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JULIANA DINIZ

julianacdcampos@gmail.com

Análises e opinião sobre política, filosofia e atualidades pelo olhar da doutora em Direito e professora da Universidade Federal do Ceará, Juliana Diniz.

O cala boca já morreu

Juliana Diniz

Na semana em que a pandemia mostrou sua dimensão mais severa, em que a média de mortes e novas infecções ultrapassaram todos os recordes, em que um irresponsável Ministro da Saúde foi dispensado, tivemos que nos preocupar com outra ameaça: a polícia. Por todo o Brasil, críticos do presidente Jair Bolsonaro passaram por constrangimentos ilegais. Foram prisões em flagrante ou intimações para depor no contexto de inquéritos muito questionáveis em sua legalidade. O crime? Supostamente caluniar ou difamar o presidente da república através do exercício da crítica.

Posso elencar alguns casos, os mais noticiados. O youtuber Felipe Neto foi intimado a depor após abertura de inquérito por violação à Lei de Segurança Nacional (LSN), um procedimento absolutamente irregular cuja provocação partiu de notícia-crime assinada por Carlos Bolsonaro. Em Uberlândia, mais de 25 pessoas receberam intimações da polícia, investigadas pelas mesmas práticas. Quatro ativistas foram presos em Brasília e encaminhados à Polícia Federal por estender uma faixa no gramado da Praça dos Três Poderes. O advogado Marcelo Feller foi investigado em inquérito pela publicação em redes sociais de avaliações sobre a condução temerária da pandemia. Os alvos são muitos, o que indica uma ação sistemática de perseguição política para intimidação. Delegacias de polícia sendo transformadas em uma reedição caricata dos centros de repressão da ditadura militar.

O jurista e professor Conrado Hübner escreveu um ótimo texto onde sintetiza o poder desse tipo de estratégia de intimidação difusa, mas orquestrada: “o medo pode ser fabricado desde fora, por ação deliberada do Estado e da sociedade”. Trata-se, afinal, de subverter as instituições e os procedimentos do Direito para minar a confiança de quem se dedica a exercer o direito de criticar, de denunciar, de demonstrar pela palavra o absurdo que é viver sob os desmandos de um presidente genocida. Pessoas como eu e você, que escrevemos e falamos por inconformação e desejo de mudança da realidade.

A Defensoria Pública da União (DPU) e um grupo de advogados agiram para tentar impedir a perseguição, através da impetração de habeas corpus coletivo em favor de todos aqueles que, exercendo legitimamente o direito à liberdade de expressão, indevidamente foram ou venham a ser alvo de constrangimentos ilegais pela ação da polícia ou do Judiciário. Segundo a peça da DPU, é “importante registrar que a proliferação destes inquéritos vai impactar diretamente no livre debate de ideias que integra o núcleo da democracia, porque a intimidação autoritária, pelo uso do medo e da criminalização da manifestação do pensamento, tende a eliminar exclusivamente as críticas a um dos atores políticos, desestabilizando assim o processo democrático”.

O que nós podemos fazer é continuar resistindo. Dizendo, sem medo: é genocida! Mais do que isso, articular iniciativas como a de Felipe Neto em parceria com quatro escritórios de advocacia: uma frente organizada da sociedade civil para agir, de forma igualmente sistemática e mais inteligente, contra o arbítrio, a polícia política e o desgoverno Bolsonaro. O cala boca já morreu.  E não abrimos mão disso.

Juliana Diniz é doutora em Direito, professora da Universidade Federal do Ceará.

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Juliana Diniz
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