Quem é Anna Maria Martins? Mulher que revolucionou e deu vida ao 'Dia da Culinária Paraense'
Quituteira levou pratos regionais aos salões de luxo e inspirou a criação do Dia Estadual da Culinária Paraense
Nesta quinta-feira (25), o Pará celebra o Dia Estadual da Culinária Paraense, instituído pela Lei Nº 8.409, de 7 de novembro de 2016. A data homenageia Anna Maria de Araújo Leal Martins, considerada um marco na história da gastronomia local por popularizar e valorizar a culinária amazônica, especialmente em Belém.
Filha de Edméia da Gama Malcher Araújo e neta do ex-governador e interventor José Malcher, Anna Maria nasceu em uma família de forte influência política e social. Criada para ser dona de casa, viveu sob rígidos protocolos: não podia sair à rua sem acompanhamento e teve educação tradicional.
Decisão de cozinhar rompeu padrões da elite
A mudança de vida começou com a morte do pai, que deixou a família em dificuldades financeiras. Casada e com filhos, Anna decidiu cozinhar para fora como forma de sustento, rompendo com as convenções da elite local.
“Os irmãos ficaram chateadíssimos, achavam um demérito. Para eles, cozinhar era coisa de quem não tinha formação. Mas ela só queria pagar as contas honestamente”, lembra a jornalista Lorena Filgueiras, que defende o reconhecimento histórico da quituteira.
Quituteira virou referência em banquetes
Em pouco tempo, dona Anna passou a ser requisitada para festas e eventos sofisticados. Seus doces e pratos ganharam fama, e ela se tornou uma referência como quituteira. “Foi uma mulher muito à frente do seu tempo”, destaca Lorena.
A filha Helena Martins relembra o impacto social da profissão da mãe: “Tinha gente que me olhava diferente porque eu era filha da doceira. Depois, todo mundo queria os doces da dona Anna Maria”.
Revolução no cardápio paraense
Anna Maria transformou ingredientes até então considerados "de pobre" em iguarias de prestígio. Maniçoba, jambu e pato no tucupi passaram a figurar nos salões e nas mesas da alta sociedade. “Ela deu padrão internacional à culinária paraense”, resume o jornalista Fernando Jares, amigo da família.
A trajetória de dona Anna também foi parar nas páginas do The New York Times, que dedicou meia página para contar sua história. “A repórter passou dias com ela, observando como fazia. Foi um dos grandes momentos da gastronomia paraense”, comenta Jares.
Entre os feitos históricos de dona Anna Martins estão:
- Primeira mulher a levar a maniçoba aos restaurantes refinados
- Recebeu reportagem de meia página no The New York Times
- Serviu almoço ao papa João Paulo II em visita a Belém
- Transformou ingredientes da culinária amazônica em pratos de prestígio
- Fundou o restaurante “Lá em Casa”, referência nacional
Serviu o papa João Paulo II
Dona Anna também teve a honra de cozinhar para o papa João Paulo II durante visita a Belém. “Ela sempre dizia que o momento mais precioso da vida foi servir o papa. Para a época, era escandaloso uma mulher dizer isso, colocando a carreira acima de qualquer outra conquista”, ressalta Lorena.
“Lá em Casa”: o restaurante que marcou época
Em 1972, nasce o restaurante Lá em Casa, no porão do chalé da família, na avenida José Malcher. A ideia partiu do filho, o chef Paulo Martins, e o nome surgiu de forma casual, quando dizia aos amigos que a comida seria “lá em casa”.
Com um cardápio que unia a culinária europeia à regional, o restaurante logo virou atração turística. “A iniciativa de misturar os dois cardápios foi estratégica. Ela sabia que não podia abrir mão do tradicional europeu no início”, explica Lorena.
O restaurante cresceu e mudou de endereço, ocupando um casarão onde hoje funciona o Memorial dos Povos. Lá, funcionavam dois ambientes: um climatizado e outro ao ar livre.
Cozinha com identidade amazônica
Na cozinha de dona Anna, não entravam temperos industrializados. “Tudo que ela não podia passar no rosto ou fazer chá, não entrava na comida”, dizia. Os sabores vinham de ingredientes locais, frescos e acessíveis.
Temperos que dona Anna usava na cozinha:
- Sal
- Pimenta-de-cheiro
- Alfavaca
- Chicória
- Cheiro-verde
- Pimenta-cominho (raramente)
Legado de uma pioneira
Dona Anna faleceu em 1º de dezembro de 2007. Em 2000, foi reconhecida como Mulher Empreendedora pela Associação Comercial do Pará. A criação do Dia Estadual da Culinária Paraense veio nove anos depois, consolidando seu impacto.
A neta Daniela Martins, chef de cozinha, fala com emoção da avó: “Ela foi uma guerreira. Quebrou tabus e criou os filhos com muito esforço. Quando soubemos da homenagem, toda a família se emocionou”.
A bisneta Carol Martins, que viveu em Portugal, celebra o reconhecimento global da culinária regional. “Ver o tucupi chegando à Europa e saber que tem dedo da minha família ali é motivo de orgulho”.
Homenagens e legado deixado por dona Anna:
- Recebeu o prêmio de Mulher Empreendedora (2000)
- Teve o nascimento eternizado como o Dia Estadual da Culinária Paraense (Lei Nº 8.409/2016)
- Inspirou o Festival Ver-o-Peso da Cozinha Paraense
- Abriu caminho para a valorização da gastronomia amazônica no Brasil e no mundo.
Palavras-chave