Fraudes bancárias e golpes representam 60% das queixas de consumidores na Defensoria Pública do Pará
Em entrevista, Cássio Bitar, coordenador do Nudecon, falou sobre os desafios enfrentados pelos consumidores paraenses e as ações do núcleo para combater fraudes, resolver problemas com energia elétrica e proteger os direitos do consumidor.
O Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon) da Defensoria Pública do Estado do Pará tem registrado um aumento significativo nas queixas de fraudes bancárias e golpes relacionados a produtos financeiros, que representam 60% dos atendimentos anuais. Em entrevista ao Grupo Liberal, Cássio Bitar, coordenador do núcleo, detalhou como a instituição tem trabalhado para resolver essas questões de forma extrajudicial, além de destacar o impacto das tarifas de energia elétrica e as medidas para garantir os direitos dos consumidores.
Em um ano, o Núcleo de Defesa do Consumidor atende mais de 15 mil pessoas, com destaque para as fraudes bancárias e as disputas relacionadas à cobrança de energia elétrica. A maioria das demandas, segundo Bitar, é resolvida de forma rápida e extrajudicial, com mais de 70% dos casos de energia sendo solucionados sem a necessidade de judicialização.
Quais são as principais ações do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Pará atualmente e como essas ações impactam o consumidor paraense?
Defensor público Cássio Bitar: O Núcleo de Defesa do Consumidor é um braço especializado da Defensoria Pública, especificamente para atendimento nas questões que envolvem relação de consumo. Todas as relações de consumo, desde a compra de um televisor até o consumo de energia elétrica, são atendidas neste núcleo.
Hoje, eu destaco que, entre as principais demandas que o núcleo tem, pode-se caracterizar as fraudes e golpes bancários, as questões relacionadas a práticas ilícitas relacionadas a produtos bancários, empréstimos não reconhecidos, cartão de crédito não reconhecido, consórcios fraudulentos. Então, esse, sem dúvida, representa hoje o carro-chefe nas demandas de um núcleo como o nosso.
Durante muito tempo, as questões relacionadas à energia elétrica, até pelo perfil do estado do Pará, foram demandas que tinham um bom volume lá, mas eu falo com segurança de que as demandas relacionadas às fraudes, hoje, estão no topo do ranking.
De acordo com a sua experiência, quais são as demandas mais recorrentes que chegam ao Núcleo de Defesa do Consumidor? Como o núcleo tem se adaptado para lidar com essas questões de forma mais eficiente?
As demandas mais recorrentes são fraudes e golpes bancários. Poderia te dizer empréstimos não reconhecidos, consórcios fraudulentos. Hoje, o golpe do consórcio é uma prática criminosa. A vítima pode obter uma reparação cível na justiça e obter uma indenização. O Núcleo de Defesa do Consumidor funciona pra isso - naturalmente para aquelas pessoas que não podem pagar um advogado.
Atuamos inicialmente de maneira individual. Atendemos aquela pessoa, coletamos os dados, tentamos realizar, resolver extrajudicialmente aquela demanda. Ou seja: a gente notifica a empresa, vê se a empresa resolve extrajudicialmente.
Quando não é possível, nós levamos o caso até o Poder Judiciário. Quando identificamos que um determinado fornecedor, uma determinada empresa, a demanda dela tem se multiplicado no núcleo com a mesma narrativa, nós instauramos um procedimento de tutela coletiva que pode resultar numa ação civil pública. Ou seja: a utilização de uma ferramenta pela Defensoria Pública para a gente tentar resolver o problema não apenas de um consumidor, mas de um universo grande de consumidores.
O Núcleo tem registrado aumento nas queixas relacionadas a serviços de telecomunicações e energia elétrica? Se sim, quais são as medidas mais eficazes que o Núcleo tem adotado para resolver esses problemas?
As demandas de telecomunicação reduziram bastante, sobretudo depois da universalização e da ampliação do serviço. A partir do momento que você teve a concorrência, que você teve ferramentas de fiscalização e controle mais efetivas, essas demandas de fato diminuíram.
Ainda temos demandas relacionadas a isso, mas as demandas relacionadas à energia elétrica ainda são bem recorrentes e hoje o Núcleo atende não só aqui na capital, mas atende também cidades do interior. Nas demandas relacionadas à energia elétrica, temos desde uma cobrança indevida até uma recuperação de consumo.
Muitas vezes o consumidor fala assim “Olha, eu recebi uma multa”, mas não é multa. É uma recuperação de consumo que a distribuidora faz por um valor que ela deixou de arrecadar daquele consumidor. Ela pode fazer isso? Pode. Mas existem critérios pra ela fazer isso.
O que o Núcleo faz? Eu vou observar se a distribuidora, pra recuperar aquele consumo, fiscalizou esses critérios. Essa demanda é bem comum. Desde 2016, construímos um canal “linha direta” com a distribuidora de energia, com a atual concessionária no estado do Pará, através do qual a gente resolve essas demandas extrajudicialmente.
Então, eu judicializo muito pouco as demandas contra a distribuidora. A maioria dos casos nós resolvemos através de um canal “linha direta” extrajudicial. Essa, sem dúvida, é uma das principais demandas relacionadas à distribuidora.
No interior do estado, temos demandas relacionadas à qualidade do serviço. Hoje mesmo eu atendi uma comunidade, moradores da Ilha de Algodoal, informando sobre as recorrentes interrupções do serviço lá. Então, são casos também que nós, a Defensoria Pública, se ocupa tentando encontrar solução para benefício desses consumidores.
Recentemente, a Câmara dos Deputados aprovou a gratuidade da bagagem de mão em voos domésticos. Como o Núcleo avalia essa decisão e de que forma ela pode afetar os direitos do consumidor?
O Legislativo tem essa atribuição de estabelecer, de normatizar, em especial o Legislativo Federal, as questões relacionadas às relações de consumo. Eu penso que é uma medida correta e que, na verdade, ela está tentando evitar que a regulação setorial, que a regulação da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) pudesse regulamentar essa cobrança.
Cada um dos serviços tem um ente regulador. A energia elétrica tem a Anel (Agência Nacional de Energia Elétrica). Os serviços de saúde suplementar tem a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). A Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) faz a regulação da aviação civil.
O que a gente verifica, muitas vezes, é que são editadas normas, resoluções que, muitas vezes, vão ao encontro do consumidor. Então, quando você tem uma norma nesse sentido, é uma norma que já blindou essa possibilidade. Ou seja: ela protegeu o consumidor.
Vejo com satisfação e, de certa forma, como consumidor, com alívio essa blindagem, através da qual a legislação vai, efetivamente, proibir essa cobrança. Eu penso que, em que pese o Brasil zelar e ter como fundamento da ordem econômica o livre mercado, é muito importante que o livre mercado seja compatibilizado com os direitos do consumidor.
É muito importante que o mercado não seja, efetivamente, sem regulação, sem limites, sem zelar pelo interesse e pelos direitos dos consumidores. Afinal de contas, todos nós somos consumidores e todos nós estaríamos sujeitos a isso.
O argumento de que a inclusão da cobrança de bagagem de mão, como foi o caso da cobrança do assento marcado, ou ainda da vedação do despacho gratuito de bagagens, viria para trazer uma redução nas tarifas, foi visto que isso, efetivamente, não acontece, justamente por essa liberdade de mercado.
É preciso, sim, medidas, se não no ambiente, na regulação setorial que a Anac faz, através do legislativo, para proteger o consumidor desse tipo de prática.
Existe alguma área que na sua opinião ainda carece de mais atenção legislativa para proteger os cidadãos?
Eu penso que a legislação relacionada ao setor precisa ser aprimorada. Ela precisa trabalhar reconhecendo as realidades, principalmente as realidades regionais. Hoje nós temos um Estado com grande potencial de geração de energia através das nossas atividades hidrelétricas e que geram impacto para milhares de pessoas e temos aí a tarifa mais cara do país.
Através da regulação, da legislação, seria possível sim criar uma compensação para esse tipo de cobrança. Fazer com que aquelas pessoas que, efetivamente, estão no Estado possam se sentir contempladas pelos impactos da geração de energia produzida por Belo Monte e por Tucuruí.
Seria muito importante que houvesse esse esforço normativo, através do legislativo, para que nós tivéssemos uma compensação por isso. Imagino um cenário no qual o consumidor, por estar no Estado do Pará, abre a sua conta e consegue identificar o item ali que, efetivamente, significa um desconto por conta de estar no Estado.
Isso seria benéfico não apenas para consumidores residenciais, que são realmente quem tem mais vulnerabilidade por conta da energia, mas seria benéfico também para o setor produtivo.
Conseguiríamos atrair mais empresas, conseguiríamos gerar mais empregos se nós tivéssemos uma justiça tarifária com uma compensação nesse ponto. Eu penso que a normatização ajudaria muito. Também acho que é preciso avançar em outras áreas também. Por exemplo, as áreas voltadas aos planos de saúde, pois volta e meia temos aí reclamações, denúncias de operadoras de telefonia que não querem fornecer o serviço.
Diria que carece de regulamentação satisfatória a questão relacionada aos bancos e instituições financeiras, que muitas vezes estão se omitindo de fraudes bancárias por conta da ausência de legislação.
Em tempos de crise econômica, muitos consumidores acabam sendo vítimas de práticas abusivas. Quais orientações o Núcleo oferece para ajudar a população a identificar e evitar essas práticas no dia a dia?
A ausência de informação sobre determinado produto ou serviço, ou sobre determinada relação de consumo, muitas vezes tem favorecido muito a lesão ao consumidor. Não digo que ela é a causa da lesão, porque, afinal de contas, a lei estabelece a obrigação do fornecedor.
Mas o consumidor bem informado pode minimizar muito dos prejuízos que ele sofre na relação de consumo. De que forma o Núcleo trabalha? Fazendo essa informação. Produzimos materiais informativos, alertando a população sobre os riscos diante de golpes e fraudes bancárias. Produzimos materiais relacionados à energia azul, que é o material que trabalhamos para orientar as pessoas que busquem a tarifa social de energia elétrica, sobretudo aquelas famílias de baixa renda que muitas vezes estão pagando uma conta alta de energia. Elas têm direito a ter um desconto que é previsto em lei.
A nossa forma de atuar, além de processos, notificações, que é o nosso dia a dia enquanto Defensoria, é prestar o dever de informação, ir até os veículos de comunicação, ir até as escolas, fazer eventos em praça pública. É ir até o encontro da sociedade e ali prestar essa informação para que as pessoas possam se prevenir.
O Núcleo tem dados sobre o número de queixas já feitas pelo consumidor paraense? Qual a área que recebe mais queixas?
O Núcleo faz um atendimento anual de mais de 15 mil pessoas. Nesse percentual, costumamos trabalhar com uma média de 60% dessas reclamações relacionadas a produtos bancários, fraudes, golpes do consórcio. Nosso carro-chefe hoje está relacionado a isso. Tanto que implementamos uma ferramenta só para isso, chamada “Proconsumidor”, do Ministério da Justiça, justamente para tentar resolver de forma rápida e eficaz essas demandas.
Outro número, que é um número interessante, diz respeito às demandas relacionadas à energia elétrica. Hoje conseguimos resolver mais de 70% das nossas demandas extrajudicialmente. Uma senhora que nos procura reclamando da sua conta conseguimos resolver a pendência dela sem precisar levar ao judiciário. Isso é um ganho importante, porque, como é de conhecimento público notório, o judiciário está sobrecarregado.
É preciso que se criem ferramentas justamente para resolver antes de chegar na máquina judicial. O objetivo é, além de dar uma resposta rápida para esses consumidores, descongestionar uma máquina que está sobrecarregada.
Dessas 15 mil pessoas, você vai ter esse universo de demandas, todas relacionadas à relação de consumo. Você vai ter desde energia elétrica, serviços bancários, planos de saúde, serviços de educação. Tudo o que envolve relação de consumo você vai ter efetivamente lá.
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