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Confusão em formatura expõe risco da banalização da violência contra mulheres, avalia psicopedagoga

Polêmica envolvendo a música Helicóptero, tocada durante uma festa de formatura do ensino médio em Pernambuco, reacendeu o debate sobre letras com apologia ao feminicídio, segundo análise da psicopedagoga Jacqueline Borges

Hannah Franco

Músicas que fazem apologia à violência contra mulheres voltaram ao centro do debate após a confusão registrada durante uma festa de formatura do ensino médio, em Pernambuco. O episódio chamou atenção para os impactos desse tipo de conteúdo na formação de adolescentes e para o papel da escola e da família na mediação cultural e educativa.

A confusão ocorreu na noite da última sexta-feira (12), durante o baile de formatura do 3º ano do ensino médio de um colégio particular, realizado em Olinda. Segundo testemunhas, o tumulto começou após a execução da música Helicóptero, de DJ Guuga com MC Pierre, considerada inadequada por pais presentes no evento.

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O episódio aconteceu em Olinda, no Pernambuco

A música descreve a cena de dois homens e uma mulher dentro de um helicóptero e traz versos que sugerem ameaça e coerção sexual. Trechos como “ou dá essa xer*** ou eu te jogo aqui em cima” e “se ficar de palhaçada, eu taco no oceano” motivaram a reação imediata de responsáveis. Assista o vídeo a seguir.

Apesar das críticas, Helicóptero é uma das músicas mais populares do DJ Guuga, com mais de 66 milhões de reproduções em plataformas digitais.


'Não existe separação absoluta entre entretenimento e educação', diz pedagoga

Para a pedagoga e psicopedagoga Jacqueline Borges, o caso vai além de um episódio isolado. Em entrevista ao O Liberal, ela afirmou que situações como essa revelam um problema estrutural no consumo cultural entre adolescentes.

Segundo a especialista, "não existe uma separação absoluta entre entretenimento e educação", especialmente quando o evento está ligado ao ambiente escolar. Para ela, "mesmo em momentos festivos, como uma formatura, a escola continua exercendo um papel formador".

"Tudo o que acontece nesses espaços comunica valores e influencia o desenvolvimento dos adolescentes. Quando conteúdos violentos ou ofensivos são permitidos, evidencia-se a necessidade de refletir sobre os limites do entretenimento e a responsabilidade ética da escola em proteger e educar seus alunos", avaliou.

Impactos das músicas no desenvolvimento de adolescentes

Segundo Jacqueline Borges, letras com linguagem sexual agressiva e que naturalizam relações desiguais podem provocar diversos impactos negativos no desenvolvimento emocional e social dos jovens. Entre os principais efeitos, ela destaca:

❌ Antecipação de experiências emocionais

Letras com teor sexual agressivo “antecipam experiências simbólicas para as quais muitos jovens ainda não têm maturidade emocional”, o que pode gerar confusão e dificuldades na compreensão saudável da sexualidade.

❌ Naturalização da violência 

A repetição desse tipo de conteúdo pode naturalizar a violência, fazendo com que discursos agressivos sejam vistos como normais ou aceitáveis dentro das relações sociais.

❌ Prejuízos à construção da identidade

De acordo com a especialista, essas músicas influenciam negativamente “a construção da identidade e das relações afetivas”, interferindo na forma como os adolescentes se percebem e se relacionam com os outros.

❌ Distorção do entendimento sobre respeito e consentimento

Para Jacqueline, músicas que objetificam mulheres “distorcem a compreensão de respeito e consentimento”, ao apresentar relações baseadas em dominação e submissão como algo comum.

❌ Confusão sobre limites e igualdade

Ao enfraquecer a noção de igualdade, esse tipo de letra pode levar jovens a compreenderem limites “de forma confusa”, minimizando a importância do diálogo, do respeito mútuo e do direito ao “não”.

Banalização da violência e cultura machista

Outro ponto de alerta é a exposição frequente a conteúdos agressivos. De acordo com Jacqueline, a exposição contínua tende a banalizar esses discursos, tornando a violência algo comum e menos chocante.

"Com o tempo, isso pode reduzir a capacidade crítica e empática dos jovens, fazendo com que atitudes e falas violentas sejam vistas como parte normal da cultura, inclusive quando direcionadas às mulheres", disse.

O alerta se torna ainda mais relevante diante dos dados oficiais. Em 2024, o Brasil alcançou o maior número de casos de feminicídio da história, com 1.459 mulheres assassinadas, superando os 1.448 registros contabilizados no ano anterior.

"O machismo é construído socialmente e reforçado por práticas culturais repetidas. Quando músicas e outros conteúdos reproduzem estereótipos e desigualdades de gênero, esses padrões podem ser assimilados e reproduzidos pelos adolescentes em suas atitudes e relações cotidianas", alertou a psicopedagoga.

Diálogo é mais eficaz que proibição

Por fim, a especialista ressaltou que o enfrentamento desse tipo de situação passa pelo diálogo. “O diálogo tende a ser mais eficaz do que a simples proibição”, disse.

Segundo Jacqueline, conversas abertas, conduzidas com respeito e sem julgamentos, ajudam no desenvolvimento do senso crítico dos jovens. “O objetivo não é censurar, mas educar para escolhas mais conscientes e responsáveis”, concluiu.