O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

A prisão digital, “Podridão Cerebral” (“Brain Rot”) e a leitura

Océlio de Morais

Na minha adolescência, seminarista interno no seminário São Pio X em Santarém, aprendi com a inesquecível professora Angélica Paiva – ministrava as disciplinas de Português e Francês – que a constante leitura de boa qualidade,  era o principal fator para alimentar o cérebro criativo, enriquecer o vocabulário, para aprender a escrever e para inovar com ideias pioneiras e propositivas. 

Ela tinha plena razão e, desde então, posso afirmar que a pobreza das falas coloquiais,  a partir de vocabulários que desconhecem e maculam a linguagem culta, é resultado da mente vazia que não possui articulação para  criar  e  escrever –  aquela mente preguiçosa acostumada com as trivialidades decorrentes da “cultural digital”, que  na Era da alta Tecnologia, comportamentalmente, posso designá-la a uma espécie de prisão digital.

A preguiça mental, que sem dúvida é uma pobreza intelectual,   por outras palavras, foi diagnosticada – na Era (ou época) das avassaladoras e, às vezes, invasivas tecnologias – como a “Podridão Cerebral” (“Brain Rot”) ou “Cérebro Podre” (“rotten brain”) , por uma pesquisa realizada em 2024  pela Universidade de Oxford, da Inglaterra, com 1.051 jovens adultos entre 18 e 27 anos.

A pesquisa – cujo principais aspectos foram publicados pelo Newport Institute, com o título “Brain Rot: The Impact on Young Adult Mental Health” (Podridão Cerebral: O Impacto na Saúde Mental de Jovens Adultos) – apontou que “o vício em mídias sociais tem uma associação negativa significativa com habilidades de funcionamento executivo, como planejamento, organização, resolução de problemas, tomada de decisões e memória de trabalho”.

A “Podridão Cerebral” (Brain Rot), conforme a pesquisa, “é um estado de confusão mental e declínio cognitivo resultante do uso excessivo de telas”, tendo como causa determinante “o uso excessivo de tecnologia” e, como consequência, além da  “confusão mental”, também reduz a produtividade e a criatividade.

“Horas intermináveis em frente aos celulares e telas de computador estão causando sobrecarga de informações digitais”, afirma o estudo, acrescentando que “o resultado é a deterioração cerebral, que pode ter efeitos de longo alcance na saúde mental de jovens adultos” e, cujo resultado final – que“inunda digitalmente com informações em excesso – é a“deterioração cerebral”. 

É disso que designa o “Cérebro Podre” ("brain rot"), uma questão tão grave, tanto que a referida Universidade a escolheu como a palavra do ano de 2024, destacando a deterioração do estado mental ou intelectual gerada pela denominada “cultural digital” pelo excessivo consumo de conteúdos online triviais, supérfluos, descartáveis e inúteis.

O estudo despertou minha atenção porque tem sido cada vez mais frequente a utilização da Inteligência Artificial    – ChatGPT, Sesame AI, Manus AI, Jasper AI e Zapier Agents, dentre outros, – em substituição  à própria criação humana.  Basta pedir ao ChatGPT, que, prontamente, a IA escreve petições iniciais, contestações, faz resumos de livros e – quem sabe – até mesmo produz  decisões judiciais com “linguagem simples”.

Mas não é só o ChatGPT que vem sendo utilizado para essas atividades. A “Sesame AI” foi  apresentada pela Conversational Speech (CSM) como uma assistente de voz capaz de manter conversas realistas a partir de mensagens de voz. A “Manus AI startup chinesa Butterfly Effec”, é um agente de IA capaz de tomar decisões de forma totalmente autônoma, sem depender de um prompt (comando de texto) de um operador humano. O “Jasper AI” é destinado à produção de texto, “com o diferencial de produzir textos em um tom de voz mais humanizado” e os “Zapier Agents” são criados para “automatizar tarefas por meio da conexão entre diferentes aplicativos”.

A questão que se coloca – a partir dessas ferramentas tecnológicas – é se o seu uso contínuo, em substituição  à criatividade humana para  ler, elaborar textos, artigos, livros, petições judiciais e decisões judiciais  –  poderá alimentar perigosamente a “Podridão Cerebral” (“Brain Rot”) ou “Cérebro Podre” (“rotten brain”).

Se partimos das causas identificadas pela pesquisa da Universidade de Oxford – aliás, a pesquisa fez a seguinte pergunta:  “What Causes Brain Rot?” (O que causa a podridão cerebral?) – posso opinar que  a resposta  é positiva:  a delegação das tarefas humanas para a IA (elaborar textos, artigos, livros, petições judiciais e decisões judiciais) já um é, perigosamente, um aspecto da  “Podridão Cerebral” (“Brain Rot”) ou  “Cérebro Podre” (“rotten brain”).

Isso tudo começa, se bem observado, a partir da falta de leitura de qualidade que causa a preguiça e a pobreza mental.  Veja-se como a questão é simples e óbvia: se a pessoa não possui o hábito das leituras de qualidade, sua capacidade cognitiva não se desenvolve, portanto, não saberá se expressar com clareza e concisão, com linguagem culta e correta para cada situação e, por lógica, não saberá escrever, o que revela a sua “deterioração mental”. 

Então, fico pensando nos riscos que o uso deliberado e excessivo dos aplicativos da IA poderão causar ao cérebro humano, se no meio cultural em geral ou no âmbito judicial as atribuições e tarefas intelectuais forem transferidas para um robô, a pretexto do aumento da produtividade e da eficiência.

Diz-se que o robô responderá aos comandos de quem o opera. Ainda que assim seja, a elaboração do resumo, do texto, do livro, das petições e decisões judiciais serão de autoria do aplicativo da IA. E não do ser humano. É diferente, bem diferente em todos os aspectos que se possa imaginar, a genuína criação humana da elaboração dessas tarefas por robôs. 

Na criação humana – que sempre decorre do hábito das leituras qualitativas – presentes estão os valores inerentes à natureza da pessoa. Isso comprova que o cérebro não é preguiçoso e nem pobre. Na criação por robôs, as mais variadas informações do mundo digital são reunidas e aglutinadas para a finalidade da tarefa não humana, embora ela, ao final, seja apresentada e assinada  como se criação humana fosse .  

A transfrência ao robô para elaboração das tarefas cognitivas inerentes ao ser humano é, na minha percepção, um dos perigosos aspectos do “Cérebro Podre” – ou cérebro preguiçoso, não criativo, cérebro pobre – de que trata a pesquisa da Oxford.

Os riscos que potencializam o “Cérebro Podre” são iminentes.  Vamos imaginar escolas, institutos, faculdades e  universidades sem o hábito da leitura, da pesquisa e da elaboração científica,  ou seja,  ambientes onde  essas tarefas sejam transferidas aos robôs: seriam  verdadeiros laboratórios de “cérebros podres”.  E disso exsurge a pergunta inquietante:  qual seria a consequência para as pessoas, para a sociedade, para a humanidade? 

Agora, pensemos num cenário futuro onde a maioria ou todas as tarefas humanas sejam delegadas aos robôs: o ser humano será um subestimado, mas,  porque nessa condição se colocou, à medida que – com o “Cérebro Podre” também dominado pela cultura digital inútil e descartável –  transferiu  aos robôs as tarefas (cognitivas) que pessoalmente deveria realizá-las. 

É preciso ainda mais um exercício reflexivo: imaginemos uma sociedade onde os autores sejam os robôs (uma espécie de “ghost writer”) de escritores famosos: qual seria o DNA humano daquela obra famosa? Nenhum, por certo. E pensemos, ainda, num sistema de justiça, onde os robôs são os verdadeiros “autores” das petições e decisões judiciais, que deveriam ser próprias da pessoa humana: seríamos dominados por um sistema de justiça de robôs.

O uso das tecnologias, portanto, apresenta essas questões centrais muito sensíveis ao desenvolvimento da personalidade humana. Por certo que podem e devem ser utilizadas, como já ocorre em pesquisas científicas sérias e responsáveis, todavia, não devem e nem podem substituir a criação humana.

Então, posso concluir com a mesma lição imemorial da professora Angélica Paiva em meados dos anos 1970: o hábito da leitura de qualidade é o principal fator para alimentar o cérebro, enriquecer o vocabulário, para aprender a escrever e para inovar com ideias pioneiras e propositivas. E, assim, poder-se-á evitar a “podridão cerebral” destacada na pesquisa da Universidade de Oxford.

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Océlio de Morais
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