JULIANA DINIZ

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Análises e opinião sobre política, filosofia e atualidades pelo olhar da doutora em Direito e professora da Universidade Federal do Ceará, Juliana Diniz.

Eduardo Girão, o paladino da cloroquina

Juliana Diniz

Um dos mais adoráveis personagens criados pelo escritor italiano Italo Calvino se chama Agilulfo, um cavaleiro de armadura impecavelmente branca, paladino do exército da França. Na cena que abre o romance em que está o paladino, Carlos Magno passa em revista o seu batalhão. Indagado pelo rei a levantar a celada da armadura e deixar-se ver, o personagem não move um dedo. Carlos Magno se exaspera com a inércia de Agilulfo e insiste: como é que não mostra o rosto para o seu rei? Quando nosso herói responde: porque não existo, sire!

É a partir dessa resposta desconcertante que Italo Calvino vai desenvolver a trama de aventuras de seu cavaleiro inexistente. Apesar de ser apenas uma armadura vazia, Agilulfo é um perfeito exemplo de gentil homem do medievo. Honrado, comprometido, valente, disposto a morrer por seu rei e a bater-se em lâminas para a proteção da honra de uma mulher em apuros. O leitor pode se perguntar de onde, afinal, o pobre Agilulfo arranca a força de sua vocação cavalheiresca. “Como é que está servindo, se não existe?”, é o que lhe pergunta Carlos Magno. Agilulfo, em sua sinceridade, revela que serve “com força de vontade e fé em nossa santa causa!”. O que seria o poder dos homens diante da força da convicção?

O leitor não estranhe minha digressão literária. Há um sentido na divagação. Trago nosso herói de outras épocas porque tenho dificuldade de entender a obsessão irracional do senador cearense Eduardo Girão pela cloroquina. Tenho assistido a Girão na CPI da Pandemia como um paladino, uma espécie de Agilulfo às avessas.

O senador tem a disposição sempre renovada de defender o governo contra o assalto da impiedosa oposição que encurrala diante das câmeras os ex-ministros de seu presidente. Seja na televisão ou na saleta do Parlamento, não cansa de repetir, tentando desviar o foco dos vilões, as mãos nervosas agitando papeis: e os governadores?! E os governadores?! Assim tenta reduzir o peso das próprias faltas alardeando a debilidade moral de quem o acusa.

A defesa irrestrita da cloroquina é, contudo, um caso à parte. Há quem afirme que é por lealdade à narrativa do presidente. Em tempos de investigações sedentas, é preciso, afinal, apegar-se a algo para explicar por que não se cuidou de comprar vacinas ou estimular o isolamento. Fez sentido por um certo tempo, mas nem mesmo o Ministro da Saúde em exercício insiste mais no erro: o governo, através da CONITEC, findou por negar o uso da cloroquina para Covid-19.

A esta altura, em que os estudos e a realidade já cansaram de negar a ineficácia do medicamento no tratamento da Covid-19, qualquer político inteligente e com instinto de sobrevivência política teria entendido que é um mau negócio insistir na apologia ao remédio. Girão, contudo, insiste.

Isso acontece porque o senador é um perfeito exemplar do bolsonarista religioso. A convicção com que defende suas causas não é só cálculo político, é a própria encarnação do fanatismo. Estamos testemunhando a idolatria daquele que vai à guerra com orgulho da armadura, disposto a matar e a morrer pelo projeto do pior dos homens, agarrado somente à “força de vontade e à fé na santa causa”.

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Juliana Diniz
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