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Moradores de Alter do Chão temem que o turismo seja afetado pela mudança da água

Águas turvas que tomaram conta de parte da ilha do Amor, na vila balneária, já aponta um início de prejuízo na economia local

Ândria Almeida / O Liberal

A vila balneária de Alter Chão, localizada a 37 km de Santarém, no oeste do Pará, um dos principais-cartões postais do Pará, contribui para a injeção do valor de R$ 140 milhões por ano na cidade, só com movimentações turísticas. As expectativas de manter ou aumentar esse valor para este ano podem estar correndo sérios riscos. Isso porque nesta semana o visual deslumbrante das águas do Rio Tapajós, que banha a vila, ficou diferente - a coloração está turva, com aspecto barrento. Isso pode apontar o começo de uma crise turística, talvez a primeira registrada nas últimas décadas. Alguns visitantes já deixaram de realizar passeios por receio de banhar na água. A causa ainda não foi descoberta, mas pode estar relacionada com atividades do garimpeiro ilegal.

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"A gente navega todos os dias no rio, a gente faz aí 60 a 70 Km por dia e realmente na época da cheia as águas do Rio Tapajós ficam avermelhadas, porque a água começa a subir, mas hoje ela não está avermelhada, ela está barrenta. Tínhamos um circuito de passeio que mostrava um ‘braço’ do encontro dos Rios Tapajós e Amazonas, hoje em dia não é possível mais ver por que ela está totalmente barrenta”, relatou.

Hélder Sousa, trabalha como catraeiro há 15 anos e tenta achar uma explicação para a mudança da coloração do Rio, com características únicas na cor verde límpida. 

"O que está acontecendo com o nosso rio é a primeira vez que a gente está vendo. Está aumentando essa coloração, tipo um barro na água. E o pessoal fala que é negócio de garimpo, que acontece aí para cima e está afetando nossa região. Eu particularmente nunca tinha visto isso, me falam que é garimpo, outros falam que é devido à chuva, aí a gente não pode dizer nada, mas ficamos com medo”, lamentou.

Dados da Secretaria de turismo revelam que Santarém recebe 200 mil turistas durante um ano e isso representa para a economia local um valor de 140 milhões de reais injetados diretamente na vila turística. Esse valor corresponde a 18% do orçamento anual da prefeitura de Santarém.

André Ferreira, que trabalha com turismo fluvial, relatou que a preocupação é de todos. “Acredito que donos de pousadas, restaurantes, doceiras e catraieiros, o povo da vila de Alter do chão que trabalha com o turismo local, todos estão preocupados com essa situação”, disse.

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Ele enfatiza que Alter do Chão é o ponto de saída para todas as praias da região e que os clientes que já visitaram Alter estão com receio de voltar. “Estão preocupados. Somos testemunhas que o nosso Rio Tapajós está muito barrento e isso afeta diretamente o nosso turismo”, explicou.

Projeto de investigação ‘Águas do Tapajós’ 

Uma pesquisa intitulada como ‘Águas do Tapajós’, iniciada no ano de 2020 da Universidade Federal do Oeste do Pará, patrocinada pela ONG The Nature Conservancy (TNC), investiga a coloração do Rio Tapajós.

A doutora Dávia Talgatti, da Ufopa, que integra o projeto ‘Águas do Tapajós', falou sobre a pesquisa. “Estamos realizando pesquisas investigativas para a gente ter uma afirmação com embasamento científico no que realmente pode estar acontecendo. A gente analisa a qualidade da água entre Santarém e Itaituba”, afirmou a pesquisadora.

O estudo é realizado com os pesquisadores embarcados, parando nas comunidades e coletando a água do Rio Tapajós. 

Sobre a alteração na cor da água do Rio, a doutora em ciências biológicas afirma que já é observada há algum tempo, mas que ultimamente ficou mais evidente com a chegada da pluma de água barrenta até o Alter do chão. 

Entre as prováveis causas a especialista aponta o uso do solo ao redor do Rio Tapajós e nas nascentes, devido a atividade de mineração de garimpos, desmatamento para criação de gado e plantações. “Também há uma outra problemática que pode mudar essa coloração que são as algas, cianobactérias. Há algum tempo o rio Tapajós vem apresentando essas florações de cianobactérias que deixam o rio uma cor verde não transparente. Os comunitários chamam de lodo. Então esse lodo vem ocorrendo já há algum tempo no Rio do Tapajós e nós notamos que isso vem aumentando”, enfatizou.

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Para ela, o que ocasiona essas cianobactérias pode ser a poluição através de afluentes. Ainda de acordo com a especialista, uma problemática relacionada a essas algas identificadas na pesquisa, é que elas são produtoras de cianotoxinas. Ela explica ainda que essas cianotoxinas são bastante prejudiciais à saúde humana, podendo causar doenças no fígado, gastrointestinal e sistema nervoso. 

“As toxinas não saem na fervura da água. Então é uma situação bem complexa em Alter do Chão e em algumas comunidades em Itaituba e isso está nos deixando bastante preocupados”, reforçou.

Ela ponderou dizendo que, "Contudo, para termos certeza das razões dessa mudança da coloração, precisamos de mais investigação. Realizaremos uma expedição agora em fevereiro, onde levaremos drones para investigar e coletamos também a água para análise do sedimento propriamente dito”, afirmou.

No ano passado, Dávia Talgatti identificou a presença de toxinas em quantidade relevante na área de Alter do chão, que vêm se proliferando no rio, junto com algas.

Alertas sobre garimpos

No ano 2019 um relatório do Instituto Escolhas baseado em dados do Instituto Socioambiental (ISA) apontou que o garimpo foi a principal causa da degradação ambiental da Terra Indígena Munduruku. Está área fica há cerca de 300 quilômetros de Alter do Chão. Dos 1.926 hectares de desmatamento registrados na TI, 71% havia sido causado por atividades de mineração ilegal. Dos 197 hectares de degradação registrados nos primeiros meses de 2020, 90% foi devido a esse tipo de atividade.

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Ainda no ano de 2019, uma ação foi ajuizada com laudo elaborado pela Polícia Federal (PF) e pela Ufopa, para pedir à Justiça providências contra a completa precariedade no controle da cadeia econômica do ouro no país. O MPF alertou que só em quantidade de sedimentos lançados nas águas do Tapajós, pela mineração ilegal de ouro, chegou a um total de sete milhões de toneladas por ano. A cada 11 anos, a quantidade de sedimentos despejados é equivalente à da barragem da Samarco que rompeu em Mariana (MG) em 2015, destruindo a calha do rio Doce, entre Minas Gerais e Espírito Santo.

Já em dezembro de 2021, a ONG Greenpeace divulgou o resultado de um monitoramento realizado em 2016, nos rios que cruzam as terras indígenas “Munduruku” e “Sai Cinza”, que desaguam no Tapajós, o que aponta o garimpo ilegal como o principal destruidor da natureza daquela região. O levantamento mostrou que o garimpo ilegal destruiu 632 quilômetros de rios dentro desses territórios. Os garimpos ilegais ficam a cerca de 300 quilômetros de Santarém.

Posicionamento de secretarias municipais

A Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma), informou que uma equipe composta por agentes da Semma, Semas, Ibama e outros órgãos competentes, iniciaram nesta quarta-feira (19) uma pesquisa in loco, a fim de fazer um levantamento da qualidade da água e identificar o motivo e origem do problema. 

Após esse primeiro diagnóstico, serão tomadas todas as medidas necessárias para buscar solucionar a situação. 

O Secretário de Turismo do Município, Alaércio Cardoso, falou que a turbidez da água pode ter várias causas. “Uma delas pode ser relacionada ao período de muitas chuvas que estamos vivenciando. A outra linha seria os garimpos não legalizados nos municípios de Itaituba e Jacareacanga. Esses municípios têm uma extração de minério bem elevada, especialmente do ouro”, relatou.

Ele completou dizendo que foi instaurada uma equipe composta tanto pelo Governo do Estado quanto do município e Ibama para acompanhar o que tem deixado a água com essa turbidez. 

O secretário destacou a importância do município de Santarém para o turismo. "Recebemos 1/5 de todos os turistas do Pará, uma média de 200 mil por ano, isso gera na economia local algo em torno de R$140 milhões para o município de Santarém”, concluiu.

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