Mel de abelhas nativas pode incrementar produção local

Pará tem condições favoráveis para o desenvolvimento da apicultura e da meliponicultura

Fabrício Queiroz

O Pará um importante papel na economia brasileira como exportador de commodities. Grãos e minérios são os principais produtos da pauta estadual destinados à exportação, mas há potencial para que outros venham incrementar a balança comercial paraense. O mel é um desses produtos. Com a alta do dólar nos últimos anos e a baixa oferta, o alimento se valorizou no mercado global sendo vendido a até R$ 19 o quilo.

De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o Brasil figura na 11ª posição entre os maiores exportadores de mel do mundo. Dados do estudo da Produção Pecuária Municipal de 2020, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que a produção nacional é de 51,5 mil toneladas e representa um valor de R$ 621,5 milhões. Já o Pará responde por apenas cerca de 1,2% desse volume, com uma produção de pouco mais de 627 toneladas e um valor de produção de R$ 11 milhões.

Para pesquisadores e técnicos da Embrapa Amazônia Oriental e do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) uma das alternativas para que o estado explore melhor esse potencial é com fortalecimento dos arranjos produtivos locais associados à apicultura, meliponicultura e produtos das abelhas. Esse é o objetivo do projeto Rotas do Mel, implantado no ano passado em alusão ao Dia do Apicultor, comemorado nacionalmente no dia 22 de maio.

A iniciativa integra o programa Rotas de Integração Nacional, que busca promover a inclusão produtiva e o desenvolvimento sustentável por meio de ações formativas e de fomento à inovação, diferenciação e competitividade dos produtos de polos selecionados como estratégicos. No Pará, o Rotas do Mel foi instalado nas regiões Carajás e Araguaia, incluindo os municípios de Marabá, Eldorado dos Carajás, Curionópolis, Parauapebas, Canaã dos Carajás, Tucumã, Pau D’Arco, Santa Maria das Barreiras, Redenção e Conceição do Araguaia.

Daniel Santiago, pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental responsável pelo apoio técnico do MDR na implantação do Rotas do Mel, explica que essas regiões foram escolhidas por apresentarem os melhores indicativos de crescimento da produtividade do mel no estado. “Aquela região já tinha uma participação importante na apicultora do estado, mas ela adormeceu por falta de investimentos e assistência técnica, que muitas vezes são direcionados para o açaí e a pupunha que são muito representativas. Mesmo assim, o sudeste paraense responde por cerca de 20% da produção de mel do estado e tem potencial para uma ampliação muito maior”, afirma.

O pesquisador esclarece ainda que o projeto pretende utilizar o histórico dessas regiões em favor do próprio setor, já que esses municípios têm melhores estruturas para escoamento, por exemplo. Além disso, o Rotas do Mel visa enfrentar alguns gargalos, como a falta de produtos com identidade e rastreabilidade, a pouca produtividade dos enxames e o baixo índice de uso das abelhas nativas na produção de mel e na polinização.

Os serviços ambientais realizados pelas abelhas são, inclusive, um outro segmento que pode ser explorado economicamente, já que elas desempenham um papel importante para a agricultura. Daniel Santiago cita o exemplo do estado do Piauí, onde as abelhas contribuem para incrementar em cerca de 30% a produção agrícola. No estado do Pará, o pesquisador estima que o uso das colmeias podem trazer um incremento de 30% a até 70% na açaicultura.

Aliado a isso, há outros aspectos que podem ser melhor aproveitados localmente. A janela de floradas aqui no estado, ou seja, o período de tempo que as plantas podem ser exploradas pelas abelhas, varia de cinco a nove meses, enquanto que no Nordeste, onde o mel é mais representativo economicamente, a florada dura em média três meses. Soma-se a isso o fato de o Pará contar com uma área três a quatro vezes maior que os grandes produtores nacionais e que, apesar das dificuldades, consegue ter uma produção média de 30 kg de mel por colmeia ao ano, superior à média nacional que fica em 30 kg por colmeia ao ano.

A Amazônia tem ainda a maior diversidade de abelhas nativas sem ferrão com cerca de 119 espécies catalogadas, o que abre margem para conversão em renda de um ativo único para a região. “O mercado está ávido por essa identidade amazônica. As instituições sabem dessa identidade e nós podemos ganhar com essa denominação de procedência e de origem”, avalia Daniel Santiago, que ressalta: “É preciso entender a cadeia produtiva, resgatar todos esses elos e nos organizar para que todos possam estar falando a mesma língua”.

ARTESANAL

A grande variedade de abelhas sem ferrão por aqui é o que favorece um ramo distinto da produção de mel: a meliponicultura. A diferença básica entre a apicultura e a meliponicultura é justamente a espécie do inseto envolvido, sendo as abelhas com ferrão do gênero Apis, geralmente de origem africana, são as utilizadas na apicultura e as sem ferrão, enquanto que as abelhas nativas ou melíponas são as responsáveis pelo outro segmento.

Trata-se de um ramo que ganha cada vez mais espaço pelo potencial de uso da identidade local. O arquiteto Yuri Pereira foi atraído por essa atividade há cerca de cinco anos, fez cursos e buscou aprender com outros produtores rurais. Tudo começou como um hobby, que ganhou espaço até no seu próprio apartamento onde instalou meliponários, as caixas que recebem as colmeias de abelhas nativas.

Logo, o hobby cresceu até se tornar um empreendimento online de venda de produtos à base de mel. “Era um negócio que era novidade. Como aqui ainda são poucos os que conhecem, a maior parte do mel eu vendo para outros estados por meio da loja online e redes sociais”, diz Yuri, que atribui a boa receptividade do público à qualidade diferencial do produto. “Isso atrai muita gente porque é comum se procurar o mel como um remédio, mas ele é um alimento que tem propriedades medicinais. E o nosso mel é raro, é feito por espécies que só tem na Amazônia e os clientes relatam que tem um sabor mil vezes melhor”, pontua o produtor artesanal, que já venceu duas edições de um concurso nacional de meis.

Atualmente, Yuri Pereira produz cerca de 1500 litros de mel seja de abelhas nativas ou africanizadas e atua em parceria com grupos dos municípios de São Caetano de Odivelas, Tracuateua e Bragança. “Quando eu comecei eu só tinha um parceiro e hoje são 15. E a cada ano que passa, mais chegam pessoas querendo desenvolver essa atividade que serve para gerar uma renda extra para essas comunidades e também contribui para preservar a mata original”, destaca.

Para Daniel Santiago, esse é um exemplo dos benefícios sociais e ambientais que toda a cultura em torno das abelhas traz. “É uma atividade social porque de 95% a 99% dos envolvidos são pequenos agricultores familiares que o governo não consegue alcançar. Além disso, é uma atividade em que não há distinção de homem mulher, idoso, e são grupos que veem a apicultora como um componente de renda”, diz o pesquisador da Embrapa destacando a importância da polinização para a geração de novas plantas e proteção da vegetação. “Se tem vegetação, tem abelhas e não há desequilíbrio. Eu não conheço atividades mais sustentáveis que a meliponicultura e a apicultura”, conclui.

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