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Facções criminosas veem no Rio de Janeiro um refúgio estratégico; entenda o porquê

Operação deflagrada na terça-feira (28) expôs conexão entre criminosos do Pará e o Comando Vermelho carioca, deixando mais de 100 mortos

O Liberal
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O Rio de Janeiro segue sendo um dos principais destinos de criminosos de outros estados, inclusive do Pará, que buscam refúgio e fortalecimento de vínculos com facções locais. A avaliação é do oficial de justiça e pesquisador da área de segurança pública Roberto Magno Reis Netto, que analisa o fenômeno como um verdadeiro processo migratório do crime organizado, intensificado nos últimos anos.

A observação do especialista ganha relevância diante da megaoperação de combate às facções criminosas deflagrada na última terça-feira (28), que deixou mais de 100 mortos em diferentes pontos do Rio de Janeiro. Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Pará (Segup), a ação também tinha como alvo paraenses membros de facções criminosas que se escondiam no Rio. Ainda conforme a Segup, pelo menos 15 paraenses estão entre os mortos e outros cinco foram presos durante a operação.

De acordo com Roberto Magno, o Rio se torna atrativo para criminosos foragidos por uma série de fatores. Entre eles, a presença consolidada de facções e milícias, o que torna mais difícil a entrada das forças de segurança em comunidades dominadas. “Como lá as facções já dominam há muito tempo e coexistem com milícias que envolvem em muito o Estado, há uma dificuldade muito maior do domínio dos morros pela Segurança Pública e da entrada nesses locais sem que haja uma megaoperação e sem que haja morte”, explica.

O pesquisador afirma que esse deslocamento de criminosos não é exclusivo do Rio, mas ocorre também em estados onde há ‘bunkers’ bem estabelecidos das facções, como Santa Catarina. No entanto, o diferencial carioca é a combinação entre estrutura criminal consolidada e dificuldade de enfrentamento policial, o que transforma o estado em um abrigo estratégico.

Além do abrigo, há vantagens logísticas na relação entre o Comando Vermelho do Pará e o do Rio. “Há uma rede de apoio entre eles, não só no sentido de refúgio e trânsito, mas também de transcurso de drogas e armas. Dominar a rota do Pará para o tráfico de cocaína e skunk, por exemplo, é muito relevante para o Comando Vermelho no Rio de Janeiro. Como contrapartida, eles fazem o envio de armas de lá para cá”, comenta.

Para Roberto Magno, o fenômeno se insere em uma dinâmica que ele define como “territorialidade em rede do crime”, caracterizada pela interconexão entre organizações criminosas de diferentes estados. Ele ressalta que o trabalho de inteligência e a cooperação entre as polícias têm sido fundamentais para rastrear e capturar foragidos, mas alerta que o problema é estrutural e exige estratégias integradas e permanentes.

“A inteligência é essencial não só para a detecção dessas pessoas, como também para a compreensão do funcionamento das redes de tráfico, da organização desses grupos e, efetivamente, para que eles sejam combatidos”, conclui o pesquisador.

Histórico do Comando Vermelho

Uma das maiores e mais antigas facções criminosas do Brasil, nascida no fim da década de 1970, dentro do presídio da Ilha Grande, no estado do Rio de Janeiro, a atuação do Comando Vermelho abrange o tráfico de drogas, roubos, sequestros e armas de fogo. À época, presos políticos detidos durante a ditadura militar (1964–1985) foram colocados nas mesmas celas que criminosos comuns. Enquanto os políticos ensinavam noções de organização, disciplina e solidariedade, os criminosos comuns repassavam o conhecimento prático do mundo do crime.

Dessa união, surgiu um grupo inicialmente chamado de Falange Vermelha, criado por Rogério Lemgruber, um assaltante e traficante do Rio de Janeiro. Mais tarde evoluiu para o Comando Vermelho.

O CV tem papel central na economia paralela do tráfico de drogas no Rio. Controla rotas de entrada de entorpecentes, especialmente vindos da Bolívia, Peru e Colômbia, e distribui a mercadoria para comunidades e outros estados.

Para Aiala Colares, geógrafo, doutor em Ciências do Desenvolvimento Socioambiental (NAEA-UFPA), professor, pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade do Estado do Pará (Uepa) e diretor-presidente do Instituto Mãe Crioula, a difusão do Comando Vermelho em boa parte do território brasileiro tem relação com “encarceramento em massa da população”, o que colocou o Pará como “o principal aliado” da facção no país e abriu uma rota para os membros procurarem refúgio no Rio de Janeiro. De acordo com ele, essa relação estratégica busca alcançar as principais rotas da cocaína e de tráfico de armas que passam pela região amazônica.

“Hoje o Brasil tem a terceira maior população carcerária do planeta; são mais de 800 mil pessoas encarceradas. Pelo presídio se dá a aliança entre facções, a exemplo do CV e do PCC (Primeiro Comando da Capital). E foi nesse circuito que o Pará se tornou um braço do PCC na região Norte. Isso explica em parte o fato de muitos aliados e membros do Comando Vermelho acabarem indo para o Rio de Janeiro”, disse ele.

Segundo Colares, para que as medidas de combate ao tráfico de drogas e ao crime organizado sejam bem-sucedidas, é preciso entender que eles funcionam além das periferias. “O Rio se tornou estratégico porque é um local onde essas bases operacionais nas favelas representam a massa operacional da mão de obra barata e descartável do crime organizado”, detalhou.

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