JULIANA DINIZ

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Análises e opinião sobre política, filosofia e atualidades pelo olhar da doutora em Direito e professora da Universidade Federal do Ceará, Juliana Diniz.

Mais polarização, por favor

Juliana Diniz

Tão logo foi publicada a notícia da decisão do ministro Edson Fachin, do STF, por anular todas as condenações do ex-presidente Lula, especulações se amontoaram. Analistas buscaram entender o que o teria levado a tomar uma decisão tão imprevisível, as motivações ocultas, os potenciais riscos políticos. Uma conclusão, contudo, atormentou parte da mídia especializada: o retorno triunfante de Lula representaria, inevitavelmente, o retorno da “polarização”. Bolsonarismo versus petismo, uma reedição de 2018, o maniqueísmo prejudicial à recuperação da democracia.

A palavra polarização é um dos vocábulos da semântica política que, de tão usados, já não dizem mais nada. Seria sinônimo de uma oposição tão profunda, tão insuperável, que inviabilizaria o diálogo e determinaria uma experiência de política como manifestação de guerra. Polarização é abismo, quando a democracia pede a habilidade de construir consensos, alianças, pontes. Um bolsonarista raiz é incapaz de conversar serenamente com um petista raiz, e vice-versa. Uma convivência impossível, portanto.

Trata-se de uma percepção que me parece bastante ingênua sobre o que seja a política democrática e o que ela pressupõe de conflito. Ouso dizer que o retorno de Lula é o que de melhor nos aconteceu nos últimos dois anos – e essa não é uma conclusão petista, é a conclusão de qualquer observador atento da dinâmica brasileira. O que tem faltado ao Brasil não é o personagem Lula, é uma liderança política capaz de catalisar forças contrárias à agenda e ao discurso personificado no atual presidente.

Um governo sem oposição é um governo confortável, sem motivação para solucionar os problemas que surgem. Os atores políticos da esquerda brasileira, por mais que tenham se esforçado, ainda não foram capazes de reorganizar uma oposição consistente, que possa reagir à guinada que foi a chegada de Bolsonaro ao poder. Houve tentativas de articulação na centro direita, mas a derrota de Rodrigo Maia e a traição de ACM Neto inviabilizaram o trabalho de costura de uma aliança forte o bastante para pressionar a base do governo e o Executivo. Bolsonaro, mesmo acuado pela pandemia, por sucessivas crises, nunca experimentou um risco palpável.

Então o inesperado aconteceu. Fachin, num movimento desastrado, anula, com uma canetada, todas as condenações de Lula. A motivação mais evidente parece ter sido o desejo de salvaguardar os processos da Lava Jato ao tornar sem objeto as alegações de suspeição de Sergio Moro. Um movimento equivocado porque Lula é grande demais para ser inocentado sem consequências políticas. Fachin deu ao ex-presidente uma grande oportunidade, que ele aproveitou muito bem.

O discurso de Lula na última quarta-feira foi, sob todos os aspectos, épico. Teve o fervor, a dramaticidade, a eloquência e a revolta num equilíbrio retórico difícil de superar. Uma fala de arrepiar o mais desanimado dos espectadores. E isso é bom! Porque a democracia vive da tensão, da disputa organizada pelo poder. Tão logo Lula voltou ao jogo, Bolsonaro se movimentou para fazer o que, até agora, não lhe pareceu prioritário: comprar as benditas vacinas que nos permitirão respirar sem ter medo de morrer.

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Juliana Diniz
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