Exclusivo: Gilberto Gil fala de período em Icoaraci em que iniciou a canção ‘Refazenda”
O cantor e compositor reflete também sobre questões ambientais na Amazônia
Embora alguns nomes o escapem, Gilberto Gil, aos 83 anos, recorda bem da temporada que passou em um sítio em Icoaraci, distrito de Belém, em meados dos anos de 1970. Provavelmente, em 1974. Naquele momento, ainda durante a Ditadura Militar que o havia exilado em Londres entre 1969 e 1972, o convite para ir ao local com amigos paraenses gerou a inspiração e clima de introspecção para o início de Refazenda, canção concluída depois em Salvador, que trata de um retorno aos valores do interior brasileiro.
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A música originou o álbum de mesmo nome, lançado em 1975, e marcou o início de um novo ciclo da trajetória do então jovem músico e compositor de 33 anos, com a trilogia Re, composta também pelos álbuns Refavela (1977) e Realce (1979). Em entrevista exclusiva ao Grupo Liberal, por telefone, Gilberto Gil relembrou o momento.
Confira imagens de Gilberto Gil em Belém nos anos 70:
“Tenho tentado lembrar o nome dele... Mas era um dos meus amigos jovens de Belém. Todos ligados ali a família Barata (de Ruy Barata, poeta e compositor). Paulo André e todos eles. E a família daquele rapaz tinha um sítio em Icoaraci. Em uma das ocasiões que estive em Belém, ele me convidou para ficar uns dias em Icoaraci e eu fui. Nessa ocasião que comecei a escrever a canção. Não sei se havia um abacateiro, mas havia as frutas ali mais típicas, da região. Aquele ambiente me inspirou a escrever a canção que terminei depois em Salvador”, narra Gilberto Gil.
O sítio em questão era propriedade da família do médico Octávio Lobo, também jovem naquele período. Octávio afirma, no entanto, que Gil não está se referindo a ele quando fala “daquele rapaz”, e, sim, ao advogado Egydio Sales Filho, falecido em 2020, vítima de um infarto.
“O rapaz a quem o Gil se refere é o Dr. Egídio Sales Filho, advogado, querido amigo, já falecido. Na realidade, o Egídio me pediu a gentileza de ceder a casa para o Gil para hospedá-lo, o que fiz entregando as chaves para o Egídio. Pessoalmente não tive contato com o grupo e com a confraria. Egídio gostava muito do Gil e vice-versa. Sempre trocavam figurinhas quando este vinha em visita a Belém”, conta Octávio. Ainda segundo o médico, o jornalista Afonso Klautau, falecido em 2013, também foi membro da comitiva que recebeu Gilberto Gil e também possuía uma casa em Icoaraci. “As duas casas ou sítios eram muito próximas. Eles estavam juntos e ambos (Egídio Sales Filho e Afonso Klautau) recepcionaram o Gil”, diz Octávio Lobo.
Diferente do médico, o jornalista e produtor cultural Tito Barata, filho de Ruy Barata, conviveu bastante com Gilberto Gil e os músicos que o acompanhavam nas turnês que vieram a Belém nos anos 70 e 80. Embora também não estivesse no grupo de Icoaraci, ele afirma que, pelo menos de 1978 a 1985, Gil deve ter vindo a cidade todos os anos, pois foram realizados almoços ao artista na casa de seus pais, comandados por Norma Barata, sua mãe, e as quituteiras arregimentadas por ela.
“Eu me lembro muito bem do ‘Realce’ (do show do disco), do ‘Refavela’, de ‘Um Banda Um’, de ‘Luar’. Lembro que pelo menos por seis vezes ele esteve em nossa casa. Toda vez, quando acabávamos o almoço, a gente dava açaí para os músicos e depois tinha a nossa ‘bola’ com o time do Gilberto Gil, que era formado por empresários, músicos, técnicos. Mas os empresários não deixavam Gil jogar, porque se ele machucasse a mão, não tinha show à noite”, recorda o jornalista.
Segundo Tito, a convivência com Gil era muito harmoniosa. “Ele sempre foi uma maravilha de pessoa. Conversava com todos. Ele ficava em casa como se estivesse na casa dele. Lembro de ele vir neste período com a Flora (Flora Gil, empresária e esposa de Gilberto Gil há 44 anos). Foi uma maravilha o Gil aqui, a vizinhança ficava cheia, todo mundo queria ficar por perto”, conta Tito.
Gilberto Gil recorda também desse momento em que eram mais frequentes suas apresentações na capital paraense e se espanta ao saber, pelo repórter, que não vem a cidade há 15 anos. “Nós tocávamos muito no Theatro da Paz e no Ginásio de Educação Física do Pará. Tocamos uma ou duas vezes no estádio da Tuna. Ainda não havia show no Mangueirão. E em vários outros locais. Mas, especialmente, no Theatro da Paz, e no Ginásio de Educação Física”, diz o artista.
Ciclos
No dia 21 de março de 2026, Gilberto Gil realiza em Belém o último show da turnê “Tempo-Rei”, no Hangar Centro de Convenções. A apresentação encerra o ciclo de grandes temporadas de show do músico. Para Gil, encerrar ciclos está longe de ser algo melancólico.
“Para mim essa ideia de cumprir um ciclo de vida, com começo, meio e fim, é uma coisa que de uma certa forma é tranquila, porque é assim que eu entendo a vida. É uma das formas de fotografar um dos flagrantes da vida. Perceber essa circunferência ampla que vem desde o nascimento até a morte com tudo que diz respeito a todos esses movimentos da vida. E, no meu caso, com a questão profissional, com a música, com a coisa artística. Para mim é um modo de observar o conjunto da minha própria vida e suas fases. E, agora, essa fase mais ligada ao final da vida”, conclui.
(*Coordenador do Núcleo de Cultura do Grupo Liberal)
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