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Crianças trocam telas por brinquedos tradicionais e provam que a diversão não depende de Wi-Fi

Apesar dos avanços tecnológicos em todos os espaços, alguns pequenos chamam atenção por ainda preferirem carrinhos, bonecas e blocos de montar

Talita Azevedo | Especial para O Liberal e Ayla Ferreira*

O Dia das Crianças, celebrado neste domingo (12), costumava ser lembrado pelos brinquedos e brincadeiras, típicos do público infantil. Mesmo em uma geração cada vez mais conectada, onde as crianças são expostas ao uso de telas, como os tablets ou smartphones, alguns pequenos chamam a atenção pela preferência por brinquedos tradicionais. De acordo com a psicóloga infantil Beatriz Malveira, de Belém, brincar traz diversos benefícios, pois estimula as habilidades sociais, emocionais e cognitivas.

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“Elas se tornam mais suscetíveis a explorar e desenvolver a imaginação, linguagem, empatia, resolução de problemas, atenção, entre outros. Em contrapartida, as telas apresentam estímulos prontos, sem interações, causando efeitos nocivos no desenvolvimento da criança”, informa Beatriz.

Ainda que existam exceções, o vício em telas é uma realidade em 61% das crianças brasileiras de até 3 anos, de acordo com dados da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). É nesse cenário que as crianças que preferem os brinquedos tradicionais mostram que não precisam de Wi-Fi para mergulhar na diversão, com brinquedos espalhados pela sala, garantindo entretenimento à moda antiga a todo vapor.

Para a pediatra oncológica, Gabriela Botelho, que está grávida e tem uma filha de 3 anos, cortar o acesso às telas foi a melhor decisão para reduzir a ansiedade. “Cortamos totalmente quando percebemos que ela ficava muito irritada, ansiosa e às vezes até agressiva quando a tela era desligada. Ela chorava e pedia pra ligar, pedia para as tias, para os avós. Foi necessário que toda família estivesse alinhada nessa decisão de não ligar mais TV ou dar o celular pra ela. Depois de uns três dias ela parou de pedir e voltou a brincar como antes, com bonecas, jogos da memória, brinquedos de cozinha e pede para lermos para ela”, contou.

Gabriela e a filha Laura passaram a ter mais momentos de conexão após a retirada das telas. “O momento que nós duas gostamos é durante os jogos de quebra-cabeça, porque são desafios para ela, e eu fico observando e admirando ela se superar”. Como pediatra, ela explicou como o uso excessivo de telas prejudica as crianças. “Vejo com preocupação o tempo cada vez maior que as crianças passam consumindo telas, cada vez menos tendo tempo para brincadeiras em espaço aberto. Essa realidade aumenta o sedentarismo entre as crianças e não foi surpresa a notícia divulgada pelo UNICEF que a obesidade superou a desnutrição entre as crianças”, observou.

A orientação da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) é de que crianças menores de 2 anos não tenham acesso a nenhum dispositivo eletrônico e, para crianças entre 2 e 5 anos, a recomendação é que o uso de telas não ultrapasse mais de uma hora.

“A mudança deve começar pelo comportamento dos pais mesmo. A escolha de mesmo estando cansados, optar por sentar e brincar com os filhos e não ceder às telas, mesmo que seja uma tentação. Para crianças que entendem melhor a questão do tempo, estipular um limite pode funcionar”, aconselhou a pediatra. Além disso, Gabriela optou por não inserir ou adiar o máximo possível a inserção de telas na rotina da próxima filha.

O uso excessivo de tablets e smartphones afeta o desenvolvimento infantil e a saúde mental, conforme informações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Atividades físicas e o fortalecimento do vínculo familiar são algumas das indicações do governo brasileiro para reduzir o impacto das telas.

A comunicadora e estudante de psicologia, Pâmella Oliveira, consegue observar que as crianças que não possuem telas na rotina são muito mais felizes. “Meus filhos, de 4 e 8 anos, brincam juntos e, desde muito cedo a gente sempre investiu em leitura, eu e meu esposo, porque já tínhamos uma visão de como iríamos conduzir essa questão. E como a gente interage muito, eles não tem muito interesse por telas, por exemplo, o meu mais velho ganhou um videogame ano passado, mas a gente tem um limite, ele só brinca 1 ou 2 horas por dia, no fim de semana, mas como a gente não para muito em casa, ele não faz questão", afirmou.

Como outros amigos das crianças utilizam o celular, Pâmella reconhece os desafios de manter a tela em escanteio. “Muita gente usa muito celular, é um desafio porque com essa nova criançada, os pais têm outra cabeça, mas a gente explica para eles e pergunta se vão deixar de brincar, de interagir, para estar nas telas, então eles interagem mais e ficam mais sociáveis. Não é fácil, filho dá muito trabalho, é dedicação, é amor, é renúncia, mas a gente se doa, mesmo chegando cansado do trabalho”, explicou, acrescentando que os meninos ainda têm acesso à TV. 

“Eles assistem desenho, mas não traz tanto vício quanto celular e tablet, porque eles tem que levar esses equipamentos para qualquer lugar, e a TV não, acabou, desligou ali e já era, então você consegue dominar melhor o tempo, aqui não tem isso de assistir em qualquer horário”, disse. A dinâmica sem as telas aproxima as crianças dos pais e fortalece a conexão entre eles.

"Acima de tudo, eu acho que a gente tem que querer. Tudo em excesso faz mal e quando começa a prejudicar a vida dos filhos, a rotina, os pais tem que começar a perceber e ir tirando a tela devagar, brincando mais com a criança, porque ela tem vontade de brincar. Muitas vezes, eles não querem nem nada caro, querem a nossa atenção, se disponibilizar pelo menos uma hora, se dispor a ser pai de verdade, isso vai deixar lindas memórias afetivas”, ressaltou a mãe de Lourenço e Enrico.

O pequeno Lourenço, de 8 anos, listou suas atividades sociais e esportivas que substituem as telas. “Meu melhor passatempo é jogar futebol, fazer karatê, ler, brincar de carrinho, montar lego e estudar inglês. Tenho um sapato com rodas e vou com ele para qualquer lugar do mundo e, quase sempre, tenho muitas ideias para fazer novos amigos, cada vez mais. Eu só tiro nota dez na escola e quero estudar também o mandarim", complementou.

 

O conselho da mãe, Pâmella Oliveira, é investir em leitura e sempre procurar manter o equilíbrio entre as atividades. “Crianças muito viciadas em tela ficam apáticas e não sabem interagir com outras crianças. No aniversário de um parente, meu mais velho havia completado uma coleção de livros e deixou as pessoas impressionadas porque ficou andando pela festa com os livros que ganhou, enquanto que as outras crianças preferiam o celular. A gente fica muito feliz com esse exemplo, quando a gente vê que nossos filhos estão no caminho certo, evoluindo muito bem. Não somos pais perfeitos, mas tentamos nosso melhor e está dando certo”, finalizou.

Brincadeiras podem fortalecer vínculos familiares

O ato de brincar, mesmo que simples, oferece à criança oportunidades que uma tela não pode proporcionar, de acordo com a psicóloga infantil Beatriz Malveira. “Ele é uma forma de comunicação eficaz, permitindo que a criança se expresse, reproduza o que aprende com o ambiente e demonstre o que sente. A brincadeira exige participação ativa, imaginação e tomada de decisões, promovendo aprendizagens mais profundas e experiências significativas.”

Em um momento em que as telas estão em todos os lugares, oferecendo estímulos prontos, os pais podem — e devem — participar do momento de brincadeira com os filhos. O envolvimento do adulto é importante para o processo de demonstração de repertório durante as brincadeiras, já que a criança aprende com o ambiente e reproduz o que é passado. É preciso ter cuidado ao mostrar objetos sem interações, pois eles podem ser entediantes para os pequenos, enquanto as telas acabam sendo mais interessantes por apresentarem histórias prontas. 

“Quando o adulto se envolve, demonstra como usar, cria histórias, usa variações de voz, sons, músicas e criatividade, a brincadeira ganha vida. Dessa forma, a criança passa a se interessar mais, reproduz essas brincadeiras e tende a buscar com mais frequência interações como essas”, destacou Beatriz.

A brincadeira pode fortalecer vínculos familiares, desde que seja criado um ambiente no qual a criança se sinta confortável para explorar, se expressar e demonstrar seus sentimentos, como explicou a psicóloga: “culturalmente falando, é comum que os cuidadores  imponham suas vontades a criança, solicitando ações como ‘pega isso’ou ‘vamos brincar com isso”, deixando de lado os interesses dela. Quando a interação ocorre de forma leve e voltada para o interesse da criança, com descrições do que ela está fazendo e participação criativa do adulto na brincadeira, a criança tende a buscar a presença do cuidador. Esse tipo de interação promove vínculo, confiança, atenção e segurança emocional.”

Contato excessivo com telas pode ser mais prejudicial até os 5 anos

É até os cinco anos de idade que o contato excessivo com as telas tende a ser mais prejudicial. Isso porque, nessa fase, o cérebro está em intenso desenvolvimento e as experiências reais, como o brincar, o movimento, contato visual e as interações sociais, são fundamentais para a formação de conexões neurais. Quando há uma exposição prolongada, podem ocorrer prejuízos na atenção, na linguagem, no sono e no desenvolvimento emocional.

“O excesso de exposição pode causar alterações no sono, dificuldades motoras e cognitivas, atraso na fala, além de problemas emocionais e sociais, como ansiedade, irritabilidade e baixa tolerância à frustração. Isso acontece porque a criança apresenta menos oportunidades de lidar com o tédio, de criar suas próprias histórias e desenvolver brincadeiras de forma autônoma, elementos fundamentais para o amadurecimento emocional e o desenvolvimento saudável”, alertou a psicóloga.

Beatriz destaca que é possível equilibrar o uso de telas com o tempo de brincadeiras. Para isso, devem ser estabelecidos horários para o uso, optar por desenhos ou filmes mais longos e com menos estímulos, participar junto da criança nas brincadeiras e oferecer variedade de atividades. “Com limites definidos e uma rotina previsível, ela consegue aproveitar tanto o mundo real quanto o digital sem conflitos. Ferramentas como relógios lúdicos, previsibilidade e rotinas visuais auxiliam bastante nesse processo”, disse.

Os brinquedos tecnológicos também podem ter um valor educativo, quando usados de forma planejada e supervisionada. Os pais podem investir em aplicativos de contar histórias e jogos que ensinam letras, números e brinquedos interativos, pois estimulam o raciocínio lógico e podem contribuir para o aprendizado.

“O uso saudável acontece quando a criança interage ativamente, com orientação de um adulto, enquanto o uso nocivo ocorre quando há exposição excessiva, conteúdos inadequados ou passividade, prejudicando sono, atenção e desenvolvimento social e emocional”, informou a psicóloga.

Beatriz Malveira convida os pais a estarem presentes na vida dos filhos, já que é comum que as telas sejam usadas para ocupar as crianças, devido a rotina corrida e diversas responsabilidades. “Brincar com os filhos, mesmo que por pequenos momentos, é uma oportunidade única de ensinar habilidades, valores e experiências que eles levarão para a vida toda. Além disso, fortalece vínculos, a criatividade, empatia, comunicação e contribui para uma infância mais feliz e saudável, que geram impactos significativos para a vida adulta.”

Veja quais são as habilidades desenvolvidas ao brincar

  • Criatividade
  • Paciência
  • Atenção
  • Linguagem
  • Coordenação motora
  • Raciocínio
  • Resolução de problemas
  • Autocontrole emocional
  • Desenvolvimento cognitivo e afetivo

Fonte: Beatriz Malveira, psicóloga infantil.

*Ayla Ferreira, estagiária de Jornalismo, sob supervisão de João Thiago Dias, coordenador do Núcleo de Atualidades

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