Construções na orla de Belém devem esquentar os debates na Câmara

Enquanto o PSOL tenta ganhar tempo, com pedido de vista de Lívia Duarte a veto do prefeito Zenaldo Coutinho, uma outra matéria deve ser apresentada na casa

Keila Ferreira

A decisão do colégio de líderes da Câmara Municipal de Belém de incluir na pauta de votação o veto do ex-prefeito Zenaldo Coutinho a um Projeto de Lei Complementar que flexibiliza as regras para uso do solo urbano em áreas de preservação ou zonas de interesse urbano reacendeu o debate sobre o assunto na capital.

Agora, uma outra matéria pode esquentar ainda mais as discussões. O presidente da Câmara Municipal de Belém, Zeca Pirão (MDB), vai apresentar um projeto para permitir a construção de prédios comerciais ou residenciais na orla de Belém. Ele observa que a proposta ainda precisará passar pela Comissão de Justiça, antes de ir para plenário, mas a intenção é garantir isso na próxima semana, quando a casa deve analisar o veto do ex-prefeito.

Zeca Pirão falou sobre o assunto ao conversar com O Liberal sobre o Projeto de Lei Complementar nº 01, de 21 de outubro de 2020, que abre possibilidade de determinados empreendimentos em áreas onde, atualmente, isso é vedado. A matéria foi aprovada no final do ano passado, mas o então prefeito Zenaldo Coutinho vetou. Se o veto for derrubado, grandes comércios varejistas, atacadistas e depósitos, por exemplo, poderão ser erguidos em todos os bairros, inclusive orlas, nos distritos do Guamá e da Sacramenta. Alguns vereadores têm reagido contra essa possibilidade, enquanto outros defendem a mudança e flexibilização para uso desses espaços.

“Porque eu acho que Belém está muito atrasada, olhando aí outras capitais, como São Luís, Fortaleza, prédios, hotéis, nas orlas. Tudo que estiver em orla, a gente vai incentivar, lojas, restaurantes, prédio, para melhorar a qualidade de vida das pessoas, gerar emprego, renda e modernizar a cidade, porque as pessoas não tem a visão do rio, a gente não enxerga, porque a gente não tem um investimento nesse sentido. Nós estamos pensando em aprovar o mais rápido possível”, afirma Pirão.

Em reunião da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) realizada nesta segunda-feira (17), a vereadora Lívia Duarte (PSOL) pediu vistas ao veto do prefeito, impossibilitando a apreciação dele pelo plenário, nas sessões desta terça (18) ou quarta-feira (19). Mas o presidente da Câmara afirmou que pretende incluir a matéria na pauta logo que ela passar pela CCJ. “Então quer dizer que em todo lugar do Brasil estão errados, só aqui estão certos. A gente tem que pensar em não prejudicar nada do meio ambiente, mas pensar pra frente”, disse Zeca Pirão. 

Outro vereador a favor de propostas nesse sentido é Mauro Freitas (PSDB), que presidia a Câmara quando o PLC nº 01/2020 foi aprovado pelos parlamentares e, posteriormente, vetado por Zenaldo. Ele conta que não conseguiu participar da reunião do colegiado de líderes, na semana passada, em razão de um compromisso externo, mas ficou feliz em saber que, não estando presente, outros colegas tiveram o mesmo entendimento que ele, para apreciar o veto.

“Belém é uma cidade que não tem indústria, fábrica, que vive basicamente do turismo, serviço e comércio. Qual turismo pode ser feito em Belém se nós não temos uma orla que se possa apresentar para o país e pro mundo? Você vai em Manaus, Fortaleza e Recife, e vê que Belém virou uma cidade pequena e com gente que defende essa cidade pequena. Eu sou um vereador do futuro, eu quero uma Belém para o futuro e pra isso a gente precisa construir orla, pra mostrar os nossos rios”, disse.

Mauro Freitas argumenta que o Plano Diretor de Belém está atrasado quase 20 anos. “Nós precisamos construir uma bela orla, criar hotéis para que os turistas que vierem de fora possam se hospedar, assim como fazem quando vão para outra capital. Quem não lembra da Estação das Docas, que chamavam “Estação das Dondocas” quando o Almir quis construir? Foi alterado o gabarito (dimensões preestabelecidas para a altura das edificações) para construir. Agora pensa, tira a Estação das Docas de lá! Hoje, nós precisamos construir mais estação das docas, mais casas das onze janelas, mais e mais Ver-o-Peso, precisamos melhorar Icoaraci, ampliar o Portal da Amazônia. Com a experiência que tenho hoje como vereador, não tenho medo de discutir essa questão”, afirma.

O vereador defende também que a construção de empreendimentos na área vai garantir geração de emprego e renda e questiona o discurso de preservação do patrimônio.

“É a mesma conversa furada que usam a vida toda. Esse discurso vem desde (o ano de) 1800. Lá em Fortaleza, não tem esse discurso. Inclusive os moradores de Belém, em vez de gastar o dinheiro em Belém, vão gastar em Fortaleza, Manaus, São Luís, Recife. Quando eu apresentei a proposta para que o voo da TAP (empresa aérea portuguesa) seria implementado aqui, fui criticado, porque diziam que em vez de estar preocupado com transporte público, eu estava preocupado com transporte pra rico. Hoje, esse voo é o que mais deixa turistas aqui e é fundamental, assim como também o voo que tem para os Estados Unidos. São voos que botaram Belém na rota do turismo mundial”, declarou Mauro Freitas.

CONTRÁRIOS

Procurada pela reportagem, Lívia Duarte diz que vai ficar o máximo de prazo que tem direito com o processo, que são cinco dias úteis. “A gente pediu vista por acreditar que é uma matéria que mexe muito com toda a vida da cidade. Eu quero ouvir os urbanistas, quero ouvir a comunidade, o atual prefeito de Belém, para que a gente possa fazer a discussão com propriedade”, ressalta.

Um dos vereadores mais críticos à proposta aprovada ano passado pela Câmara e vetada pelo ex-prefeito, Fernando Carneiro (PSOL) diz que a ideia é ganhar tempo, para garantir o amplo debate sobre a matéria. O projeto vetado por Zenaldo e que deve voltar a ser debatido pelo plenário da Câmara altera a Lei Complementar nº 2, de 19 de julho de 1999. Uma das mudanças é no artigo 98 da Lei, que proíbe o loteamento do solo nas zonas de preservação ambiental e de interesse urbano especial. Pelo texto do projeto, isso passaria a ser permitido em empreendimentos que já se encontram parcelados e loteados antes da vigência da Lei nº 8.655, de 30 de julho de 2008.

“Ou seja, a mesma coisa que dizer o seguinte: “olha, está proibido isso, mas se já fez, deixa. Ou seja, quem já cometeu o crime, vai ser perdoado. Se ele fez e, hoje, não consegue pegar o título de propriedade da terra, porque está irregular, vai ser beneficiado. É a mesma lógica daquele atacadão no Portal. Eles sabiam que era irregular, aí altera a Lei, está permitindo que aquelas pessoas que cometeram o crime, na cidade inteira, sejam perdoados”, declarou Carneiro.

Na segunda alteração, são retiradas restrições para construção de empreendimentos nos distritos administrativos do Guamá (Distrito D’água) e da Sacramento (Dasac), permitindo a construção de grandes comércios varejistas, atacadistas e depósitos em todos os bairros, inclusive orlas, nesses distritos, o que para Fernando Carneiro coloca em risco não apenas áreas de proteção como áreas de Patrimônio Histórico.

“São vários problemas (no projeto). Ele foi aprovado junto com outros 85, em menos de dez minutos. Não houve menor discussão entre os vereadores. Segundo, não houve discussão com a sociedade civil. Tem que ter audiência pública, é indispensável. E mais ainda, quando tu estás mexendo com uma cidade inteira, precisa pelo menos ouvir os órgãos de patrimônio histórico, de preservação ambiental, Conselho de Meio Ambiente. Por isso, eu acionei o Ministério Público na semana passada mesmo”, disse.

"É verdade que gera emprego e renda, mas todas as pesquisas mostram que os que mais geram são os pequenos empreendimentos e causam menos impactos ambientais e ao patrimônio histórico. Então, esse argumento não se sustenta. Usam esse argumento para justificar a especulação imobiliária e os interesses dos grandes empresários”, completou.

O MP e o Grupo Atacadão, citado por Fernando Carneiro, foram procurados. O Atacadão informou que a unidade do Portal da Amazônia não está localizada em área de preservação ambiental. "A empresa reforça que a unidade é regularizada e conta com a documentação necessária junto aos órgãos competentes. A loja esteve embargada durante 2 anos e deve abrir nos próximos dias, com a geração de 600 novos empregos", diz a nota.

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