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O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

O peso do juramento

(Crônicas judiciárias de quase um quarto de século na magistratura)

Océlio de Morais

Lá entre os seus 50 a 70 anos de idade, Sócrates - ao falar sobre a justiça,  Platão relata isso na abertura de “A República” - dizia que “Há quatro características que um juiz deve possuir: escutar com cortesia, responder sabiamente, ponderar com prudência e decidir imparcialmente.”

Ali o mais notável  filósofo grego de todos os tempos (e, na minha percepção, da cultura ocidental) lançava as sementes ontológicas ao que temos na atualidade no âmbito da Justiça  em si e com suas complexidade: “escutar com cortesia” (princípio da urbanidade processual), “responder sabiamente” (princípio de que na casa da Justiça é inconcebível cometer injustiças), “ponderar com prudência” (princípio do contraditório e ampla defesa como potências  mais seguras para decidir) e “decidir imparcialmente” (institutos do impedimento e da suspeição do magistrado visam a decisão imparcial).

Adoto esses princípios de justiça (valor e bem das pessoas e da sociedade) e da Justiça (julgamento prudentes e imparciais) como base dessa crônica filosófica, que aborda reflexivamente o sentido filosófico do juramento à Constituição.

Esses princípios desafiam o tempo. E é preciso reconhecer que a implementação não é tão fácil e nem tão simples como parece. 

Basta olhar bem o dia a dia nas relações humanas, especialmente no campo da ética (como razão moral de agir) - aspecto sempre desafiador nos julgamentos judiciais, a partir das questões que orientam o “ad sensum” (o sentir) do magistrado na arte de julgar.

Fazer opções éticas à vida não é fácil. A falível natureza humana é uma espécie de fragilidade que atrapalha. Sócrates e Aristóteles já disseram que a natureza humana é ontologicamente variável, inconstante.

Mas por outro lado, e curiosamente,  a natureza humana é o espaço propício para se erguer a fortaleza necessária à compreensão das vicissitudes cotidianas da vida, na tríplice dimensão ontológica, epistemológica e política que nos caracteriza.

Por isso, julgar não é fácil.  É tarefa das mais árduas ao juiz que, de fato,  incorpora a função da Justiça, procurando equilibrar a balança desigual dos homens que geram injustiças.  

Nesse quase um quarto de século de minha magistratura como juiz de carreira, aprovado em concurso público de provas e títulos, já deu para entender -  nesse enigmático laboratório humano do mundo dos processos judiciais - que o juramento de “defender a Constituição” é pela causa da Justiça, cuja finalidade existencial é a defesa das pessoas e da sociedade.

Mas confesso que, envolvido pela felicidade da posse naquele 13 de dezembro de 1996,  não tinha bem claro o peso da responsabilidade daquele juramento.  O tempo, que sempre é o senhor das razões com suas lições silenciosas, vai revelando aos poucos a dimensão daquele juramento.

Já é possível compreender que o juramento -  que tem o peso das aspirações daquilo que sociedade espera como ético e como justo dos magistrados e de seus julgamentos -  é sublime porque a Constituição é o pilar inquebrantável da sociedade que deseja ser livre, ser igual, ser justa, ser não discriminatória e ser solidária.

Por outro sentido e numa frase: a sociedade espera de seus magistrados a certeza de que está bem servida, porque neles (que corporificam a Justiça) vê a última chance verdadeira da esperança e da harmonia sociais.

Bem, isso vem de longe, vem dos tempos imemoriais, lá da Grécia antiga: Aristóteles disse que “A base da sociedade é a justiça” e que “o julgamento constitui a ordem da sociedade”, sendo  por isso que, “o julgamento é a aplicação da justiça.” 

Provavelmente, mas isso sem excluir outras possibilidades, um dos maiores desafios (e que é cotidiano) na minha magistratura é assegurar que meus julgamentos sejam ou reflitam, concretamente, a aplicação da justiça (do justo e do certo ao caso concreto) e da Justiça (fazer respeitar os mandamentos legais). Por certo, também este é o grande desafio dos magistrados vocacionados e seriamente comprometidos com a justiça. 

Não é tarefa simples, especialmente quando processos são utilizados para causas ideológicas tendenciosas  e assim esperam que sejam julgados, independentemente da questão fática real ou questão legal.

O princípio de que “o julgamento constitui a ordem da sociedade” não comporta o pré ou o  julgamento ideológico, precisamente porque, se assim for, “o julgamento não será a aplicação da Justiça''.

Julgar com a consciência de que “a justiça é a base da sociedade” e de que “o julgamento constitui a ordem da sociedade”, leva-me a pensar que  esses dois princípios de Justiça excluem por completo  decisões judiciais  por preferências ideológicas. 

Não é que o magistrado seja inane ou oco de ideologias, à medida que, pela própria natureza, todos têm suas preferências políticas.  

Contudo, de fato, o julgamento deve ser  a  correção do incorreto e da aplicação do que é justo. Isso evitaria, por exemplo, as depreciativas qualificações que são disseminadas nos círculos jurídicos de que o magistrado “A” só julga favorável ao reclamante e o magistrado “B” só decide favoravelmente ao reclamado. 

Se a Justiça é a base da sociedade, então o que a sociedade projeta é a correspondência daquilo que é ou deve ser justo nas relações humanas. E se o julgamento, que é a  correção do incorreto e a aplicação do justo,  constitui a ordem da sociedade, espera-se que a Justiça realmente  seja o fiel da balança através de seus julgamentos justos.

A desvirtuação desses princípios (justiça como  base da sociedade e Justiça como julgador justo e ético) desacredita a Justiça, desqualifica suas decisões e coloca em risco a própria ordem social, à medida que “A base da sociedade é a justiça”.

Jurar defender a Constituição é isso, na minha percepção: é defender os direitos da sociedade, porque a Constituição é a garantia de que o cidadão não terá seus direitos violados, nem mesmo por decisões judiciais, mas sim,  garantidos por elas. 

Jurar defender a Constituição é carregar o peso de toneladas dos sonhos e esperanças de mais de 220 milhões de brasileiros que querem e precisam da Justiça imparcial e j justa a partir de si mesma.

Esse tem sido o meu desafio, consciente de que meus julgamentos - consciente de que  não são absolutos -  procuram  exprimir a vontade da Constituição.

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ATENÇÃO: Em  observância à Lei  9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma (Océlio de Jesus Carneiro Morais (CARNEIRO M, Océlio de Jesus) e respectiva fonte de publicação.

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