Passaporte de apátrida: entenda o que é e o que diz a lei sobre afirmação de Eduardo Bolsonaro
Declaração do ex-deputado reacende debate sobre apatridia, condição jurídica reconhecida apenas quando não há nacionalidade por nenhum país
Os termos “apatridia” e “passaporte de apátrida” voltaram ao debate público após o ex-deputado federal Eduardo Bolsonaro afirmar que pode buscar um passaporte de “apátrida” para permanecer nos Estados Unidos. A declaração ocorreu depois da perda de seu mandato na Câmara dos Deputados por excesso de faltas às sessões deliberativas.
De acordo com a legislação internacional e brasileira, uma pessoa apátrida é aquela que não é considerada nacional por nenhum Estado, conforme a sua legislação. A definição segue a Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, de 1954, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 4.246, de 22 de maio de 2002.
No Brasil, o reconhecimento dessa condição garante proteção internacional, regularização migratória e, posteriormente, condições facilitadas para a naturalização brasileira, desde que cumpridos os requisitos legais.
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O que é apatridia
Uma pessoa apátrida não possui nacionalidade reconhecida por nenhum país. A condição pode existir desde o nascimento ou ser adquirida ao longo da vida, em razão de conflitos entre legislações nacionais, ausência de registro civil ou discriminação.
Segundo a Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), a apatridia ocorre em diferentes partes do mundo e afeta milhões de pessoas, limitando o acesso a direitos básicos como educação, saúde, trabalho e documentação civil.
O que causa a apatridia
A apatridia costuma resultar de situações em que a pessoa não se enquadra nos critérios de nacionalidade do país onde nasceu nem do país de origem de seus pais. Entre as causas estão lacunas nas leis de cidadania, sucessão de Estados, conflitos armados e políticas discriminatórias.
Não são considerados casos de apatridia a renúncia voluntária à nacionalidade ou a não solicitação de uma nacionalidade à qual a pessoa tenha direito.
Como funciona o reconhecimento da condição de apátrida no Brasil
O reconhecimento da condição de apátrida é um ato administrativo pelo qual o Estado brasileiro declara que o indivíduo não é considerado nacional por nenhum país.
No Brasil, o procedimento é conduzido pelo Departamento de Migrações (DEMIG), vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. As solicitações são feitas por meio do sistema eletrônico SisApatridia.
O processo analisa documentos, informações e declarações do próprio solicitante, além de dados fornecidos por órgãos nacionais e organismos internacionais.
Pessoas menores de 18 anos podem solicitar o reconhecimento da condição de apátrida no Brasil. Nesses casos, o pedido deve ser apresentado por um dos pais ou responsável legal.
Requisitos avaliados pelo governo brasileiro
Para que o reconhecimento da condição de apátrida seja concedido no Brasil, é necessário comprovar:
- Não ser considerado nacional por nenhum Estado, nos termos da Convenção de 1954;
- Residência no Brasil;
- Ausência de antecedentes criminais nos países onde residiu nos últimos cinco anos.
Documentos estrangeiros devem estar legalizados e apostilados conforme a Convenção de Haia, além de acompanhados de tradução juramentada realizada no Brasil.
Efeitos do reconhecimento da apatridia
Após a publicação da portaria de reconhecimento, o requerente passa a ter autorização de residência por prazo indeterminado no Brasil e deve solicitar o Registro Nacional Migratório (RNM) junto à Polícia Federal.
A legislação brasileira também permite que a pessoa reconhecida como apátrida requeira a naturalização brasileira, desde que comprove as condições previstas na Lei nº 13.445, de 2017.
Impactos da apatridia na vida das pessoas
Uma pessoa apátrida não possui proteção de nenhum país. Isso dificulta o acesso a direitos como educação, saúde, trabalho formal, abertura de conta bancária, emissão de documentos, participação política e liberdade de circulação.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a condição também provoca impactos emocionais e psicológicos, como o sentimento de não pertencimento e a limitação de oportunidades ao longo da vida.
Declaração de Eduardo Bolsonaro e o debate jurídico
Eduardo Bolsonaro afirmou que, após perder o mandato, deverá devolver o passaporte diplomático e que poderia ficar sem passaporte brasileiro. Segundo ele, haveria uma orientação para que embaixadas brasileiras não emitam o documento em seu nome.
Diante desse cenário, o ex-deputado mencionou a possibilidade de buscar um passaporte de apátrida para continuar realizando deslocamentos internacionais.
A perda do mandato ocorreu por ato administrativo da Câmara dos Deputados, com base no artigo 55 da Constituição, em razão do acúmulo de faltas às sessões deliberativas. A decisão caracteriza uma sanção interna do Legislativo e não implica, por si só, a suspensão ou perda dos direitos políticos.
Investigação no STF e permanência no exterior
O filho do ex-presidente Jair Bolsonaro está fora do Brasil há meses e é investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O inquérito apura suspeitas de tentativa de coação ao Poder Judiciário e de articulações, nos Estados Unidos, para a imposição de sanções contra autoridades brasileiras, incluindo ministros da Corte.
Especialistas e organismos internacionais esclarecem que a apatridia não decorre da perda de mandato eletivo nem da ausência temporária de passaporte, mas de uma condição jurídica específica que precisa ser formalmente reconhecida pelo Estado.
Casos reconhecidos no Brasil
Em 2018, o Brasil concedeu nacionalidade brasileira às primeiras pessoas reconhecidas como apátridas na história do país. As irmãs Maha e Souad Mamo, nascidas no Líbano, não puderam ser registradas nem no país de nascimento, nem na Síria, país de origem dos pais, devido a restrições legais.
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