A prisão digital, “Podridão Cerebral” (“Brain Rot”) e a leitura Océlio de Morais 06.05.25 8h00 Na minha adolescência, seminarista interno no seminário São Pio X em Santarém, aprendi com a inesquecível professora Angélica Paiva – ministrava as disciplinas de Português e Francês – que a constante leitura de boa qualidade, era o principal fator para alimentar o cérebro criativo, enriquecer o vocabulário, para aprender a escrever e para inovar com ideias pioneiras e propositivas. Ela tinha plena razão e, desde então, posso afirmar que a pobreza das falas coloquiais, a partir de vocabulários que desconhecem e maculam a linguagem culta, é resultado da mente vazia que não possui articulação para criar e escrever – aquela mente preguiçosa acostumada com as trivialidades decorrentes da “cultural digital”, que na Era da alta Tecnologia, comportamentalmente, posso designá-la a uma espécie de prisão digital. A preguiça mental, que sem dúvida é uma pobreza intelectual, por outras palavras, foi diagnosticada – na Era (ou época) das avassaladoras e, às vezes, invasivas tecnologias – como a “Podridão Cerebral” (“Brain Rot”) ou “Cérebro Podre” (“rotten brain”) , por uma pesquisa realizada em 2024 pela Universidade de Oxford, da Inglaterra, com 1.051 jovens adultos entre 18 e 27 anos. A pesquisa – cujo principais aspectos foram publicados pelo Newport Institute, com o título “Brain Rot: The Impact on Young Adult Mental Health” (Podridão Cerebral: O Impacto na Saúde Mental de Jovens Adultos) – apontou que “o vício em mídias sociais tem uma associação negativa significativa com habilidades de funcionamento executivo, como planejamento, organização, resolução de problemas, tomada de decisões e memória de trabalho”. A “Podridão Cerebral” (Brain Rot), conforme a pesquisa, “é um estado de confusão mental e declínio cognitivo resultante do uso excessivo de telas”, tendo como causa determinante “o uso excessivo de tecnologia” e, como consequência, além da “confusão mental”, também reduz a produtividade e a criatividade. “Horas intermináveis em frente aos celulares e telas de computador estão causando sobrecarga de informações digitais”, afirma o estudo, acrescentando que “o resultado é a deterioração cerebral, que pode ter efeitos de longo alcance na saúde mental de jovens adultos” e, cujo resultado final – que“inunda digitalmente com informações em excesso – é a“deterioração cerebral”. É disso que designa o “Cérebro Podre” ("brain rot"), uma questão tão grave, tanto que a referida Universidade a escolheu como a palavra do ano de 2024, destacando a deterioração do estado mental ou intelectual gerada pela denominada “cultural digital” pelo excessivo consumo de conteúdos online triviais, supérfluos, descartáveis e inúteis. O estudo despertou minha atenção porque tem sido cada vez mais frequente a utilização da Inteligência Artificial – ChatGPT, Sesame AI, Manus AI, Jasper AI e Zapier Agents, dentre outros, – em substituição à própria criação humana. Basta pedir ao ChatGPT, que, prontamente, a IA escreve petições iniciais, contestações, faz resumos de livros e – quem sabe – até mesmo produz decisões judiciais com “linguagem simples”. Mas não é só o ChatGPT que vem sendo utilizado para essas atividades. A “Sesame AI” foi apresentada pela Conversational Speech (CSM) como uma assistente de voz capaz de manter conversas realistas a partir de mensagens de voz. A “Manus AI startup chinesa Butterfly Effec”, é um agente de IA capaz de tomar decisões de forma totalmente autônoma, sem depender de um prompt (comando de texto) de um operador humano. O “Jasper AI” é destinado à produção de texto, “com o diferencial de produzir textos em um tom de voz mais humanizado” e os “Zapier Agents” são criados para “automatizar tarefas por meio da conexão entre diferentes aplicativos”. A questão que se coloca – a partir dessas ferramentas tecnológicas – é se o seu uso contínuo, em substituição à criatividade humana para ler, elaborar textos, artigos, livros, petições judiciais e decisões judiciais – poderá alimentar perigosamente a “Podridão Cerebral” (“Brain Rot”) ou “Cérebro Podre” (“rotten brain”). Se partimos das causas identificadas pela pesquisa da Universidade de Oxford – aliás, a pesquisa fez a seguinte pergunta: “What Causes Brain Rot?” (O que causa a podridão cerebral?) – posso opinar que a resposta é positiva: a delegação das tarefas humanas para a IA (elaborar textos, artigos, livros, petições judiciais e decisões judiciais) já um é, perigosamente, um aspecto da “Podridão Cerebral” (“Brain Rot”) ou “Cérebro Podre” (“rotten brain”). Isso tudo começa, se bem observado, a partir da falta de leitura de qualidade que causa a preguiça e a pobreza mental. Veja-se como a questão é simples e óbvia: se a pessoa não possui o hábito das leituras de qualidade, sua capacidade cognitiva não se desenvolve, portanto, não saberá se expressar com clareza e concisão, com linguagem culta e correta para cada situação e, por lógica, não saberá escrever, o que revela a sua “deterioração mental”. Então, fico pensando nos riscos que o uso deliberado e excessivo dos aplicativos da IA poderão causar ao cérebro humano, se no meio cultural em geral ou no âmbito judicial as atribuições e tarefas intelectuais forem transferidas para um robô, a pretexto do aumento da produtividade e da eficiência. Diz-se que o robô responderá aos comandos de quem o opera. Ainda que assim seja, a elaboração do resumo, do texto, do livro, das petições e decisões judiciais serão de autoria do aplicativo da IA. E não do ser humano. É diferente, bem diferente em todos os aspectos que se possa imaginar, a genuína criação humana da elaboração dessas tarefas por robôs. Na criação humana – que sempre decorre do hábito das leituras qualitativas – presentes estão os valores inerentes à natureza da pessoa. Isso comprova que o cérebro não é preguiçoso e nem pobre. Na criação por robôs, as mais variadas informações do mundo digital são reunidas e aglutinadas para a finalidade da tarefa não humana, embora ela, ao final, seja apresentada e assinada como se criação humana fosse . A transfrência ao robô para elaboração das tarefas cognitivas inerentes ao ser humano é, na minha percepção, um dos perigosos aspectos do “Cérebro Podre” – ou cérebro preguiçoso, não criativo, cérebro pobre – de que trata a pesquisa da Oxford. Os riscos que potencializam o “Cérebro Podre” são iminentes. Vamos imaginar escolas, institutos, faculdades e universidades sem o hábito da leitura, da pesquisa e da elaboração científica, ou seja, ambientes onde essas tarefas sejam transferidas aos robôs: seriam verdadeiros laboratórios de “cérebros podres”. E disso exsurge a pergunta inquietante: qual seria a consequência para as pessoas, para a sociedade, para a humanidade? Agora, pensemos num cenário futuro onde a maioria ou todas as tarefas humanas sejam delegadas aos robôs: o ser humano será um subestimado, mas, porque nessa condição se colocou, à medida que – com o “Cérebro Podre” também dominado pela cultura digital inútil e descartável – transferiu aos robôs as tarefas (cognitivas) que pessoalmente deveria realizá-las. É preciso ainda mais um exercício reflexivo: imaginemos uma sociedade onde os autores sejam os robôs (uma espécie de “ghost writer”) de escritores famosos: qual seria o DNA humano daquela obra famosa? Nenhum, por certo. E pensemos, ainda, num sistema de justiça, onde os robôs são os verdadeiros “autores” das petições e decisões judiciais, que deveriam ser próprias da pessoa humana: seríamos dominados por um sistema de justiça de robôs. O uso das tecnologias, portanto, apresenta essas questões centrais muito sensíveis ao desenvolvimento da personalidade humana. Por certo que podem e devem ser utilizadas, como já ocorre em pesquisas científicas sérias e responsáveis, todavia, não devem e nem podem substituir a criação humana. Então, posso concluir com a mesma lição imemorial da professora Angélica Paiva em meados dos anos 1970: o hábito da leitura de qualidade é o principal fator para alimentar o cérebro, enriquecer o vocabulário, para aprender a escrever e para inovar com ideias pioneiras e propositivas. E, assim, poder-se-á evitar a “podridão cerebral” destacada na pesquisa da Universidade de Oxford. Assine O Liberal e confira mais conteúdos e colunistas. 🗞 Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱 Palavras-chave colunas océlio de morais COMPARTILHE ESSA NOTÍCIA Océlio de Morais . Desculpe pela interrupção. Detectamos que você possui um bloqueador de anúncios ativo! Oferecemos notícia e informação de graça, mas produzir conteúdo de qualidade não é. 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