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O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

Os ouvidos (pacientes) de Deus

Océlio de Morais

Quando adolescente e seminarista, com outros seminaristas, fizemos um retiro espiritual na “Serra da Lua”, bem no  topo da “Pedra do Mirante”  em Monte Alegre (PA) – um sítio arqueológico com mais de 11 mil anos,  e recentemente  escolhido como patrimônio cultural do Planeta  pela  World Monuments Fund (WMF).  

Um  sacerdote norteamericano, que serviu na paróquia de Monte Alegre e pregador daquele  retiro, pediu para a gente ouvir a voz da natureza e depois relatar as experiências.  Como era menino criado na roça das colônias Jacaré e Ipiranga, ao  cheiro e à voz da natureza , eu já estava habituado: via uma vida livre. Mas, frei Gaziano foi além: disse-nos que a voz da natureza era uma espécie da voz de Deus, porque ali estava a criação. 

Desde então,  gosto de ouvir a voz do tempo.  A defino como a voz do passado ou a voz da experiência que, (geralmente, assim nos diz a filosofia clássica), está associada à sabedoria.  

A experiência como sabedoria não é, em termos absolutos, um atributo  ou privilégio apenas  dos mais velhos, mas é preciso reconhecer que o tempo de vida ensina  sobre  as coisas necessárias para saber escutar a voz do tempo, visando a tomada  das decisões mais acertadas diante das  situações limites da vida.

A voz do tempo tem uma espécie de poder mágico: também facilita compreender a necessidade  espiritual da conexão permanente com Deus, sendo ainda uma chave  para o autoconhecimento da natureza e da condição humana. “Conhece-te a ti mesmo, torna-te consciente da tua ignorância e serás sábio”, como disse o filósofo  Sócrates. 

Então, compreenda,  a voz do tempo,  como uma necessidade  espiritual da conexão permanente com Deus,  sempre penso que o Excelso Criador possui ouvidos (muito) pacientes  para – sem nenhuma limitação de tempo para descansar – ficar ouvindo  as incessantes  lamúrias, queixas e  pedidos de cada uma das bilhões de pessoas que Nele acreditam.  

Os pacientes ouvidos de Deus não descartam nenhuma das súplicas humanas  que lhes são dirigidas. Não há distinção para ouví-las, sejam elas do necessitado em apuros espirituais, sejam do ingrato (que sempre pediu clemência e sempre a recebeu) mas nunca se arrependeu de verdade.

Mas voz do tempo sempre está sussurrando: e se Deus, por uma fração de segundo, – para Deus o tempo é infinito –  com todo o seu poder espiritual, resolver fechar os ouvidos  às lamúrias dos ingratos, dos infratores e dos dissimulados, alguém já parou para imaginar o caos espiritual que se estabeleceria no planeta Terra?

E se a paciência de Deus se esgotasse diante das reiteradas promessas de auto-perdão e de perdão  em relação ao próximo não cumpridas, qual seria o sentido da passagem humana na Terra?

Pensei nisso porque – na nossa condição falível, mas sempre perfectível –  ouvidos humanos são impacientes e  seletivos: ouvem e selecionam o que querem.  Isso é natural, até mesmo como uma autodefesa em face das beligerâncias que se propagam todos os dias nas relações individuais e sociais.

A paciência humana é curta e, muitas das vezes, explosiva como uma dinamite da mais alta potência, exatamente porque os ouvidos  não são suficientes pacientes, decorrendo intolerâncias. 

O cotidiano está cheio dessas “dinamites” e  “granadas” prontas para explodir, sem  a preocupação, muitas vezes, com  a imprevisibilidade da ação reativa provocada pela impaciência.

A propósito, assisti pela televisão fechada um desses discursos ideologicamente radicais de um parlamentar,  cuja mensagem de fundo  – ao contrário da retórica do discurso  supostamente democrático – é a intolerância e a narrativa é de que a verdade apenas por ele se propaga.   

Meus ouvidos quiseram se fechar, mas a voz do tempo me disse mais uma vez:  ouça tudo, pois no final conhecerás a índole política daquele que discursa, se expressa valores éticos e à serviço de quem ela está agindo.  

Aquela voz discursante, cheia de palavras de ordens,  falava para ninguém, talvez porque era apenas retoricismo para as câmeras de televisão  e para os microfones das rádios.

 Na prática – assim  a voz do tempo sussurrou aos meus ouvidos – aquele discurso não revelou sabedoria. A conclusão foi a seguinte: nesses casos, os ouvidos humanos precisam mesmo ser seletivos; antes, porém, é preciso conhecer para separar o joio do trigo.

Mas, sob a perspectiva da ascese espiritual, poderia ser dito, então, que ouvidos totalmente impacientes revelam  a  característica  humana daquele que não conhece a si mesmo e, nessa condição, não estabelece ou perdeu a conexão com  Deus? 

Se a voz do tempo equivale à voz da experiência, penso que pode ser afirmado que o scire te ipsum (conhece-te) é uma das potencialidades humanas para também  melhor conhecer  o Criador. Isso porque o conhecimento da natureza e da condição humana leva à afirmação teológico da fé:  a vida humana não se resume à materialidade;  mas também é Espírito, sendo este imortal, porque imortal é o Espírito maior: Deus, o Supremo Criador.

Os ouvidos (pacientes) de Deus têm uma finalidade espiritual: esperar e confiar que a voz do tempo lápide a pedra bruta do nosso Ser e aperfeiçoe as virtudes éticas e espirituais de todos.  

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ATENÇÃO: Em  observância à Lei  9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma (Océlio de Jesus Carneiro Morais (CARNEIRO M,  Instagram: oceliojcmoraisescritor

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