O choque das liberdades Océlio de Morais 03.05.22 8h00 Como a liberdade de pensamento é sagrada, no sentido filosófico de que é inata à condição humana, tenho procurado entender, no silêncio da cidade – quando a noite avança e o brilho das estrelas fica mais lindo – as razões das beligerâncias humanas de toda natureza. Este breve ensaio filosófico tem por finalidade oferecer uma reflexão, também teológica, sobre o choque das liberdades. A hipótese principal é a seguinte: o conflito das liberdades é uma questão relativa à natureza anética (=aética) do poder e à consciência ética da alma livre. Nessas reflexões, quase sempre a tendência é ficar adstrito às causas mais imediatas, aquelas que a materialidade humana busca incessantemente todos os dias. Isso não é ruim, porque é a partir da materialidade humana – conforme a intensidade de cada um – que é possível identificar como as beligerâncias humanas se formam e ganham proporções, às vezes, desmedidas e incontroláveis. Então pensei: as beligerâncias humanas imediatas têm lá suas raízes nos choques das vivências das liberdades, precisamente quando um esquece a linha divisória de seus limites, invadindo e violando o campo da liberdade do outro. Podem observar com calma: isso ocorre no plano individual de vida humana. Ocorre diariamente. E na natureza gregária do indivíduo – aquela que designa a nossa condição sociável – reside a natureza política que pode ou não alimentar projetos de poder. Nessa condição, os choques das liberdades são bem mais evidentes, porque são macros, inerentes às questões estruturais da sociedade e do Estado. Os chiques das liberdades não são bons para ninguém individualmente, tampouco para a sociedade. Todos sabemos disso. Mas há uma questão que pode explicar bem melhor esses choques: a sede de e pelo poder de toda natureza, que leva o homem a perder o domínio de si mesmo, um problema inerente à alma aprisionada; portanto, um problema que revela o espírito beligerante de cada um. Isso quem disse – e com Ele concordo plenamente - foi Jesus Cristo. E Jesus disse para a multidão e aos discípulos, todos fascinados com as suas mensagens proféticas: “Pois, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?”. (Marcos. 8:36). “Pois, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?, a pergunta de Jesus desmontou os doutores da lei, o governador Pôncio Pilatos e líderes religiosos de sua época. Numa interpretação mais livre, penso que a pergunta pode ser traduzida assim: nenhum poder no mundo – conquistado ou usurpado – vale a pena se aquele poderoso conquistador ou usurpador perder o domínio de sua alma. A pessoa será realmente livre quando a sua alma não for dominada pelo cinzel do sistema, pois a suposta liberdade que decorreria do poder nada mais é do que uma ilusão efêmera do poder. Jesus pronunciou a mensagem quando explicava sobre o sofrimento, a rejeição e a perseguição que deveria passar até a crucificação na cruz como parte do projeto de sua experiência humana; mas especialmente, como confirmação de que a vida eterna (= a vida espiritual) tinha um alto preço a ser pago: a transformação radical de vida que deveria ser feita para ganhar o Reino dos Céus. Nas palavras de Jesus: “Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”, disse o Mestre, acrescentando: “Pois quem quiser salvar a sua vida a perderá; mas quem perder a sua vida por minha causa e pelo evangelho a salvará” (Marcos 8: 34-35). Então, procurei ver como aquela potente e devastadora mensagem de Jesus se aplicaria à contemporaneidade – devastadora no sentido do apego ao poder que embrutece (a perda do significado para si do que seja o espírito da liberdade) e que pode levar à tiraria em face da coletividade, naquelas situações em que o temor paira no ar pelo medo das ações punitivas daquele que “tem todo o poder do mundo”, mas já perdeu o domínio de si mesmo. Qualquer que seja a aplicação contemporânea, a perspectiva é a verdade que liberta e que promove a leveza da alma, aquela sensação de espírito livre, alegre e feliz. Uma possível aplicação da mensagem de Jesus à contemporaneidade, penso que pode ser vista e explicada assim: a condição-chamado “Negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” foi colocado por Jesus como o desafio da renúncia ao poder que corrompe a natureza humana, e, em última perspectiva, corrompe a alma. “Negar a si mesmo”, teologicamente pode ser também pode ser dito assim: negar aquela cegueira pelo poder que sempre quer mais poder, para que, então, e seja possível tomar a própria cruz, isto é, reconstruir a essência ética-espiritual de vida, visto que a cruz simboliza a separação do poder material em relação à virtude da alma livre. Pegar a cruz significa seguir a Jesus por todo o sempre, isto é, todos os dias e noites da vida, portanto, significa a renúncia àquele poder humano individual ou institucional nocivo que da alma retira a liberdade . “Pois, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?”. Verdadeiramente é a grande questão que leva à reflexão sobre o bom uso da liberdade. É uma questão essencial da vida, especialmente quando se considera que a natureza humana é como o dia e a noite que pavimentam a grande estrada da vida, com curvas sinuosas, linhas retas, íngremes ou lisas. A estrada aqui é, metaforicamente, o tempo da existência livre ou aprisionada. Por isso, na estrada da liberdade, a natureza humana não pode ser prisioneira do poder, porque, assim como a magnitude das estrelas tem um tempo certo para brilhar intensamente e para se apagar – a esse fenômeno os astrofísicos denominam de “matéria degenerada” ou “gás degenerado” – assim a natureza humana tem “o seu tempo nascer e o tempo de morrer” (Eclesiastes 3:2). E quando a finitude da matéria chegar ao fim da estrada, a liberdade será decodificada pelos que nela prosseguirem a jornada. A vida é uma estrada que vai registrando no coração da Terra os passos que podem nos levar ou não aos bons lugares, lá onde todos querem encontrar a liberdade e viver a sua plenitude com sabedoria. _______________ ATENÇÃO: Em observância à Lei 9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma (Océlio de Jesus Carneiro Morais (CARNEIRO M.) Assine O Liberal e confira mais conteúdos e colunistas. 🗞 Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱 Palavras-chave colunas océlio de morais COMPARTILHE ESSA NOTÍCIA Océlio de Morais . Desculpe pela interrupção. Detectamos que você possui um bloqueador de anúncios ativo! Oferecemos notícia e informação de graça, mas produzir conteúdo de qualidade não é. Os anúncios são uma forma de garantir a receita do portal e o pagamento dos profissionais envolvidos. 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