão

A operação iniciou no dia 2 de outubro deste ano para cumprir uma sentença de reintegração de posse impetrada pelo Ministério Público (MPF) do Pará, sob a justificativa que a presença de não indígenas na região “ameaça a integridade dessa parcela da sociedade, destrói a floresta, que já teve parte da vegetação destruída, e explora atividades ilegais como extração de madeira, gado e garimpo”.

Ainda como argumento, as consequências da ocupação dos colonos no território ameaça criar dificuldades para a sobrevivência dos povos tradicionais que vivem basicamente de caça e pesca por conta do avanço do desmatamento na região.

Após a expansão da Terra Indígena Apyterewa, homologada como condicionante para as obras de Belo Monte, a área passou de cerca de 266 mil para 773 mil hectares. Atualmente, existem 20 comunidades indígenas na região. A estimativa é que vivam 2.416 indígenas das etnias Parakanã, Mebengôkre Kayapó e Xikrim nas TI Apyterewa e Trincheira Bacajá.

O boletim de comunicação da Secretaria-Geral da República afirma que durante a operação já foram realizadas 19 autuações, além de multas, que totalizam mais de R$ 4 milhões de reais. O balanço também aponta que foram apreendidos 230 litros de agrotóxicos, 14 armas de fogo, 278 munições, três caminhões, 113 litros de gasolina armazenada de forma irregular, 64 metros cúbicos de madeira, 70 gramas de maconha e 46 máquinas leves.

O Governo Federal também afirma que todos os moradores que estavam nas terras na época em que a área foi demarcada oficialmente receberam indenização ou lotes em assentamentos da reforma agrária, “mas muitas pessoas se recusaram a sair, mesmo tendo recebido indenizações ou lotes, outros receberam e, mesmo assim, voltaram à área”, o que classifica as pessoas que estão na região, conforme a legislação, como invasores.

Entretanto, muitos colonos alegam não ter recebido nenhuma indenização ou compensação justa, como assegura o senador do Pará Zequinha Marinho (Podemos), que esteve na sexta-feira (3) em Apyterewa para conversar com os trabalhadores rurais.

”São homens e mulheres de bem que habitam aquela área há décadas. Basicamente, o que se tem lá são produtores de cacau e criadores de gado. Muitos já tiveram sua produção destruída ou sequestrada pelos agentes que atuam na operação de expulsão. Não é desintrusão, não podemos chamar assim uma vez que não se cumpriu o processo legal. Disse isso à equipe do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso. Ele não sabia, por exemplo, que grande parte das famílias sequer foi indenizada pelas benfeitorias. Isso precisa ser cumprido. Precisamos tratar aquelas pessoas com dignidade. Respeitando e assegurando seus direitos. São famílias que se viram invadidas pela expansão da terra indígena. Não questionamos o formato original da TI, nossa indagação é em relação a sua expansão”, conclui Marinho.

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) informou que, desde o início da operação, foram realizados 119 cadastros que podem garantir o acesso ao Programa Nacional de Reforma Agrária ou a outros programas de assistência social do governo após a saída das TI.

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