Lixo têxtil é ameaça silenciosa ao meio ambiente

Iniciativas buscam alternativas para minimizar impactos e no Pará, projeto de moda e sustentabilidade transforma uniformes de empresas, que seriam descartados, em peças fashions

Marly Ramos de Quadros

Marly Quadros

Da Redação

 

A Região Metropolitana de Belém está às voltas com um problema que pode afetar seriamente as mais de 2,5 milhões de pessoas que vivem nos sete municípios que a integram: a falta de definição sobre a destinação final dos resíduos gerados pela população após 31 de agosto, quando deverá ser fechado o aterro sanitário de Marituba. Mas existe um outro problema, de certa forma silencioso, que afeta todo o País, a falta de tratamento adequado para as mais de 4 milhões de toneladas de resíduos têxteis descartados por ano no Brasil.

São roupas velhas, retalhos da indústria da moda e peças de couro, entre outros produtos, que chegam a 5% de todos os resíduos produzidos no país. Os números são do último levantamento da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), divulgado no ano passado. O impacto que essa indústria gera ao meio ambiente é maior que o do lixo comum, já que os materiais utilizados na produção das roupas são, em sua maioria, provenientes de petróleo.

Somado a isso, números apontam que o setor de vestuário é um dos que mais cresce no País. De acordo com a IEMI – Inteligência de Mercado, a previsão é que 6,55 bilhões de peças sejam comercializadas este ano no Brasil. Esse número é 3,8% maior do que em 2019, quando o setor esteve em seu auge, com 5,94 bilhões de unidades produzidas.

Os principais riscos desse tipo de resíduo são a poluição do solo e de nossos recursos hídricos, já que esse material demora no mínimo 20 anos para se decompor e esses resíduos muitas vezes são descartados em terrenos abandonados, servindo de abrigo para a proliferação de animais vetores de doenças, ou ainda lançados nas margens dos canais que cortam a cidade de Belém.

A engenheira ambiental e especialista em Gestão de Projetos, Érika Alinne Campos Veloso, explica que além dos riscos relacionados ao descarte das roupas em si, também há preocupação com as indústrias do setor têxtil. “Como atualmente o Pará possui somente duas indústrias que trabalham com o beneficiamento de fibras naturais e sintéticas e apenas uma que realiza a produção de artefatos têxteis, o volume de resíduos industriais desse ramo ainda é reduzido perante outros estados, como Ceará, São Paulo e Santa Catarina, que são os principais produtores têxteis”.

Érika, informa, ainda, que nos últimos anos houve um avanço na descentralização da gestão ambiental municipal, que propiciou que atividades como a de beneficiamento de fibras têxteis, bem como de acabamento de fios e tecidos, passassem a ser licenciadas pelos municípios, quando de menor porte, em acordo com a resolução do Conselho Estadual do Meio Ambiente nº 162/2021, proporcionando assim um controle maior por parte dos municípios relacionado aos impactos locais.

UPCYCLING

Na contramão dessa realidade, alguns projetos começam a surgir voltados para o movimento chamado de “Upcycling”, processo de transformação de produtos e restos da indústria têxtil em novas peças de roupas, uma tendência crescente para o aproveitamento dos resíduos.

No Pará, já existe uma iniciativa baseada neste princípio, o projeto “O Pará Virou Moda”, idealizado pelo estilista Tony Palha e pelo produtor cultural Tiago Gomes. Com o patrocínio da Equatorial Energia, via Lei Semear, o trabalho vem transformando uniformes que seriam descartados em roupas que podem ser usadas no dia a dia, inclusive com uma pegada fashion.

Já foram três desfiles com modelos criados pelo estilista e que tiveram como costureiras egressas do sistema penitenciário do Estado e mulheres em situação de vulnerabilidade, que passam por oficinas de formação e aprendem o novo ofício.

O estilista Tony Palha, que morou durante muitos anos fora da capital paraense, entre São Paulo, Rio de Janeiro e o exterior, retornou à cidade, onde resolveu investir no projeto e também na moda com a identidade amazônica, que ele apresenta em seus desfiles, inclusive na programação paralela do Milan Fashion Week, no ano passado.

“Temos o objetivo de inovar em nossas criações. Transmitindo, através de desfile a apresentação do reaproveitamento de uniformes que seriam descartados, transformando-os em roupa vintage, passando pelos saberes das mulheres, idosos, jovens e empresas que se identificam com a sustentabilidade no sentido de formação e geração de renda”, afirma Tony Palha.

Para Michelle Miranda, analista de Sustentabilidade da Equatorial Pará, o projeto se destaca porque além da questão da moda e sustentabilidade, ele também é focado no social, com a oportunidade de transformação de vida das mulheres que participam dos cursos e oficinas. “O projeto tem um tripé de moda, sustentabilidade e impacto social bem definido. A Equatorial preza por responsabilidade social quando decide apoiar uma iniciativa. A distribuidora de energia é a maior patrocinadora de cultura do estado e fica feliz ao ver ações importantes como essa ganharem o cenário nacional e internacional”, comenta Michelle.

PREMIAÇÃO

Depois do desfile na Itália, no ano passado, o projeto foi premiado durante evento em Roma, na quinta-feira, 25. O estilista Tony Palha e o produtor cultural Tiago Gomes estiveram presentes no Glamour Roma Capitale, um evento de gala da ACS Associazione Centro Spettacolo (Arte, Cultura e Espetáculo), que organiza eventos e cuida da comunicação e produção de programas televisivos e shows na cidade. A Equatorial Pará também foi premiada, como empresa que contribui com a moda sustentável na Amazônia.

A cerimônia contou com a presença de personalidades de diversos segmentos. “É muito importante participar de eventos como esse, que vão incentivar não só a nossa moda, mas a cultura, o turismo, a educação e principalmente a geração de renda e possibilidades para a nossa região”, afirma o produtor Tiago Gomes.

Érika aponta que no Pará já há uma preocupação quanto ao monitoramento de resíduos têxteis. “Minha percepção enquanto engenheira ambiental é que a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade tem realizado o monitoramento das indústrias, através de condicionantes presentes nos processos de licenciamento. E em relação a reutilização de tecidos, já observei, em minhas experiências profissionais anteriores, várias indústrias com iniciativas nesse sentido, como indústrias de fabricação de colchões, sofás e travesseiros, que realizam o reaproveitamento de retalhos de tecido e de espuma para o preenchimento destes produtos”.

“Além disso, outras empresas, de diferentes ramos econômicos, já possuem projetos de recebimento de uniformes desgastados, os quais são direcionados para ações sociais, com a reutilização para a confecção de bolsas, artefatos de mesa e até capas de proteção para vasos de plantas. Portanto, é de extrema relevância seguirmos com o incentivo a reutilização desses resíduos e direcioná-los a projetos sociais que envolvam comunidades mais vulneráveis”, completa.

NOVA ETAPA

O Pará Virou Moda nasceu no final de 2019, com o patrocínio da Equatorial Energia e parceria da Fábrica Esperança, e agora entra em uma nova etapa, com a entrada da Secretaria Municipal de Cidadania, Assistência Social e Trabalho de Ananindeua (SEMCAT).

Agora, as oficinas ocorrem no Espaço Cidadão mantido pela PMA no bairro de Águas Lindas, onde são atendidas mulheres da comunidade e de bairros adjacentes como Aurá, Águas Brancas e Júlia Seffer. A meta é atender em torno de 200 mulheres, sendo que desde o início do projeto, quase 500 já passaram pela formação.

Durante as oficinas do projeto, é trabalhada toda a produção do desfile, desde o planejamento, até o desenho das roupas e montagem dos figurinos. Tudo foi profissionalmente elaborado nas oficinas. Com a implantação do projeto, também foram eliminadas do descarte indevido em torno de 1,2 tonelada de material têxtil dispensado por empresas, que passaram a doar os uniformes que não são mais utilizados. O objetivo agora é expandir cada vez mais o alcance da iniciativa, que na terceira etapa deverá chegar também às mulheres da Ilha do Marajó.

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