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Em nota, 60 organizações criticam o programa do governo federal 'Abrace o Marajó'

Segundo o documento, a iniciativa não considera reivindicações “históricas das populações locais” por melhores condições de vida e pela preservação dos territórios e das suas culturas

Valéria Nascimento / O Liberal
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Uma nota pública assinada por 60 organizações da sociedade civil critica o programa “Abrace o Marajó”, do governo federal, lançado no ano de 2019 para ser executado no arquipélago marajoara, no Pará, entre 2020 e 2023. 

Segundo as organizações, o “Abrace o Marajó” não considera reivindicações “históricas das populações locais” por melhores condições de vida e pela preservação dos territórios e das suas culturas. 

 

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“O Plano de Ação do programa traz mais de 100 linhas de atuação, sendo a maior parte delas sem orçamento ou cronograma de trabalho definidos”, diz o texto. A carta afirma ainda que “do que está planejado, verifica-se, até o momento, ações esporádicas de cunho assistencialista, como distribuição de cestas básicas’’, diz um trecho do documento. 

De acordo com as entidades, o programa não apresenta o enfrentamento sério dos problemas estruturais socio econômicos e ambientais do Marajó, como a garantia da segurança fundiária e jurídica para os ribeirinhos constantemente ameaçados de expulsão de suas terras por ações de grilagens, tão pouco cuida da preservação dos recursos naturais. 

Assinam a nota pública representantes de Observatório do Marajó, Sindicatos de Trabalhadores Rurais e Agricultores Familiares de municípios como Salvaterra, Ponta de Pedras, Curralinho, Melgaço, Afuá, bem como a Comissão de Justiça e Paz de Breves, Comissão de Justiça e Paz- Regional Norte 2, Comissão Pastoral da Terra, Quilombo de Santana do Arari, Ponta de Pedras, Espaço Cultural Nossa Biblioteca (ECNB), Faculdade de Serviço Social - UFPA /Campus Marajó do Breves, Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Pará (Fetagri), Projeto Memória de Idosos, Saberes e Direitos (PROMEI), entre outras.

Leia a nota na íntegra:

"As organizações não-governamentais, os coletivos organizados e os movimentos sociais dos 16 municípios do Arquipélago do Marajó têm acompanhado, a despeito da pouca comunicação pública e da falta de transparência do processo, o avançar do Programa Abrace o Marajó, do Governo Federal, lançado ainda no ano de 2019, com previsão de execução no período de 2020 a 2023. 

Viemos observando que, ao invés de focar em pautas centrais para a população marajoara, o Plano de Ação do programa traz mais de 100 linhas de atuação, sendo a maior parte delas sem orçamento ou cronograma de trabalho definidos, excluindo, ainda, importantes entidades que vem atuando há anos nos municípios marajoaras.

Do que está planejado, verifica-se, até o momento, ações esporádicas de cunho assistencialista, como distribuição de cestas básicas, e curiosamente alinhadas a momentos políticos estratégicos, como as eleições municipais de 2020. Não percebemos, até aqui, nenhum esforço de combate aos problemas estruturais socioeconômicos e ambientais do Marajó, base da manutenção e do aprofundamento da desigualdade social da região. 

FALTA DE PARTICIPAÇÃO POPULAR

Consta no plano de ação do programa que ele “não se caracteriza como um apanhado de desejos diversos ou um cadastro de demandas históricas reprimidas”. Se as mais de 100 linhas de ação não estão comprometidas com os desejos diversos da população marajoara e suas demandas históricas reprimidas, a quem serve o programa como está constituído? 

Observar quais são as instituições que participam do Grupo Executivo do programa, responsável pela tomada de decisão da execução de seu Plano de Ação, pode dar uma pista. Os “coletivos da sociedade civil” que integram o Grupo são a Federação das Indústrias do Estado do Pará (FIEPA), a Federação da Agricultura e da Pecuária do Pará (FAEPA) e a BioTec, empresa prestadora de serviço para ambas.

É um programa que vem de cima para baixo e de fora para dentro, que trata o povo como “coitado” incapaz de decidir sobre seu destino e dá poder enorme a empresários, inclusive muitos de fora do Marajó. 

O Programa “Abrace o Marajó” foi concebido e representa mais uma política pública colonial, elitista e racista, com intuito de avançar os interesses de grupos empresariais e elites políticas e, para isso, artificializa a participação da sociedade civil para legitimá-lo, pois defende um modelo de desenvolvimento necessário para atender à lógica industrial de acumulação de renda e capital. 

Por essa razão, não admite a efetiva participação popular, desconsidera o legado das pujantes lutas históricas e agendas de debates de entidades e movimentos sociais da região, nega o acúmulo de conhecimentos produzidos pelas instituições de ensino e grupos de pesquisa sobre o Marajó e, principalmente, esconde da população os reais interesses que modelaram o Programa, todos eles circunscritos às novas oportunidades de negócios para o mercado internacional, transformando a região, mais uma vez, em uma fronteira do capital com forte apelo de comunicação e marketing para atrair os stakeholders e atender às exigências do competitivo cenário mundial. 

OUTROS INTERESSES

O que já se percebe hoje, na prática, é a facilitação da entrada e/ou do retorno de grandes corporações ligadas à extração desenfreada de recursos naturais, em especial a madeira; e a facilitação da ocupação das terras públicas por meio da grilagem, acompanhada da expulsão de comunidades tradicionais e históricas. O mais perigoso, ainda, é perceber a chegada de empresas do ramo alimentício e industrial que pretendem e já estão se apropriando do sagrado açaí, alimento importante para os paraenses e essencial na alimentação cotidiana dos marajoaras, a fim de torná-lo produto de exportação para fazer dinheiro e não para melhorar a distribuição e garantir segurança alimentar às milhares de famílias marajoaras. 

Em tempos de pandemia, foi uma vez mais o açaí decisivo como alimento e gerador de trabalho e renda. É um produto do povo que não pode virar um frio produto para exportação a enriquecer poucos, como ocorreu com os ciclos econômicos da borracha, arroz e madeira em que a região foi saqueada e devastada para suprir o mercado financeiro internacional, gerando divisas para o país e ficando a miséria e desigualdade para o povo.

A atual estrutura fundiária confusa e propositadamente sem nenhuma segurança jurídica para os ribeirinhos não é considerada pauta central, apesar do aumento dos conflitos e das tentativas violentas de expulsão de comunidades. Tais ameaças ao direito à terra hoje trazem grandes preocupações às comunidades locais, uma vez que supostos “donos” vem ganhando decisões judiciais ao mesmo tempo em que seus jagunços intimidam as populações tradicionais que há décadas são responsáveis pela preservação e o cuidado da terra. Este quadro de terror territorial e violências socioambientais ameaça a territorialidade dessas comunidades, elemento essencial de seus modos de vida, trabalho e organização social, fundamentalmente relacionados à ocupação e à preservação da terra, da várzea, da floresta e dos rios. Assim, a violência no território ameaça a preservação de todas as formas de vida como conhecemos no Marajó. 

PANDEMIA

Concomitante a tudo isto, vive-se uma situação drástica nestes tempos de pandemia, onde o número de contaminados é grande, o número de mortes é assustador e o número de vacinados uma tristeza. Até o fim de maio, nem 2% da população do Marajó havia tomado as duas doses da vacina e menos de 10% havia tomado a primeira.
E quais as ações do Programa Abrace o Marajó? Cestas básicas para menos de um terço da população que realmente necessita, somadas ao avanço de negociatas sobre a manipulação em escala industrial do açaí e a alta exorbitante do preço deste produto, que, na pandemia, fez o que os governos falharam em fazer: garantir renda e alimento às comunidades tradicionais.

A desconexão do programa com as necessidades da população e seu descaso com os efeitos da pandemia no Marajó são evidentes no uso político feito pelo presidente da República, que veio à região pela primeira vez não para ouvir a população, mas para fazer foto com aliados e provocar aglomerações, ignorando as medidas de isolamento social que estavam em vigência no Marajó.

A SOCIEDADE CIVIL MARAJOARA ESTÁ ATENTA

Se o Programa foi pensado objetivando contribuir com a mudança do atual cenário de pobreza local, questiona-se: Como isso será possível sem ouvir quem vive aqui? Será que estas ações que estão sendo construídas e realizadas realmente trarão benefícios a longo prazo para a população local? Considerando que a população local não possui representatividade nos espaços, onde estão sendo construídas estas estratégias? Como pensar em Reordenamento territorial e regularização fundiária no Marajó sem ouvir a população? Quais os estudos de impactos foram realizados para as ações previstas? O Programa não dá pistas mínimas a essas questões e tampouco mostra-se com interesse político em discuti-las. 

A sociedade civil marajoara exige o reconhecimento das reivindicações históricas por melhores condições de vida e pela preservação dos territórios e das suas culturas. Seguiremos atentas e atentos na busca e defesa de políticas públicas que contemplem as lutas, a história e os direitos humanos.  

O momento é de reflexão crítica e de permanente atenção aos rumos de programas, projetos e políticas que interfiram na realidade marajoara.

Assinam esta nota, em ordem alfabética: 

1. Ame o Tucunduba
2. Articulação de Negras Jovens Feministas - ANJF - Pará
3. Associação de Remanescentes do Quilombo de Bairro Alto
4. Associação dos Remanescentes de Quilombo do Rio Gurupá - ARQUIG
5. Cáritas Brasileira entidade membro da Prelazia do Marajó
6. Coletivo co-Nectar - Integração entre os Saberes Tradicionais e Novas Tecnologias
7. Coletivo de Pretas e Pretos do Arquipélago do Marajó (CPPAM)
8. Coletivo Pulsar Marajoara (NETTA)
9. Coletivo Sapato Preto
10. Coletivo Terra Firme
11. Comissão de Justiça e Paz de Breves
12. Comissão de Justiça e Paz- Regional Norte 2
13. Comissão Pastoral da Terra
14. Conselho da Igreja de Santa Ana - Quilombo de Santana do Arari, Ponta de Pedras
15. Conselho de Alimentação Escolar (CAE)
16. Conselho Municipal de Educação de Breves (CME)
17. Conselho Nacional das Populações Extrativistas - CNS
18. Conselho Regional de Serviço Social 1ª Região - CRESS 1ª Região
19. Cooperativa Agroextrativista do Rio Pagão - COPA
20. Criola
21. Diretoria executiva do SINDUFAP
22. Escola de Conselhos Pará
23. Espaço Cultural Nossa Biblioteca - ECNB
24. Faculdade de Serviço Social - UFPA /Campus Marajó do Breves
25. Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Pará - FETAGRI-PA
26. Fetagri Regional Ilhas do Marajó
27. Fórum Paraense de Educação do Campo
28. Fundação Cidadania Inteligente
29. Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação do Campo na Amazônia - GEPERUAZ
30. Grupo de Jovens JUNAC (Melgaço-PA)
31. IDGSS - Irmandade dos Devotos do Glorioso São Sebastião
32. Instituto Iacitatá Amazônia Viva
33. Irmãs de Notre Dame
34. Lute Sem Fronteiras
35. Memorial Chico Mendes
36. Movimento de Mulheres do Campo e da Cidade.
37. Movimento Filhas de Leila/Curralinho-PA
38. Movimento Mulheres Negras Decidem
39. Movimento Nacional de Direitos Humanos
40. Movimento pela Saúde dos Povos (MSP/PA)
41. Movimento Popular da Juventude- MPJ/ Marajó
42. Núcleo de Estudos e Pesquisas em Antropologia Visual, da Imagem e Som, Memória e Identidades - NAIMI
43. Núcleo de Estudos Sobre Etnopolítica e Territorialidades
44. Observatório do Marajó
45. Pastoral da criança (Bagre-Pa)
46. Pastoral da pessoa idosa (Prelazia do Marajó
47. Programa Direitos Humanos, Infâncias e Diversidade no Arquipélago do Marajó (DIDHAM)
48. Programa Redes de Comunidades Ribeirinhas (PRCR)
49. Projeto Memória de Idosos, Saberes e Direitos (PROMEI)
50. Rede de Ciberativistas Negras - Núcleo Pará
51. Rede de Mulheres Negras - PA
52. Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Município de Afuá.
53. Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Ponta de Pedras
54. Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Portel STTR-Portel
55. Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Curralinho/PA
56. Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Gurupá
57. Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Melgaço
58. Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Salvaterra
59. Sindicato dos trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de São Sebastião da Boa Vista
60. União Pará"

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