A liberdade de consciência coerente no pensamento de Francisco de Assis Océlio de Morais 07.10.25 8h00 Todos os anos, no dia 4 de outubro, a Igreja Católica promove uma celebração especial em homenagem a Francisco de Assis, falecido na passagem da noite do dia 3 para o dia 4 de outubro de 1226. De lá para cá, já são 803 anos completos, cujo tempo somará 8 séculos em 1 de janeiro de 2026. Dedico esta crônica teológica-filosófica ao sentido da liberdade no pensamento de Francisco de Assis, a partir das regras franciscanas (La regola francesacana), cujos valores basilares eram a simplicidade e a humildade – valores inerentes à dimensão libertadora da mensagem de Jesus Cristo. Minha hipótese ou proposição é a seguinte: a liberdade franciscana não se resume à ideia metafísica – na perspectiva filosófica (natureza do Ser), visto que a escolha (pela vivência radical do Evangelho) exigia (e exige) uma espécie de liberdade disruptiva do modo de vida material anterior. Francisco de Assis viveu apenas 34 anos, um a mais que Jesus, e ambos, em cada época, deram uma resignificação especialíssima à liberdade: a escolha virtuosa pela verdade do espírito. Jesus enfrentou – a história registra isso com fidelidade – a ordem estabelecida dos doutores da lei, liderada por Caifás, o sumo sacerdote que também manipulou, no Sinédrio, a prisão de Jesus no Jardim Getsêmani e, depois, conspirou com o governador Pôncio Pilatos a maior farsa de julgamento da história: a condenação de Jesus à morte, também manipulando o povo para libertar um ladrão, salteador e assassino, o zelota Barrabás. Os poderes corruptos e corrompidos da época preteriram a liberdade (a verdade espiritual que liberta) e optaram por Barrabás – embora preso e condenado à morte – porque ele não representava nenhuma ameaça ao sistema político e religioso de então. Em última perspectiva, isso significa que, por si mesmo, o sistema resolveu “apagar” e “limpar” o histórico de roubos e assassinatos de Barrabás, dando-lhe a liberdade. Desse modo, o sistema sacralizou a maior farsa do “julgamento” da história da humanidade. Mais de mil anos depois – precisamente a 5 de julho 1182 – no “ducado” de Assis, Itália, nascia o personagem central deste ensaio teológico-filosófico: Giovanni di Pietro di Bernardoni, depois rebatizado como Francisco pelo pai, Pedro Bernardone Maricone, o qual fazia estava comercializando na França quando o filho nasceu. Francisco de Assis, como é mundialmente conhecido e venerado como Santo – a canonização ocorreu a 16 de julho de 1228, dois anos depois da sua morte – enfrentou a ordem estabelecida da Igreja Católica da época, tendo como constante censor o cardeal Ugolino, designado pelo Concílio Ecumênico de Latrão do ano de 1123, como o protetor da “Ordem dos irmãos menores de Assis". A Ordem havia sido fundada em 1219 com o nome de “Ordem dos Irmãos Mendigos de Assis". Dentre os objetivos do Concílio de Latrão estavam a separação das questões espirituais das temporais e o restabelecimento do princípio da autoridade eclesiástica em assuntos espirituais. Filho de uma família comerciante, Francisco de Assis – depois de desistir de lutar na guerra por um título de cavaleiro – aproveitou um pouco da vida boêmia; mas, impressionado e sensibilizado com a extrema pobreza do povo em geral, optou mudar o estilo e o sentido da sua vida. E bem mais corajoso do que o jovem rico da parábola de Jesus, deixou a família e viveu na pobreza com honradez. Eis então o primeiro sentido filosófico e prático da liberdade no pensamento e na vida de Francisco de Assis: a liberdade disruptiva em relação ao modo de vida anterior – disruptivo porque é extremamente desafiante e difícil passar a viver com coerência radical um novo modo de vida. A dimensão libertária é extraordinária. A liberdade glamourosa que estava relacionada à opulência da riqueza fica em definitivo para trás, por outras palavras, tudo fica enterrado no passado. A compreensão da liberdade disruptiva em Francisco de Assis pode ser bem entendida a partir das regras franciscanas. Na origem, são princípios e valores para nortear uma vida em comum dos leigos que optaram livremente pela vivência radical do Evangelho, naquele sentido da verdade que liberta preconizado por Jesus. As primeiras regras franciscanas, que sinalizavam a vivência evangélica, propunham a liberdade como realidade efetiva ou coerência prática: não seria possível viver com honradez e com a verdade libertadora de Jesus se materialmente o espírito estivesse preso às opulências materiais, porque poderiam tornar as pessoas escravas. Os votos (religiosos) da pobreza, da obediência e da castidade formam o tripé dos princípios morais franciscanos – princípios que desafiam o sentido vocacional da liberdade de escolha (pela verdade que liberta) em oposição à liberdade material (que pode levar à escravidão), naquele sentido que Jesus disse: “Pois, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? (Marcos, 8:36). Os três princípios (religiosos) convergem ao princípio libertador maior. A regra-princípio relativa à pobreza está relacionada à libertação das amarras materiais que impedem a vida coerente baseada na caridade e na fraternidade; portanto, sem comunhão com Deus. A obediência, não apenas em relação às regras-princípios franciscanas, em sentido filosófico deduz a disciplina necessária para que a pessoa possa ser coerente com a escolha virtuosa que faz para a sua vida. A regra franciscana, quanto à liberdade de pensamento, permitia o questionamento de “preceitos e ordens percebidos como contrários à consciência”. A liberdade de pensamento franciscana permitia apontar e corrigir com fraternidade e caridade os problemas humanos. A fraternidade e caridade eram princípios nobres inerentes à verdade que liberta, por isso, a liberdade fraterna e caridosa sempre deveriam apontar para a coerência de consciência. Em suma, a consciência livre era baseada na honradez. A castidade – voto (moral e religioso) que impõe total abstinência de relacionamentos amorosos – no contexto histórico de Francisco de Assis também provocou reação em face dos costumes da Igreja Católica de seu tempo, à medida que tinha bispos, cardeais e papas (na maioria oriundos da nobreza feudal) com esposas e filhos. Recorde-se que, na época de Francisco de Assis, a “espiritualidade europeia” estava predominantemente centrada na Igreja Católica. Isso decorria do fato de que os imperadores romanos, por específicas alianças políticas ou econômicas, também influenciavam nas eleições dos papas – ingerência que incomodava alguns setores da Igreja, por isso, tal questão foi incluída como objetivos do Concílio de Latrão: abolir definitivamente essa influência ou ingerência. No pensamento de Francisco de Assis – assim inspirado na total abstinência material de Jesus, conforme relatam os Evangelhos aceitos – era incompatível conciliar uma vivência libertadora baseada no Evangelho com o modo de vida dos altos dirigentes da Igreja Católica daquele período medieval. A regra franciscana primitiva não foi “bulada”, isto é, não foi ratificada por bula (decreto) papal, porque foi considerada muito radical. Francisco de Assis, “em revisão”, à primeira regra, manteve a sua essência, destacando que era preciso preservar a pureza do conteúdo dos Evangelhos. A liberdade de Francisco falou mais alto e a revisão de novo não foi bolada. Francisco de Assis não queria apenas uma Igreja pregando o evangelho, mas, pessoalmente, dava o exemplo de vida baseada na liberdade de consciência, cheia de valor moral e religioso. Para ele, nada poderia macular a nobreza da coerência. Ele chamava a atenção para evitar as coisas que pudessem gerar escândalos. Neste sentido, uma das regras, advertia que “Todos os frades, em qualquer lugar em que estiverem (...) não recebam algum emprego que cause escândalo ou produza detrimento para sua alma”. Nos tempos atuais, isso poderia ser interpretado que Francisco de Assis queria evitar atos corruptos e corruptores na sociedade. A liberdade no pensamento e a coerência de consciência em Francisco de Assis – isto está bem claro nas denominadas “regras primitivas” – não poderiam contrariar a pureza do Evangelho de Jesus, defendido como a verdade completa que liberta. Conclui-se essa crônica com hipótese confirmada: a liberdade de consciência coerente no pensamento de Francisco de Assis foi tudo na sua vida convertida, tendo sido, ele, homem-profeta que adotou a liberdade teológica (a verdade que liberta de Jesus). __________ ATENÇÃO: Em observância à Lei nº 9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor: MORAIS, O.J.C.; Instagram: oceliojcmoraisescritor Assine O Liberal e confira mais conteúdos e colunistas. 🗞 Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱 Palavras-chave colunas océlio de morais COMPARTILHE ESSA NOTÍCIA Océlio de Morais . Desculpe pela interrupção. Detectamos que você possui um bloqueador de anúncios ativo! Oferecemos notícia e informação de graça, mas produzir conteúdo de qualidade não é. Os anúncios são uma forma de garantir a receita do portal e o pagamento dos profissionais envolvidos. 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