“Gatos” furtam mais de ¼ da energia do Pará

Prática fraudulenta oferece risco à população e aos sistema elétrico, que pode ficar sobrecarregado 

Camila Azevedo

Mais de 1/4 da energia elétrica do Pará é furtada ou roubada por meio dos chamados “gatos”. Dados da Equatorial Energia mostram que, no primeiro trimestre de 2023, as perdas contabilizadas pela concessionária chegaram a 27,3% no estado. Em 2022, de janeiro a dezembro, esse número foi 27,5% do total. Além de ser um tipo de crime previsto no Código Penal, a prática fraudulenta é perigosa, oferecendo risco à vida e gerando prejuízos econômicos, tanto para o consumidor, quanto para a empresa responsável.

Em 2021, os “gatos” foram responsáveis por 29% das perdas. De uma forma geral, o furto de energia acontece quando é feito um desvio do recurso no medidor da concessionária elétrica, utilizando esse consumo de forma não registrada. Não há um levantamento que aponte as áreas do estado mais críticas em relação às ligações clandestinas: a Equatorial afirma que o problema está em diversos bairros e em todas as classes sociais. Portanto, sem um perfil de cliente definido que esteja cometendo o crime citado.

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Os prejuízos estimados alcançam todas as esferas e são refletidos no dia a dia. Edson Ortiz, professor da faculdade de engenharia elétrica da Universidade Federal do Pará (UFPA), avalia que o valor perdido é altíssimo e requer medidas importantes para evitar perdas - que são caracterizadas como as técnicas (as ocorrências normais do sistema) e não técnicas (quando há o furto de energia). “Esse recurso poderia ser aplicado em investimentos para melhorar a rede de distribuição, para que a gente tivesse uma energia de qualidade”, diz.

“Sem esses investimentos, as perdas técnicas vão ocorrer no sistema, porque a demanda aumentou e você tem que duplicar essa rede. Então, se o faturamento diminui, os investimentos também. Todos nós pagamos por um crime. É bom lembrar que, quando você furta essa energia elétrica, você não está furtando só da concessionária, mas de toda a população que paga essa conta, porque dentro do insumos que compõem a conta de energia, estão embutidas as perdas”, completa Ortiz.

Riscos envolvem acidentes fatais e sistemas sobrecarregados

Edson elenca que os riscos de fazer “gatos” na rede elétrica colocam em perigo a vida da pessoa, que manuseia de forma inadequada o material e sem os equipamentos necessários. “Hoje, a concessionária, principalmente na baixa tensão, que é onde existe a maior quantidade de consumidores, os residenciais, tem mudado o padrão de conexão, indo para a alta tensão. Então, normalmente, o acidente ali é fatal, a pessoa se expõe perto do 13.800 volts e qualquer acidente pode fazer com que a vida seja perdida”, explica.

Outro risco diz respeito ao sistema em si. Ortiz afirma que os compostos podem ficar sobrecarregados, uma vez que as ligações não são distribuídas de forma igualitária, comprometendo a qualidade do serviço. “Então, frequentemente vai faltar energia, porque o sistema sobrecarregou e a proteção dele atua desligando. As pessoas são penalizadas com a falta de energia e, principalmente, podem ter curtos-circuitos na instalação que é feita de maneira precipitada.

Combate ao crime

Somente em 2022, a Equatorial realizou mais de 259 mil regularizações no Pará para combater o furto de energia. Para Edson, o problema dos “gatos” só deixará de ser uma realidade quando, de fato, as fiscalizações forem mais intensas. “Os medidores já são colocados na área externa do cliente. As pessoas acham que estão furtando energia e não é percebido. Mas, sim, é. Quando a concessionária coloca o medidor no poste, ela sabe quanto ela está injetando àquela rede e o quanto ela está recebendo de faturamento”.

“É fácil saber quais locais têm maior desperdício de energia, por questões técnicas ou não. Você pode ter todas as ferramentas de proteção, mas o fundamental é a fiscalização. A concessionária tem que verificar e punir essas pessoas de acordo com a lei. Não adianta toda a tecnologia, ela ajuda a saber qual a área do problema. Então, é bom colocar mais pessoas que fiscalizem. Isso tem que ser maciço para que todos saibam que estão sendo monitorados”, acrescenta Ortiz.

Furtos também são de grandes empresas

O especialista destaca que as operações clandestinas na rede elétrica não são apenas de moradores residenciais: grandes empresas também podem ser responsáveis pelo tipo de furto. “Como você tem mais consumidores residenciais, lógico que são disponíveis para a fraude. Mas, também, temos indústrias e empresas. Às vezes, uma quantidade muito grande de clientes podem estar utilizando essa prática, mas o consumo e quantidade é menor do que um bloco de uma grande empresa. Isso não é específico para periferia, todo mundo faz”.

“Gato” gerou despesa de mais de R$ 2 mil à família

Uma moradora do bairro da Marambaia, em Belém, que preferiu não ser identificada, conta que precisou ficar uma semana longe de casa após o furto de energia ter sido descoberto, em 2013. O responsável por querer o “gato” foi o marido dela, que pagou cerca de R$ 300 na época para que a ligação clandestina fosse realizada. “Eu pedia para ele não fazer isso, estávamos passando por um pouco de dificuldade, mas não era necessário fazer ‘gatos’, com um pouco de luta, conseguíamos pagar as contas do mês. Mas, ele não me escutou”.

“Quando descobriram, cortaram nossa energia. Eu lembro que foi de noite, todas as casas da rua estavam com as luzes acesas, menos a nossa. Dormimos no escuro. No dia seguinte, a mesma coisa. Então, eu comecei a me preocupar e liguei para saber o que tinha acontecido. Foi quando me avisaram. Minha filha estudava no ensino fundamental na época, tinha que ir à escola e dormir bem para isso, eu precisava fazer comida… Enfim. Precisamos ir para a casa da minha mãe, em Icoaraci, até resolver o problema”, relata.

Para reaver a energia, foi preciso pagar uma taxa de R$ 2 mil. No valor corrigido: R$ 3,6 mil. “Hoje, não, nada de inventar burlar as regras. Foi necessário passar a conta de luz de casa para o meu nome. Vários trâmites para conseguir voltar para casa. Demos um valor de entrada e, depois, pagamos as parcelas. Agora, nós fazemos um cálculo por mês, além de tentar economizar no uso de ar condicionado e ventiladores, sempre pagamos a conta de luz primeiro, para não correr o risco de mais transtorno”, finaliza.

Falta de atuação no combate aos “gatos” gerou multa à Equatorial

Em 2019, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) realizou fiscalizações nas distribuidoras de energia e a atuação da Equatorial no combate às perdas não técnicas gerou uma multa de R$ 14,5 milhões, paga pela empresa em agosto de 2022, no valor corrigido de R$ 16,4 milhões. O monitoramento das concessionárias é realizado por meio de indicadores regulatórios e com base em reclamações dos consumidores, priorizando serviços considerados insatisfatórios.

Em nota à reportagem do Grupo Liberal, a Equatorial ressaltou que todas as práticas e procedimentos são regulamentados pela Aneel. “O resultado das fiscalizações realizadas pela Agência Reguladora é levado em consideração para melhoria contínua dos seus processos. Quanto às ações de combate às perdas, a Equatorial Pará reforça que busca uma atuação cada vez mais assertiva e eficiente”, diz o comunicado.

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