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Tendência anti-CLT estimula o trabalho autônomo entre jovens; como isso afeta o mercado paraense?

Longas jornadas e baixa remuneração levam jovens a buscar autonomia e flexibilidade fora do regime tradicional

Thaline Silva

Longas jornadas, horas no transporte público, pouco tempo para a família e cobranças constantes. Esses fatores têm levado muitos jovens brasileiros a rejeitar o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), legislação criada em 1943 que regula as relações formais de emprego no país. Quem atua com carteira assinada deve cumprir regras específicas, mas também tem direitos garantidos por lei.

No Pará, essa tendência também é perceptível. De acordo com levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos do Pará (Dieese/PA), referente ao 4º trimestre de 2024, quase metade dos jovens de 15 a 29 anos está fora do mercado formal. Entre os que estão empregados, a maioria atua na informalidade.

Segundo o estudo, 369 mil jovens trabalham no setor privado sem vínculo formal, o que representa 31,4% da população economicamente ativa nessa faixa etária. Outros 342 mil (29,1%) possuem emprego com registro. Já o trabalho por conta própria, em geral informal, reúne 226 mil jovens (19,2%). A participação no setor público representa 7,1%; empregadores somam 2,2%; e o trabalho doméstico, com ou sem carteira, corresponde a 1,3%.

É o caso de Eduardo Henrique, motorista de aplicativo que nunca teve registro formal. “Passei a trabalhar por conta própria após o término do meu contrato em uma instituição do Estado. Já trabalho de forma informal há oito anos”, relata. Ele não tem interesse em retornar ao emprego formal: “Não me vejo nesse tipo de trabalho porque o salário é baixo e a jornada, cansativa demais". Ele destaca que sua renda pode chegar a 5 mil reais por mês: "Tirando o meu custo com gasolina, me sobra um valor líquido de mais ou menos 3 mil". 

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Mudança de mentalidade e valorização do tempo

Para o advogado trabalhista Rafael Lauria, com mais de 25 anos de experiência, essa tendência reflete transformações sociais profundas. “Muitos trabalhadores passaram a entender que, ao aceitar um emprego, vendem seu tempo — o ativo mais valioso que possuem. Isso os torna conscientes da troca que fazem ao dedicar horas da própria vida a um empregador". 

Ele destaca que a valorização das horas trabalhadas também é decisiva. “Para receber, em média, R$ 1.518 por mês, esses trabalhadores vendem sua hora por cerca de R$ 6,90. Ao empreender, podem multiplicar esse valor e buscar mais autonomia e renda". 

Além disso, Lauria aponta o foco nos resultados: “O empreendedorismo é oferecer um produto ou serviço que resolva uma necessidade real do consumidor. Quanto maior a capacidade de resolver problemas, maior o valor do profissional". 

O papel das redes sociais e a visão dos jovens

As redes sociais, especialmente por meio da disseminação de memes com tom humorístico e sarcástico, influenciam essa rejeição ao emprego formal, atingindo públicos cada vez mais jovens. A psicóloga Simone Platino explica que muitos jovens cresceram vendo os pais trabalhar excessivamente e ganhar pouco. “Para eles, o modelo tradicional de trabalho representa uma vida sem liberdade, com pouco retorno financeiro e quase nenhum tempo livre — exatamente o que não querem". 

Platino ressalta que o empreendedorismo surge como símbolo de “liberdade geográfica, financeira e de tempo”. Porém, ela alerta para a romantização do modelo: “Na prática, o empreendedor geralmente trabalha muito mais do que oito horas por dia, ao contrário do que se vê nas redes sociais. Sucesso e liberdade exigem dedicação, disciplina, persistência e constância — palavras pouco comentadas online". 

Para os adolescentes, a especialista recomenda que os pais compreendam essa nova lógica do trabalho e dialoguem sobre as vantagens e desvantagens de cada modelo — CLT, MEI ou PJ — enfatizando valores como tempo, disciplina e perseverança. “Sucesso e liberdade são possíveis, mas não surgem do nada”, finaliza.

Alanes Mota, de 20 anos, estudante de Publicidade, destaca outro aspecto: “O maior problema do trabalho formal é a escala. Não sobra tempo para lazer e o estresse acaba invadindo a vida pessoal". Ela pretende trabalhar por conta própria após se formar e chama atenção para a desigualdade entre patrões e empregados, com “o famoso ‘exército de reserva’ que mantém os empresários confortáveis, já que sempre há alguém para substituir o funcionário".

Efeitos e desafios no longo prazo

Para Lauria, o aumento do empreendedorismo pode impulsionar a economia, gerar novas vagas e ampliar a cadeia produtiva. Porém, traz desafios para a previdência pública: “O sistema precisa de mais contribuintes na base do que beneficiários no topo, o que justifica as reformas e dificulta a aposentadoria". 

Ele ressalta que, com conhecimento e disciplina, fundos privados podem render mais que o INSS, mas a previdência pública continua essencial para quem não tem outras opções. “O desafio é tornar a previdência atrativa para o empreendedor, oferecendo vantagens reais para que ele opte por contribuir". 

O futuro do trabalho

Apesar das transformações no mercado de trabalho, Lauria acredita que algumas profissões continuarão essenciais. “Cuidadores de idosos, professores, mentores, pedagogos e educadores sociais exercem funções que exigem habilidades humanas, como empatia e gestão emocional, e dificilmente serão substituídas por tecnologia". 

Ele acrescenta que cargos voltados à liderança e à tomada de decisões estratégicas também permanecerão relevantes. “Serviços repetitivos tendem a desaparecer, mas quem desenvolve soft skills — como inteligência emocional — terá mais chances de se manter no mercado". 

O advogado conclui que o caminho não é abandonar a CLT, e sim adaptá-la aos novos tempos: “O desafio do nosso tempo não é extinguir a CLT, mas atualizá-la e conciliá-la com modelos híbridos que valorizem tanto a inovação quanto a dignidade humana". 

*Thaline Silva, estagiária de jornalismo, sob supervisão de Keila Ferreira, coordenadora do núcleo de Política e Economia