Autorizações para uso da água cresceram 51% neste ano

Órgão ambiental tenta evitar degradação dos recursos hídricos do Estado

Abílio Dantas e Elisa Vaz

Embora os Estados da Amazônia sejam conhecidos por suas fortes chuvas, o abastecimento correto de água ainda é um gargalo para o desenvolvimento econômico local. No Pará, de janeiro até setembro de 2019, aumentou em 51%, em comparação com 2018, o número de autorizações pelo Governo do Estado para o exercício de atividades de uso de água que possam alterar as condições naturais dos recursos hídricos, como abastecimento, irrigação, e geração de energia hidroelétrica, dentre outros. Segundo a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), foram 932 novas autorizações até setembro deste ano.

A instituição também ressalta que houve aumento de 98% nas declarações de dispensa de outorga no mesmo intervalo. A quantidade passou de 247 para 491. O objetivo da outorga, segundo o governo do Estado, é garantir a disponibilidade da água, por ser um recurso básico do processo produtivo. O uso de recursos hídricos para consumo e atividades produtivas só pode ser efetivado mediante a emissão desta permissão, que é concedida a partir do cumprimento a determinadas exigências. “Esse instrumento autoriza o usuário de recursos hídricos, sob condições preestabelecidas, a utilizar a água ou realizar interferências hidráulicas nos corpos hídricos, necessárias ao seu consumo e às suas atividades produtivas, para assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água”, detalha ainda a Semas.

O engenheiro agrônomo Paulo Lobato, da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará (Emater-PA) explica que a outorga é necessária para que os produtores agrícolas e pecuários do Pará possam desenvolver seus trabalhos a partir da utilização de águas subterrâneas. Com o documento da autorização em mãos, o produtor pode procurar instituições financeiras para ter acesso a financiamentos que lhe permitam instalar um sistema de irrigação em sua propriedade. As culturas do açaí e do abacaxi, por exemplo, têm se beneficiado dos trâmites desse tipo, de acordo com o especialista.

“Quem não tem a outorga acaba tendo que instalar a irrigação com recursos próprios. Ou então, precisa recorrer para o uso de águas superficiais, das margens dos igarapés. Mas os mais comuns são caminhos para irrigação de águas subterrâneas. Embora a água seja mais associada à agricultura, também é uma questão para a pecuária. Para a criação de animais, também é preciso saber de onde virá a água”, afirma o engenheiro agrônomo.

Ainda segundo Lobato, o acompanhamento técnico de órgãos como a Emater é fundamental para evitar o uso irresponsável dos recursos hídricos e da flora, que podem levar à degradação do meio ambiente. “Os técnicos, quando realizam o cadastro ambiental obrigatório das propriedades, também devem fazer um trabalho de conscientização. E também incentivar que sejam plantadas espécies agroflorestais para recuperar nascentes”, completa.

O uso de recursos hídricos exige a outorga em situações como a derivação ou captação de parcela de água para consumo final, inclusive em abastecimento público, ou insumo em processo produtivo; em lançamento de efluentes; qualquer obra ou serviço de interferência hídrica que possa influenciar o regime hídrico de um determinado curso d’água ou de um aquífero.

Projeto tenta conter a degradação

Lugares secos, de aparência árida, não são identificados comumente com a Amazônia, onde a biodiversidade abundante e os grandes rios dão a impressão de que a água não é uma questão em pauta. Pesquisadores e produtores agropecuários, no entanto, tem trabalhado para que o acesso a recursos hídricos não seja mais um problema em locais onde o desmatamento degradou igarapés e olhos d´água, comprometendo o desenvolvimento sustentável.

Foi esse o cenário instalado nos municípios de Novo Repartimento, Itupiranga, Nova Ipixuna e Marabá, no Sudeste Paraense, e que o projeto Inova Flora, apoiado pelo Fundo Amazônia e desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), procura reverter há um ano, quando foi iniciado. A iniciativa faz parte do grupo de 19 projetos em fase de execução que compõem o Projeto Integrado para a Produção e Manejo Sustentável do Bioma Amazônia, financiado pelo fundo internacional e operacionalizado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

De acordo com a gestora do projeto, a pesquisadora Michelliny Bentes, a ação predatória de pecuaristas no Sudeste do Pará levou à destruição de Áreas de Preservação Permanente (APPs) desde a segunda metade do século passado, o que teve como característica o desmatamento de beiras de igarapé e nascentes. O objetivo do Inova Flora é repassar conhecimentos técnicos para as cerca de 300 famílias que moram e trabalham nos municípios, para que as águas de suas propriedades voltem a fluir.

“Nosso trabalho é de transferência de tecnologia, não de pesquisa. Queremos que os produtores melhorem a produtividade dos cultivos ao mesmo que tenham consciência do cuidado com a natureza. Sem a água, não teremos nada. Acreditamos que é possível a produção junto com a produção. Por isso, incentivamos o plantio de açaizeiro, por exemplo, à margem dos rios, que, além de fazer a vida voltar e as águas correrem, podem ser revestidos em renda”, explica Bentes.

Moradora do Rancho da Pedra, propriedade localizada na zona rural a oito quilômetros do município de Novo Repartimento, a agricultora Maria Gorete Rios, de 38 anos, relata que a destruição das matas das beiras de igarapés era o “procedimento comum” no local. “A regra era derrubar, queimar e plantar capim para o gado. Era a única coisa que as pessoas queriam fazer. Hoje em dia, isso começou a mudar. E tem que mudar mesmo porque é a lei. No caso das Áreas de Preservação Permanente, não tem jeito: você precisa manter preservada a área de 10 a 20 metros”, enfatiza. Gorete trabalha, atualmente, com a extração de açaí nativo, plantio de cacau, feijão, milho, arroz e criação de gado.

Empreendimentos têm dificuldades em Belém

Para além das propriedades e dos pequenos negócios no interior do Estado, também há dificuldade de desenvolvimento dos empreendimentos situados na capital do Pará, que precisam de água para manter a produção e crescer. Com a falta de abastecimento por parte da Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa) observada nos últimos anos, muitos negócios são prejudicados, especialmente no ramo alimentício.

É o caso do empreendedor Paulo Roberto Aguiar, de 49 anos de idade, que, há sete anos, é proprietário de um pequeno restaurante na avenida Humaitá, em Belém. O local recebe, principalmente, pessoas que trabalham e estudam nos arredores, ou acompanhantes de pacientes de um hospital próximo. Quando falta água, seu lucro é reduzido, porque, para continuar a produção de alimentos normalmente, precisa comprar garrafões de água mineral.

“Por dia, são cerca de 10 galões de água para chegar perto e nossa produção regular, isso dá 200 litros de água comprada, sendo que temos direito ao abastecimento da Cosanpa”, denunciou. Segundo Aguiar, é muito frequente a interrupção da água no bairro do Marco, onde o restaurante fica localizado. “Parece que eles têm uma alavanca, porque acaba sem explicação”, comentou.

Uma das formas de contornar essa questão é utilizando a água – fruto de um poço artesiano – do vizinho, que também é dono de um empreendimento parecido. Para deixar de pedir ajuda ao concorrente, Aguiar começou a fazer o armazenamento do líquido, há cerca de um mês, para casos de interrupções.

O presidente da Cosanpa, José Antônio De Angelis, ressaltou que a companhia tem atuado para garantir água constante e de qualidade aos paraenses, já que, nos últimos anos, segundo ele, o órgão se deteriorou em todos os 53 municípios que atende no Estado. Os sistemas da empresa ficaram mais de 12 meses parados, e 13 obras tiveram paralisação, das quais algumas foram perdidas nos municípios de Santarém, Ananindeua, Breves e outros, por falta de recursos, explicou o presidente.

Uma das medidas para reverter a situação da população do Pará é a recuperação desses sistemas. Com investimentos de R$ 250 milhões, a Cosanpa iniciou, em 26 bairros da capital do Estado, a substituição das redes antigas de cimento amianto – material que não é mais utilizado no setor - por redes novas, ação que faz parte do Projeto de Controle e Redução de Perdas da Cosanpa. Nos locais onde a obra já foi feita, como o Marco, o presidente garantiu que ainda não houve caso de interrupção no abastecimento.

O projeto consiste na instalação de hidrômetros e na substituição das antigas redes de cimento amianto por redes novas de Polietileno de Alta Densidade (Pead). Segundo o órgão, na primeira fase, foi usado o Gound Penetrating Radar (GPR), um georadar que funciona como uma espécie de ultrassom de verificação das camadas do solo. Com ele, foi possível enxergar a posição das tubulações já existentes, além de outras estruturas que estejam debaixo da terra, como cabos de telefonia, redes de energia e de drenagem. O georadar continua sendo usado para o mapeamento de todas as ruas onde as tubulações novas serão instaladas.

 “Temos investimentos do governo para realizar essas expansões e melhorias, e acreditamos que nos próximos anos alcançaremos muito mais. Por hora, estamos melhorando a qualidade da água produzida e vamos aumentar a quantidade da produção. O material vai garantir que falte menos água porque quando perco menos, sobra mais para distribuir”, ressaltou De Angelis.

Embora admita que tem acompanhado a insatisfação dos moradores belenenses quanto ao serviço ofertado pela Cosanpa, o presidente disse que “não é possível recuperar 25 anos de descaso com a companhia em apenas um ano da nossa gestão. Mas, para fazer a mudança, é preciso fechar a rede para fazer a extensão. Por isso temos paralisado o abastecimento de água aqui em Belém e o usuário sente mais. Com a conclusão das obras isso vai melhorar”, pontuou.

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