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Mais de cem mil crianças e adolescentes trabalham no Pará

Pandemia e falta de políticas públicas contribuem para agravamento da situação

Eduardo Rocha
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O Brasil registra 11,9 milhões de pessoas desempregadas, das quais 497 mil no Pará, de acordo com dados do 1º trimestre de 2022 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do IBGE. O desemprego acaba funcionando, então, como um agravante para 1,8 milhão de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de idade em trabalho infantil no país, em 2019, com 118.768 no Pará, como alertam profissionais que atuam na prevenção e combate a essa situação no Estado. Neste domingo (12), quando transcorre o Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil, vale refletir sobre como crianças e adolescentes são desvirtuadas de sua infância e juventude, deixando muitas vezes de lado os estudos e até a própria dignidade para exercer ilegalmente atividades em cenários de risco em espaços urbanos e rurais, sob pretexto de contribuir com o sustento de famílias.

Como alerta para a gravidade da situação, a  desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (TRT8), Maria Zuíla Lima Dutra, informa que, com base em PNAD Contínua, do IBGE, em 2019 o Pará registrava 118.768 trabalhadores infantis (crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de idade), o que corresponde a 5,8% do total de crianças e adolescentes do estado, acima da média nacional, que era de 4,8% do total. Sobre a idade, 4,9% (5.865) tinham entre 5 e 9 anos de idade; 19,1%(22.631) entre 10 e 13 anos; 33,6% (39.912) entre 14 e 15 anos e 42,4% (50.360) entre 16 e 17 anos de idade.

“Uma triste constatação é de que 98,7% (89.092) dos trabalhadores infantis no Pará desempenham atividades na informalidade, sem qualquer direito trabalhista. Relevante destacar também que 84,2% (99.954) são negros e 59,2% (70.290) residiam em zonas rurais”, pontua a magistrada. As principais atividades exercidas por crianças e adolescentes trabalhadoras no Estado do Pará são: comércio de produtos alimentícios, bebidas e fumo (12.103 ou 10,2%), produção florestal (8.125 ou 6,8%) e serviços domésticos (7.972 ou 6,7%). “São irmãos nossos que estão lutando para sobreviver numa fase da vida em que deveriam apenas viver”, afirma a desembargadora Maria Zuíla. “O mais triste é saber que esses números podem ser sete vezes maiores do que os indicados nas estatísticas oficiais, com base em um estudo divulgado recentemente pelos pesquisadores Sharon Wolf, da Universidade da Pensilvânia, nos EEUU e o brasileiro Guilherme Lichand, da Universidade de Zurique, na Suíça”, acrescenta.

Além da criação do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) e dos programas de renda mínima, outro grande avanço foi a Lei da Aprendizagem (nº 10.097/2000), referente à contratação de adolescentes e jovens como aprendizes. “Infelizmente, o recente Decreto nº 11.061, de 04/05/2022, promoveu profundas alterações na Lei da Aprendizagem  (contratação de aprendizes) e ameaça 460 mil contratos de aprendizagens hoje existentes no Brasil, na medida em que criou mecanismos que mais beneficiam as empresas, como por exemplo, a permanência do aprendiz na empresa como empregado, continua contando na quota de aprendizes; a contratação de aprendiz em situação de vulnerabilidade social vale por duas cotas; o aumento do prazo dos contratos de aprendizagem de 2 para 3 anos e ainda existem casos em que o contrato pode chegar a 4 anos e outras situações em que pode ser pactuado por prazo indeterminado (caso do portador de deficiência) e assim por diante”, pontua a magistrada.

“Outro aspecto negativo é o elevado número de desempregados no Brasil, o que nos leva a projetar que o índice de trabalho infantil será elevado, porque a necessidade de sobrevivência empurra crianças e adolescentes a trocarem a sua força de trabalho por comida”, enfatiza a desembargadora Maria Zuíla. Para ela, o Brasil precisa adotar a proteção de crianças e adolescentes como absoluta (acima de todas as demais), investindo na educação e na conscientização dos cidadãos para proteger crianças e adolescentes de toda forma de atuação. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef), em relatório de junho de 2021, o trabalho infantil atingiu 160 milhões de crianças e adolescentes em todo o mundo.

Aumento

A procuradora do Ministério Público do Trabalho, Rejane Alves, coordenadora regional da Coordenadoria de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância), destaca que em 13 anos de atuação na área verifica que o cenário atual do trabalho infantil no Brasil nunca foi tão adverso desde ano 2000. Ela observa que até 2019, os casos mostravam-se em redução, mas em 2019 são contabilizadas 1,8 milhão crianças e adolescentes (5 a 17 anos) em trabalho infantil. Rejane Alves destaca que hoje não se tem dados estatísticos sobre o assunto no Brasil, em virtude da pandemia e da não realização do Censo em 2020, mas “é possível a qualquer um de nós verificar um aumento nas ruas e logradouros públicos o aumento da presença de crianças em situações de trabalho”. Ela salienta que a crise na geração de empregos provoca a inserção precoce de crianças e adolescentes, desprotegidas, no mundo do trabalho.

Fome

Vanilza Malcher, juíza do Trabalho e gestora regional do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem do TRT8.  Ela observa que, com a pandemia da covid-19, “todas as mazelas sociais sofreram acréscimo em seus números, e a mais grave delas é a fome”. A magistrada pontua que, segundo relatório 2022 da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN), 33,1 milhões de pessoas passam fome no Brasil em 2022, retornando o país ao patamar do início dos anos 1990. “Quando a fome aumenta, o trabalho infantil também aumenta, e essa realidade é visível, bastando sair de casa e olhar para o lado, nas ruas, nas esquinas e na frente de alguns estabelecimentos de nossa cidade. Tudo isso é muito preocupante e triste”, enfatiza.

Desde 2014, o TRT8 desenvolve ações de conscientização das famílias e da sociedade sobre os males do trabalho infantil. Nesse período, mais de 3 mil adolescentes e jovens foram inseridos no Programa Nacional da Aprendizagem, entre outras ações. A campanha do TRT8 terá um pelotão específico sobre o tema no Arrastão do Arraial do Pavulagem, neste domingo.

Belém

De acordo com o relatório da Fundação Papa João XXIII (Funpapa), de 2018 a 2022, entre os anos de 2018 e 2021, foi verificado o aumento de 33,3% no total de casos de trabalho infantil atendidos. "Considerando dados até o mês de abril de 2022, houve registro de quase 200 ocorrências em cinco Centros de Referências Especializados de Assistência Social (CREAS). A maior quantidade de situações ocorreu na territorialidade do CREAS José Carlos Pacheco (94), o qual atende bairros do Distrito de Icoaraci, Outeiro e ilhas próximas".

Outro registro feito pela Funpapa é de que o ano de 2019 foi o que registrou maior percentual de casos (32,4%), seguido por 2018, com 30,1%. Entre os cinco CREAS, o Manoel Pignatário identificou a maioria dos casos (684). De 2018 até abril de 2022, foram registradas 1.801 situações desse tipo identificadas pela Funpapa.

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