'Parece que me amavam só quando era diácono da Basílica', diz paraense que virou Pai de Santo
Em entrevista exclusiva, Manuel Valente revelou ainda que há anos já fazia preces e pedidos a orixás, entidades e Encantados, mesmo nas orações na Basílica Santuário de Nazaré. Veja!

Nos últimos dias, repercutiu nas redes sociais uma entrevista com Manuel Valente, doutor em Sociologia e Antropologia pela Universidade Federal do Pará. Natural de Cametá, ele já foi diácono na Basília Santuário de Nazaré, mas 'largou a estola' para se dedicar à umbanda, sendo atualmente Pai de Santo na Pérola do Tocantins.
Em março de 2020, Manuel Valente ganhou projeção nacional ao ser personagem da reportagem da BBC Brasil “Sou casado, tenho três filhos, e já me chamam de padre — menos a Igreja”. O texto discutia o Sínodo da Amazônia e a possibilidade de ordenar sacerdotes homens casados, reconhecidos por suas comunidades. Naquele momento, Manuel ainda atuava como diácono da Basílica Santuário de Nazaré, em Belém, mas já carregava uma ligação antiga e íntima com a Umbanda, vivida discretamente em família.
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Pouco tempo depois, o mundo foi abalado pela pandemia de Covid-19 e uma das vítimas foi o pai de Manuel. Em 2021, ele próprio esteve à beira da morte, internado em estado grave no hospital de campanha do Hangar, em Belém. O risco foi tão alto que uma nota fúnebre chegou a ser publicada, por engano, pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFPA. Em Cametá, muitos também acreditaram que ele havia falecido. Mas, como o sobrenome sugere, Manuel seguiu vivo e valente.
Fé, preconceito e resiliência
Durante a internação, relata ter vivido experiências espirituais decisivas. Em entrevista exclusiva ao podcast Chama para conversar, ele revelou que, em sonhos, encontrou Iemanjá, Jesus, Xangô, Santa Maria Madalena, Oiá e Ogum: “os filhos de Oiá fazem do risco de morrer, força pra viver”, recorda. Foi essa vivência de fé que, segundo ele, o salvou.
Após a alta, ainda permaneceu alguns meses como diácono, mas decidiu se desligar da Igreja Católica. A escolha não ocorreu sem críticas e distanciamentos. Amigos e fiéis se afastaram, revelando que o vínculo, muitas vezes, estava mais ligado ao cargo do que à pessoa.
“Várias filas se formavam na Basílica Santuário de Nazaré, quando eu era diácono, pra pedir bênção. E eu sempre rezei em silêncio, com a mão sobre a cabeça das pessoas. Eu pedia a Deus, a Nossa Senhora, a Jesus, mas também a Oiá, a Xangô, a Exu, a Dona Mariana. Galera não sabia. Depois que soube, pronto. Era fácil ser amigo do diácono, mas de um macumbeiro é ralado, né?” (sic), lembra.
Com coragem para assumir publicamente sua espiritualidade, Manuel fundou, em Cametá, o Casarão dos Encantados, onde hoje é zelador de santo ao lado da esposa, filhos e até do neto, já iniciado nos toques de tambor e no maracá. “Hoje estamos felizes. Uma família de macumbeiros muito feliz”, afirma.
Além da vida religiosa, Manuel atua como professor de Ciências Humanas na rede municipal de ensino, ministrando aulas para pessoas privadas de liberdade em sua cidade natal. Sua trajetória, marcada por resistência e resiliência, é um convite a refletir sobre tolerância e respeito. Entre bênçãos dadas na Basílica e os cânticos entoados no terreiro, ele construiu um caminho que mostra que fé não cabe em rótulos e que ser fiel a si mesmo pode ser o maior ato de espiritualidade.
Racismo religioso
O racismo religioso é a discriminação ou preconceito contra pessoas com base em sua religião ou crenças espirituais. No Brasil, essa forma de preconceito é frequentemente direcionada a religiões de matriz africana, como o Candomblé e a Umbanda, historicamente vistas com preconceito e oprimidas.
No entanto, o racismo religioso pode atingir qualquer grupo religioso e se manifestar de diversas formas, incluindo ataques físicos, agressões verbais, pichações em templos e até mesmo a destruição de locais de culto. É importante notar que o racismo religioso não se limita a ataques diretos, mas também se manifesta de forma sutil, através de piadas, comentários ofensivos ou a estigmatização de certas práticas religiosas.
No Brasil, o racismo religioso é crime, com a discriminação ou preconceito contra pessoas por motivo de religião ou crença sendo equiparado ao racismo. A Constituição Federal e a Lei nº 7.716/89, conhecida como a Lei Caó, tratam do tema. A pena para o crime de racismo é de reclusão de dois a cinco anos, além de multa. Além da punição criminal, as vítimas de racismo religioso também podem buscar a reparação de danos na esfera cível. É importante destacar que as denúncias podem ser feitas em delegacias de polícia ou através do Disque 100, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
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