Suspeito de roubos é socorrido após sessão de espancamento na BR-316
Ele sofreu várias agressões graves por várias pessoas diferentes que podem ser responsabilizadas. Entenda.

Um homem não identificado estaria cometendo roubos na rodovia BR-316, próximo a uma agência da Caixa (km 3), no início da manhã desta terça-feira (26). Porém acabou sendo flagrado e capturado por pessoas que estavam na área. Foi espancado até desmaiar na calçada. Mesmo após rendido, outras pessoas que passavam pelo local ainda cultuavam a violência, com mais socos, chutes e pauladas no homem. Algumas pessoas filmaram e fotografaram. O conteúdo ganhou as redes sociais digitais rapidamente.
Após algum tempo, ele é resgatado pelo Corpo de Bombeiros Militares e levado a uma unidade de saúde. Ainda com um comportamento mórbido, pessoas seguem fotografando e filmando. Nas fotos e vídeos que mostram as agressões, é possível ver várias pessoas. O atual delegado-geral da Polícia Civil, Walter Resende, já havia participado de uma reportagem, publicada em O Liberal, em agosto de 2019, na qual falava sobre o "justiçamento". É o que ocorreu com o homem espancado nesta terça.
"É uma atitude reprovável. Agressão por agressão não dá, muito menos morte por morte, ou morte por um delito menor. Muitas pessoas podem considerar que seja legítima defesa, mas não se trata disso. Analisamos pelo grau de intensidade da reação diante de um fato. Se uma pessoa reage a um assalto e dá um soco no assaltante e pede ajuda e rende a pessoa, ali a pessoa já está presa e o correto é chamar a polícia para conduzir ou conduzir direto para a delegacia, pelo direito que o Código Penal e a Constituição dão a qualquer cidadão de dar voz de prisão. Agora espancar, linchar ou atirar num acusado é outro crime e o acusado pode ser vítima e até fazer uma ocorrência", observa Resende.
O que está no artigo 301 do Código Penal Brasileiro é: qualquer cidadão pode dar voz de prisão a alguém flagrado cometendo algum crime, como reforça Walter Resende. Esse direito, que para a polícia é dever, qualquer pessoa tem. Mas ninguém tem o direito de agredir ou matar um criminoso, não importa o delito cometido.
Agressores não são "justiceiros" e podem ser punidos
Ao matar criminosos ou espancá-los, explicou Resende, na entrevista publicada anteriormente, pessoas não estão ajudando a Polícia ou a Justiça, mas sim cometendo outros crimes, que podem variar de lesão corporal a homicídio. O justiçamento, termo que nasceu na Ditadura Militar, para delegados e sociólogos, é reflexo de uma sensação de impunidade e de descrença no poder judiciário, que reforçam o medo e a revolta. Sobra para a Polícia Civil a tarefa de identificar os "justiceiros", quase sempre difíceis de se rastrear, pois agem em turba ou de forma muito rápida.
No Brasil, não existe pena de morte. Ainda que muita gente queira, a Constituição Federal sequer prevê essa possibilidade. A sanha de uma parcela da população em se armar, muitas vezes, está enraizada na vontade de "fazer justiça" com as próprias mãos. Isso se deve a conhecimentos distorcidos sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos, sobre políticas de segurança pública e sobre a prevenção da violência. Novamente, uma sensação de descrença no estado democrático de direito.
O sociólogo José de Souza Martins, que escreveu o livro "Linchamentos: a justiça popular no Brasil", estima, com base nas pesquisas dele, que haja pelo menos uma tentativa de linchamento por dia no Brasil.
Tanto José quanto os sociólogos Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo e Maria Victória Benevides, todos autores reconhecidos nacionalmente pelos estudos sobre a violência popular e justiçamentos, são enfáticos em destacar que a descrença nas autoridades, medo e indignação são sentimentos irradiáveis e que rapidamente se espalham e são proporcionais à sensação de insegurança e de aumento dos índices de criminalidade, restando ao grupo de "justiceiros" uma única ferramenta: mostrar, através de um exemplo de barbárie, sangue e desfiguração ou até morte a reprovação ao crime e o que seriam as consequências de cometer um delito na área em que ocorreu o justiçamento.
Possível origem do termo "linchamento"
O termo linchamento nasceu no século XVIII, com o coronel Charles Lynch. Ele reuniu uma milícia que criou um tribunal informal de tortura e homicídio, no estado da Virginia, Estados Unidos. Então foi criada a "Lei de Lynch". Quem era julgado culpado por qualquer crime que fosse, seria "lynched" (linchado). Mas já existia uma "lei" mais antiga e é bem conhecida no senso comum: a Lei de Talião, que determina "olho por olho, dente por dente".
Quem se considera "justiceiro", que nada tem a ver com o anti-herói dos quadrinhos da Marvel, pode também ser enquadrado no artigo 345 do Código Penal Brasileiro, uma tipificação específica para a ideia de fazer justiça com as próprias mãos. Mas essa tipificação implica em algo de menor gravidade. Lesão corporal grave ou homicídio continuam sendo os crimes de quem promove um espancamento ou linchamento.
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