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Descriminalização da maconha: STF e Senado disputam decisão sobre tema

Julgamento trata do porte de drogas para consumo próprio

O Liberal
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O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, na última quarta-feira (2), o julgamento da ação que discute se o porte de drogas para consumo próprio é crime. Até o momento, quatro ministros – Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes – votaram a favor de algum tipo de descriminalização da posse de drogas. Único a votar na​quele dia (2), Moraes propôs a fixação de um critério nacional, exclusivamente em relação à maconha, para diferenciar usuários de traficantes. O julgamento foi suspenso por sugestão de Gilmar, o único a estender a medida a todas as drogas, para que os magistrados pudessem buscar uma posição alinhada. Mas já é possível dizer que, em razão do perfil dos ministros, o desfecho tende a ser em favor da flexibilização da posse de Cannabis para uso recreativo, o que seria a maior mudança da Lei Antidrogas desde que ela entrou em vigor, em 2006.

Enquanto a votação não prossegue, outra polêmica veio à tona: o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se manifestou sobre o assunto e disse que é um “equívoco grave” a possibilidade de descriminalização do porte de drogas para uso pessoal por decisão do STF. Pacheco defende que cabe exclusivamente ao Congresso discutir a questão e, segundo ele, uma decisão do STF não pode ser contrária à lei vigente.

Pacheco classificou a descriminalização, sem discussão no Congresso e sem criação de programas de saúde pública, como “invasão de competência do Poder Legislativo”. “Ao se permitir ou ao legalizar o porte de drogas para uso pessoal, de quem se irá comprar a droga? De um traficante de drogas, que pratica um crime gravíssimo equiparado a hediondo”, disse. Pacheco cobrou dos ministros do STF a compreensão do papel da arena política e afirmou que o Congresso está “trabalhando duramente” pelo bem do país.

Competência para julgamento é do Executivo, explica criminalista

Procurado pela reportagem do Grupo Liberal, para comentar sobre quem tem competência para julgar a descriminalização ou não das drogas, especialmente da maconha, o advogado criminalista Filipe Silveira explicou que é preciso primeiramente compreender que, no Brasil, a Lei de Drogas não define quais são as drogas ilícitas. “Por uma questão de maleabilidade e velocidade, o Brasil adota um sistema de que as drogas ilícitas são definidas pelo Ministério da Saúde, especialmente, pela portaria 344/1998. Então, a definição sobre quais substâncias são consideradas ou não ilícitas não é de competência do Poder Judiciário ou do Poder Legislativo, mas sim do Poder Executivo, conforme consta no Art. 1º, parágrafo único, da Lei de Drogas”, explicou.

Ainda de acordo com Silveira, “o segundo ponto essencial é compreender que a descriminalização não significa ausência de regulamentação ou controle. É possível, por exemplo, não considerar criminosa a conduta de vender determinada substância, mas, simultaneamente, considerar um ilícito administrativo, passível de multa e outras sanções”.

“O terceiro ponto essencial é compreender que o Direito Penal não é o único meio de controle e nem sempre será o meio mais adequado para regulamentar determinada atividade. Muitas vezes, ações afirmativas e políticas públicas são muito mais eficazes para uma mudança de comportamento social do que a ameaça da prisão”, argumentou.

Silveira exemplificou que, “na década de 80/90, houve uma preocupação crescente com determinados tipos de crimes que levou à criação da Lei de Crimes Hediondos. Essa lei não conseguiu diminuir a incidência das práticas criminosas. Posteriormente, alguns crimes como a extorsão mediante sequestro tiveram suas incidências reduzidas de forma significativa, em razão do avanço da tecnologia que permitiu, por exemplo, a possibilidade de geolocalização por meio de equipamentos de fácil acesso a todos, dificultando a atuação de criminosos”.

“No caso de drogas, uma vez fixadas essas balizas superficiais, deve-se compreender que a expressão ‘descriminalização das drogas ou descriminalização da maconha’ não corresponde ao debate que está ocorrendo no Supremo Tribunal Federal. Nesse contexto, deve-se ter em mente que desde a edição da nova Lei de Drogas discute-se sobre a constitucionalidade ou não do artigo 28, que criou uma figura criminal suis generis, isto é, passou a considerar como criminosa não só a conduta de vender ou produzir a droga, mas também a de consumir”, relembrou.

Para Silveira, o que se discute, portanto, é se a conduta de consumir deve ser ou não considerada crime. “Isso é particularmente importante, pois no imaginário popular quando se fala em descriminalização, logo se pensa em uma forma de anarquia e em espaços sem regulamentação, o que não corresponde à verdade. A bem da verdade, mesmo que o STF considere constitucional o artigo 28, mantendo o consumo como crime, não se pode esquecer que esse delito não prevê pena de prisão para aquele que consome, mas sim penas alternativas como advertência, medidas educativas”, frisou.

Novo desafio

Filipe Silveira adiantou também que, “compreendido o objeto da discussão, surgirá um novo desafio que será definir o que é e o que não é consumo pessoal”. “Isso será um critério apenas quantidade de droga? Uma pessoa que produz em casa, por exemplo, a Cannabis poderá ser considerado usuária? O consumo pessoal se estenderá a todas as drogas?”, questionou.

“Além disso, surge um outro problema para o direito. Se não existe lei que trate sobre a definição do que seja consumo pessoal, poderá o judiciário fazê-lo? Isso não seria uma forma de violação do princípio da separação de poderes? Existe, portanto, uma gama importantíssima que gira em torno desse assunto e pouco se dá atenção. Por que o consumo da droga A poderia ser ‘descriminalizado’ e o consumo da droga B não poderia? Cabe ao judiciário fazer essa escolha? Ou a escolha seria dos representantes do povo?", completou.

Experiência

Conforme levantamento realizado pelo G1, nos últimos anos, diversos países alteraram as leis sobre maconha, e algumas dessas nações descriminalizaram não só a posse e o consumo, mas também a produção, a distribuição e a comercialização da droga.

Cada país tem seu próprio modelo regulatório em relação às drogas, e isso pode envolver a Justiça ou o Legislativo na tomada de decisões, afirmou ao G1 Cristiano Maronna, diretor do Justa, uma organização que analisa dados do financiamento e da gestão do Sistema de Justiça.

Como aconteceram as mudanças

Grosso modo, as mudanças nas regras podem acontecer das seguintes formas: leis aprovadas pelo Legislativo do país, como no Uruguai; decisões da Justiça, como na Argentina; por decisões do Executivo ou do Legislativo para simplesmente parar de gastar recursos com a repressão ao consumo de maconha, como na Holanda; referendos sobre a maconha em que a população decidiu legalizar a droga, como em estados dos EUA.

Como são as regras em alguns dos países que descriminalizaram

- Portugal

Em Portugal, a posse de drogas não é crime, mas, sim, um ato ilícito (o tráfico de drogas ainda é considerado um crime). O país tem um critério para distinguir: a posse de até 25 gramas de cannabis é considerada posse para consumo, assim como o cultivo de até seis plantas fêmeas.

- Argentina

Na Argentina houve uma decisão da Justiça que determinou que a posse de drogas para o uso pessoal não é um crime, mas não há uma regra que define como distinguir os produtores, os distribuidores e os comerciantes dos consumidores.

- Uruguai

No Uruguai toda a cadeia da maconha é legalizada: produção, distribuição, comercialização e posse de maconha para uso pessoal são permitidas e reguladas.
Não é uma liberação geral, no entanto. No Uruguai, por exemplo, é preciso ter licença para cada uma dessas atividades. O consumidor precisa ser cadastrado e pode comprar maconha em farmácias ou pertencer a uma espécie de clube de consumidores ou plantar (há limites para quantas plantas as pessoas podem ter).

- Espanha

Na Espanha também existem esses clubes. Os membros dessas organizações pagam uma taxa mensal para consumir Cannabis. Os clubes existem formalmente, são registrados como pessoas jurídicas, inscritas como associações. Cada província espanhola estabelece algumas regras para esses clubes.

- Holanda

Na Holanda, em teoria, o uso e o tráfico de maconha ainda são crimes, mas na prática isso não é penalizado.

- Estados Unidos

Nos EUA, as regras variam de acordo com o estado.

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