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O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

O tempo de decisão

Océlio de Morais

Um quarto de século pode ser compreendido apenas como uma fração matemática, uma parte do inteiro. E tudo parecerá muito simples, como uma representação numérica.  

Mas um quarto de século, na magistratura pode ser imaginado  assim: incontáveis  dias e noites de reflexões sobre casos complexos, incontáveis horas de audiências judiciais, dezenas de centenas e  centenas de milhares de despachos, decisões e sentenças destinados à solução dos mais variados litígios decorrentes das relações de trabalho.

Tudo isso está contido  na cesta do tempo da decisão, equivalente à enorme cesta de prazos judiciais que, do ponto de vista finalístico,  indica às partes e ao juiz que  o processo têm um início, um meio e um fim. 

Processos não podem ser perenizados. Nem pelas partes - nos evidentes casos de recursos temerários, incidentes tumultuários e atentado à dignidade da justiça -, tampouco por juízes tardios. 

Essa crônica reflexiva, dentro da série especial alusiva ao meu quase um quarto século de magistratura, é dedicada ao tempo da decisão, que tem a ver com o tempo da maturidade ou o tempo qualitativo da decisão, naquilo que se contrapõe à justiça tardia.  

Isso me reporta à famosa “Oração aos moços”, de Rui Barbosa. Então trago um breve excerto sobre a injustiça das decisões judiciais tardias, gerada, naquela visão do jurista, pela “lassidão comum” de "juizes tardinheiros” (e não dos juízes, ressalte-se), que fazem as causas “contar a idade por lustros”.

“Destarte se incrementa e desmanda ele (o processo, acrescentei) em proporções incalculáveis, chegando as causas a contar a idade por lustros, ou décadas, em vez de anos. (..) Os juízes tardinheiros são culpados, que a lassidão comum vai tolerando.”

Confesso que não sei definir, com exatidão, o que Rui Barbosa quis dizer com a expressão “juízes tardinheiros”, mas percebe-se uma justaposição de palavras com significado depreciativo em face daqueles juízes (de sua época) que, porventura, não cuidavam bem dos valores da Justiça ou não se pautavam pela arte ética de bem julgar. 

E daquela situação, concebeu a célebre frase, que ainda na atualidade se houve e é reproduzida em peças processuais:

(...) A justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. (...) Os juízes tardinheiros são culpados, que a lassidão comum vai tolerando. (...)”

A “Oração aos moços” foi o discurso de paraninfo da turma de 1920 da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, de São Paulo. Doente, o “Águia de Haia” não compareceu à solenidade, e o discurso foi  lido pelo Diretor da Faculdade, o professor Reinaldo Porchat;

A “Oração aos moços” virou livro porque, conforme a crítica da época, e ainda na atualidade, consiste numa defesa cívica dos princípios  da liberdade,  da igualdade e dos valores da Justiça.

Para escrever essa crônica, precisei  reler a “Oração aos moços” - a primeira vez foi quando iniciei o curso de Direito em 1986 na  então União das Escolas Superiores do Pará (Unespa) sucedida pela Universidade da Amazônia - e também para mostrar que o tempo é um baú com boas ou tão boas recordações.

Nesse quase um quarto de século de minha magistratura trabalhista tem sido possível constatar que, no processo  judicial, a decisão tardia, que gera injustiça, tem outros fatores, além do eventual “juiz tardio”, o qual  não é culpado exclusivo. 

Alguns exemplos podem ser apontados: a excessividade de recursos, a oposição ou resistência injustificada ao andamento do processo, a provocação de incidente manifestamente infundado, a interposição de recurso protelatório, ataque velados ou diretos da parte contra magistrado, com o objetivo de afastá-lo da direção do  processo. Tais são exemplos de condutas anti-processuais, que, induvidosamente, contribuem para que as causas judiciais contem “idade por lustros, ou décadas”.

Imaginemos um caso hipotético: a decisão judicial transitada em julgado, reconhece o vínculo de emprego, determina anotação na CTPS e condena ao pagamento dos consectários trabalhistas. Mas a parte condenada se esconde  ao cumprimento ou cria inúmeros incidentes  infundados,  até mesmo criando factóides para tentar tornar suspeito o juiz da causa. 

Seria o típico caso da “justiça atrasada” que “não é justiça”, mas é “ injustiça, qualificada e manifesta”, de trata Rui Barbosa.

É um típico caso -  infelizmente não é raro nesse tempo de retoricismo constitucional de ampla defesa - que alerta que é tempo de mudança. 

Então, o tempo do processo também está relacionado à lealdade e à boa-fé processuais das partes e, claro,  do magistrado que o preside, à medida que a este é inata a ampla liberdade na direção do processo, cabendo-lhe   adotar - de forma independente e imparcial  -  as medidas úteis e necessárias à rápida solução do processo.

A frase “A justiça atrasada não é justiça (...)” - assim posso interpretar - diz respeito ao tempo razoável da duração do processo. 

Refere-se ao tempo útil que a decisão leva para ser efetiva e completamente cumprida; não meramente pela premência do prazo processual a ser observado, mas especialmente porque o tempo da decisão diz respeito à expectativa de direito real que um processo condensa.  

O tempo sempre gera expectativas. O tempo todo nas mais simples ou complexas tomadas de decisões.  É assim no cotidiano. É da natureza. 

É mais ou menos como o tempo do Advento, traduzido como o tempo da preparação, da expectativa e da alegria pelo nascimento de Jesus, que é também o tempo da penitência ou do arrependimento.

Isso leva à necessária  referência ao  tempo Kairós, ao tempo Chrónos e ao tempo do propósito.

Talvez não percebamos.  E talvez não nos dediquemos a observar isso com a boa atenção que deveria ser: assim também ocorre no âmbito da Justiça, o tempo da existência corpórea corresponde à permanente tomada de decisão. 

Mas o tempo do processo significa muito mais do que um prazo processual.  É tempo da vida em compasso de espera; portanto, deveria ser um tempo breve, à espera da resposta da Justiça.

É o tempo dos homens. O tempo  que a mitologia grega traduziu como Chrónos, o “deus” da existência cronológica em contraposição ao tempo da natureza qualitativa ou do tempo oportuno, personificado no “deus”  Kairós.

Kairós e oChrónos compõem o tempo da decisão oriunda do tempo da opção, que projeta um resultado ou um fim, que a Bíblia traduziu como o “tempo do propósito” ou  “tempo determinado”: “tempo de nascer e  tempo de morrer;  o tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou”. (..) tempo de chorar e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar (...)”. (Eclesiastes, 3).

Aguardam-se e tomam-se decisões no “tempo do propósito”. Certas ou erradas. O tempo da natureza qualitativa (Kairós)  faz a diferença nas tomadas de decisões qualitativas, éticas e efetivas judicialmente . 

O tempo da decisão (qualitativa) é o tempo do (bom) propósito. Numa palavra: o tempo do bom propósito eclesiastes é o tempo (ético) da decisão judicial, porque “Tudo tem o seu tempo determinado”. E, na magistratura, o tempo todo e todo o tempo deve ser o tempo da dedicação aos bons valores da Justiça.

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ATENÇÃO: Em  observância à Lei  9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma (Océlio de Jesus Carneiro Morais (CARNEIRO M, Océlio de Jesus) e respectiva fonte de publicação

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