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Rodovia Liberdade: quilombolas questionam falta de transparência em projeto de avenida no Pará

Área da comunidade tradicional que existe há três séculos será impactada pelo projeto, que já teve empréstimo de R$400 milhões aprovado. Secretaria de Transportes evita abordar o assunto

Eduardo Laviano / O Liberal

Um projeto do governo estadual pretende traçar uma nova via, de 14 quilômetros de extensão, entre a avenida Perimetral, no bairro da Terra Firme, até o município de Santa Izabel do Pará. O traçado do projeto passa também por parte do território da Universidade Federal Rural do Pará (Ufra) e do quilombo Abacatal, em Ananindeua.

Com o objetivo de desafogar o trânsito na Almirante Barroso, a chamada "Avenida Liberdade", teria grande impacto na vida e nos costumes da comunidade, que abriga 121 famílias remanescentes do quilombo. A área do quilombo corresponde a 618 hectares. Para Cristiane Maia, do coletivo Toró Açú, a rodovia representaria, na verdade, um aprisionamento, pois acabaria com uma via que liga os quilombolas aos centros urbanos.

image (Sidney Oliveira / O Liberal)

"A gente transitava pelo rio através de embarcações, canoa, rabeta. Depois dos projetos e empreendimentos, nossa única estrada é esta, de terra. É por onde transportamos nossos doentes, por onde nossos filhos vão estudar... o ônibus escolar passa por essa estrada. A rodovia Liberdade vem tirar nossa liberdade. Liberdade para alguém talvez, mas que não é para nós. Ela vem para nos aprisionar dentro do quilombo de novo", reflete.

Surgido por volta de 1710, o quilombo Abacatal, localizado em Ananindeua, região metropolitana de Belém, luta há décadas para manter a história da comunidade viva. Desde 1883, porém, com a construção da Estrada de Ferro Belém-Bragança, a região não saiu mais do mapa dos grandes empreendimentos e projetos, tanto da esfera pública como da privada.     

Manifestação

Os moradores realizaram um protesto na manhã da última quarta-feira (9) em frente ao Palácio do Governo, na avenida Almirante Barroso, manifestando-se contra a construção da avenida. Também participaram do ato representantes dos movimentos Salve Amazônia, Juntos e da Conferência Nacional Bispos do Brasil.

Para Vanusa Cardoso, uma das lideranças, a exigência prioritária dos quilombolas ao Governo do Estado é a consulta prévia, prevista em lei.

"Consulta prévia, livre e informada. O que a rodovia vai trazer de impacto para a comunidade é gigantesco, haja vista que a rodovia privada vai impedir o nosso vir pela nossa única via de acesso da comunidade. Vai afastar os animais também, pois vivemos em corredor ecológico", diz ela, ao lembrar que eles necessitam ir diariamente para Ananindeua, especialmente para vender os alimentos e artesanatos que produzem.

Dimensões

image (Sidney Oliveira / O Liberal)

O Pará é o estado brasileiro com o maior número de comunidades quilombolas tituladas no país: 62. É também referência no tema por ser lar do primeiro município brasileiro a outorgar um título de reconhecimento de domínio para os remanescentes de quilombo, no caso, em Oriximiná, oeste do Pará.   

Mas não são apenas os quilombolas que desconfiam dos impactos da via. A comunidade acadêmica da Ufra compartilha do mesmo sentimento. Para o professor Manoel Tourinho, que já foi reitor da instituição, toda a comunidade acadêmica precisa ser ouvida também.

"Tínhamos áreas da escola de agronomia aqui e experimentos com cana-de-açúcar, milho. Tem ruínas dos Munduruku lá e engenhos da época da ocupação carmelita naquela pestana de várzea. A sede da Ufra é voltada para a várzea por uma razão, pois ela tem suma importância para a produção científica na Amazônia", avalia ele.

No dia 23 de fevereiro deste ano, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade, órgão licenciador da obra, convocou entidades e outros interessados para contribuir com a elaboração do Termo de Referência que iria nortear a elaboração do estudo ambiental do projeto de implantação da rodovia. As sugestões deveriam ser encaminhadas por e-mail até o dia 15 de março.

Um abaixo-assinado virtual contrário à avenida Liberdade já alcançou mais de duas mil assinaturas até a última sexta-feira (11). O projeto, enviado pelo governo do estado à Assembleia Legislativa do Pará, teve recursos aprovados no valor de R$400 milhões, passando por análise das comissões de Constituição e Justiça e de Fiscalização Financeira e Orçamentária.

"Considerando a necessidade de promover políticas de mobilidade urbana para a modernização da malha viária na Região Metropolitana de Belém, e com foco na preservação ambiental, o Parlamento do Pará, votou consciente de sua responsabilidade em garantir melhorias por meio desse investimento modal importante para o desenvolvimento da região e para a população", informou a Assembleia em nota para a reportagem.

Outro lado

A Redação Integrada de O Liberal procurou a Secretaria de Transportes do Governo do Estado para obter informações sobre o estágio atual do projeto, perspectivas para início das obras e o questionamento apontado pela comunidade sobre a falta de diálogo. Em nota enviada na manhã de domingo (13) a secretaria informou que "está na fase de elaboração do projeto básico para a construção da Avenida Liberdade, e que cumprirá todos os prazos e etapas legais de licenciamentos previstos na Legislação vigente. A Setran esclarece ainda, que está  em tratativa com o órgão  responsável pelo Licenciamento  Ambiental,  para fazer escuta junto a todas as comunidades que serão influenciadas pelo empreendimento".

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