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O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

A lei escrita, a lei ética e a lei de Gerson

Océlio de Jesús C. Morais
(Memórias de quase um quarto de século  na magistratura narradas em  crônicas)
 
A balança sempre está no meu imaginário, desde criança. 
 
E sempre esteve associada à ideia de respeito às coisas alheias  e de coisa certa. É que minha mãe querida Josefina Carneiro - primeiro uma campesina, depois parteira e depois costureira - quando me ensinou a rezar o Pai-Nosso, orientava  que eu deveria respeitar os mais velhos e ser obediente porque, no “juízo final”, Deus ia colocar numa balança os meus bons e maus atos.
 
 Nem imagina, entre os 9 e 10 anos - quando fui alfabetizado - que a balança estivesse associada à ideia de Justiça por causa da deusa Têmis, a deusa-guardiã dos juramentos dos homens e das leis, na mitologia grega, e nem sabia que a balança era uma invenção egípcia de mais de cinco mil anos para escoar o ouro.
 
O certo é que cresci com a ideia de que a balança representa o certo e o equilíbrio. 
 
Então, depois de estudar teologia e um pouco de filosofia, com vistas ao sacerdócio,  e já no início da década de 1990, jornalista com diploma pela Universidade Federal do Pará, eu passei a alimentar o sonho de ser juiz.  
 
Concluí meu curso de Direito em 1991, na Universidade da Amazônia. Aliás, fiz o curso pensando em ser magistrado. Achava nobre a missão de pacificar conflitos, porque também pensava que a ética  era comum a todos e em todas as relações processuais.  
 
Aquelas regras escritas, mas de cunho ético no artigo 17 do revogado Código de Processo Civil - “reputa-se litigante de má-fé aquele que alterar a verdade dos fatos e  usar do processo para conseguir objetivo ilegal”, somente em novembro de 2017 essas normas foram incorporadas como regras próprias do processo do trabalho na Consolidação das Leis do Trabalho -  queriam dizer o seguinte: seja honesto nas relações preocusiais, não tente levar vantagem indevida, senão o juiz está de olho e a lei vai lhe punir.
 
Objetivo alcançado quanto à aprovação no concurso, um outro tem me acompanhado nesse meus quase 25 anos de magistratura: sempre dar um significado especial às minhas decisões, através de uma dedicada vocacionalidade - essa é uma autovigilância que alimento  -    para encontrar o sentido mais próximo possível do certo e do justo em cada julgamento. 
 
E nesse objetivo incessante, aprendi que existem pelo menos três leis que o juiz deve estar sempre atento:  a lei escrita, a lei ética e  a “Lei de Gerson.”  E que essas leis andam lado a lado  e, às vezes, entram em confronto nos processos. 
 
A lei ética (que é a lei da palavra honrada) - vamos entendê-la aqui como princípios que fundamentam a moralidade social e a vida - nem sempre está presente nos processos.  Isso acontece quando são tipificadas as contas de má-fé e deslealdade processuais, casos em que o conteúdo ético do processo vai para o espaço.  
 
E, por consequência, são nesses casos - quando  impõe condenações por litigância de má-fé - que o magistrado atrai  as provações da profissão e ataques pessoais da parte ou do causídico que foi condenado com essa dura, mas necessária penalidade. 
 
São nesses casos que aprendi que  o juiz tem a árdua, a difícil e delicada missão de separar o “joio do trigo”, para usar a parábola de Jesus Nazareno sobre “O  semeador”, na espécie humana falível dos julgamentos judiciais. 
 
Na percepção jurídica, separar o "joio do trigo” exige do magistrado,  em processos judiciais, a  “paciência de Jó”  - parodiando o personagem bíblico do Antigo Testamento que passou por provações e sofrimentos, mas se manteve fiel na sua fé em Deus - para bem identificar o bom uso da lei escrita, da lei ética ou  perceber os artifícios da lei de Gerson.  
 
A paciência de Jó, admitida as adaptações literárias, pode ser aqui adotada como sinônimo de prudência, por isso mesmo apresentando-se como   um  permanente desafio da arte de julgar, que é a essência vocacional do magistrado.  
 
Mas por que identificar o bom uso da lei escrita, da lei ética ou  perceber os artifícios da lei de Gerson? Porque em certas  narrativas processuais, condicionadas pelas conveniências da causa,  nem sempre observam a lei ética que veda “alterar a verdade dos fatos;” e que oroibe “usar do processo para conseguir objetivo ilegal”.
 
Nessas andanças na década de 1990 e na primeira década do século XXI,  além da diversidade cultural e dos bons costumes que se aprende, a gente também se defronta com muitas coisas curiosas.
 
Em termos de bons costumes, uma coisa que mais admirava era a honra da palavra dada, que funcionava como força de uma escritura pública registrada em cartório oficial de notas, coisa que na capital, vez por outra, até mesmos contratos escritos não possuem tanta força e nem sempre são respeitados.
 
Parece que a “lei de Gerson”  se faz mais presente nos quatro cantos da grande cidade do que nos quatro cantos das cidades interioranas. É que o costume e a tradição do interior, onde todos conhecem todos, atuam como uma espécie de lei moral do lugar. 
 
A lei moral, vamos recorrer Kant, é compreendida e definida  como manda agir conforme a vontade geral quer que se torne uma lei (costumeira) válida para todos. 
 
Sentia-se se isso, pelo menos na época das minhas designações jurisdicionais como juiz substituto, fato natural que era levado às relações dentro dos processos, com tipo de lei ética funcionando antes mesmo da lei escrita ser aplicada para resolver os conflitos trabalhistas.  
 
Por certo que a lei ética  também existe na grande cidade e, por lógica, no âmbito dos processos. Mas, aqui, há um confronto mais visível desta com a “Lei de Gérson" - o choque exige uma aplicação mais atenta da lei escrita.
 
 Claro que  Gerson, o tricampeão, não tem culpa nisso, pois, no auge da fama, no final da década de 1970, apenas fez aquele célebre comercial da marca de um cigarro: “Gosto de levar vantagem em tudo, certo? Leve vantagem você também, leve Vila Rica!". Cunhada como a “lei de Gerson” pelo jornalista Maurício Dias, a partir dali entrou para o costume qualificatório daqueles que querem levar vantagem em tudo, sem se importar com as questões ético-morais. 
 
Em regra, a lei escrita não contraria a lei moral, pois desta aquela adota valores para estabelecer as condutas sociais e processuais, como é o caso da conduta ética que deve nortear as relações das partes, advogados e juízes na relação processual. 
 
Tenho aprendido que a forma mais segura de julgar é aplicar a lei, entendendo seus valores e princípios aos fins sociais a que foi aprovada. Ignorar a lei ou desvirtuar a sua ontologia sempre gerará insegurança jurídica.  
 
 Montesquieu, lá no século XVIII, precisamente em 1748,  disse,  na célebre obra “O Espírito das Leis”,  que o juiz era a boca da lei, porque o papel do Judiciário resumia-se em aplicar a lei.
 
De minha parte, sempre disse  que o magistrado é, ao mesmo tempo, a boca e os olhos da lei, porque observa as burlas às leis e reprime tais condutas. 
Na atualidade, digo ainda que muitos magistrados - a maioria, com certeza  -  ainda são os olhos e a boca da lei. Mas sempre fica a pergunta que incomoda nesses  tempos de ativismo judicial: criam também, os juízes,  suas próprias “leis” para  fundamentar suas decisões? Pensem e tirem suas conclusões.
Meu quarto de século de magistratura já me deu muitas certezas. Uma delas: as leis ético-morais andam juntas, assim, de mãos dadas, com as leis escritas.  São parceiras das leis escritas na solução dos conflitos sociais e trabalhistas, em específico. 
 
São elas que dão a soberania do juiz na arte de julgar. Contudo, a soberania na arte de julgar não significa, de outro lado, que a decisão  monocrática é absoluta e irreformável.
 
O que a torna relevante é a harmonização entre as leis éticas e as leis escritas  contra a “Lei de Gérson", pois se se o juiz criar suas próprias “leis”, esquecendo o significado da balança e  deixando de ser os olhos e a boca da lei,  a sua  missão de julgar pode perder a força e o significado. 
 
 
ATENÇÃO: Em  observância à Lei  9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma (Océlio de Jesus Carneiro Morais (CARNEIRO M, Océlio de Jesus) e respectiva fonte de publicação. 
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