Vítima de escalpelamento devolve autoestima a outras mulheres com perucas feitas à mão

Saiba como doar cabelo para a Orvam e contribuir com a iniciativa

Eva Pires | Especial para O Liberal

Entre 2022 e 2024, o Pará registrou 18 casos de escalpelamento — acidente grave e recorrente em comunidades ribeirinhas, provocado por motores expostos de embarcações conhecidas como “pô-pô-pô”. A maioria das vítimas são mulheres de cabelos longos, especialmente na região do Marajó. Uma delas é Regina Formigosa, de 52 anos, que há três décadas teve o couro cabeludo arrancado em um desses acidentes. A vida dela mudou ao conhecer a Orvam (Organização dos Ribeirinhos Vítimas de Acidente de Motor), em Belém, onde recebeu a primeira peruca de cabelo humano e aprendeu a confeccionar essas próteses capilares. Hoje, ela dedica seu tempo a devolver autoestima e dignidade a outras mulheres que passaram pelo mesmo trauma.

Regina tinha apenas 22 anos quando sofreu o acidente em um passeio de barco. "Um belo dia, saí para passear de barco. Morava no interior com meus pais, e eu nunca tinha ouvido falar de escalpelamento. No momento do acidente, eu estava sentada atrás de um motor pequeno, e, devido ao movimento do barco, meu cabelo ficou preso e foi puxado. Eu só senti quando puxou, e o impacto foi brutal. Arrancou tudo, incluindo a sobrancelha e a orelha, mas consegui colocar de volta a orelha", lembra.

A história de Regina tomou outro rumo quando ela foi acolhida pela Orvam. Após 16 anos do acidente, ela recebeu a primeira peruca de cabelo humano da ONG, o que ela chama de "a peruca dos sonhos". Mais que isso, ela teve a oportunidade de aprender a confeccionar as perucas, algo que transformou a perspectiva de vida dela. "Eu fiquei muito feliz quando coloquei. De repente, a peruca era um novo começo para mim. Quando a coloquei na cabeça, pensei: 'Eu vou fazer porque eu recebi, mas há muitas outras mulheres que ainda vão precisar'. Essa foi minha motivação", conta.

Para ela, usar uma prótese capilar significa não apenas esconder as marcas do acidente, mas também se reerguer emocionalmente e recuperar a autoestima. No entanto, o preconceito, que ainda afeta muitas mulheres vítimas de escalpelamento, é um obstáculo que exige superação constante. "O cabelo não é o principal, mas quando se tem, conseguimos superar o preconceito e falas como: 'Ah, aquela moça usa uma peruca'. Às vezes ainda mexe comigo, mas depois que consegui superar isso aí, ficou muito mais fácil. Uma vai buscando a outra", diz Regina, que acredita que o apoio entre as mulheres fortalece e ajuda a seguir em frente.

Entre as várias mulheres que receberam perucas confecciadas por Regian, ela destaca um depoimento de uma mulher que, antes do acessório, vivia com baixo autoestima e não tinha coragem de postar fotos nas redes sociais. "Eu falei, 'Vou fazer uma peruca e você vai usar'. Ela passou a usar direto e sempre me dizia: 'Sou muito grata a você, porque agora consigo tirar e postar fotos que não conseguia antes'. Isso é muito gratificante", diz.

A mensagem deixada por Regina para outras mulheres é clara e cheia de esperança: que nenhuma desista de se sentir bem. Para ela, mesmo quem ainda não conseguiu a própria peruca deve buscar apoio, procurar alguém próximo e se encorajar. Usar uma peruca, afirma, é algo transformador — melhora a autoestima, o astral e a confiança. Na visão dela, cada peruca entregue representa um passo importante na recuperação e reintegração de mulheres à sociedade.

Peruqueira explica sobre processo de confeccção do acessório

image Regina Formigosa, 52 anos (Foto: Cristino Martins | O Liberal)

A confecção envolve um processo detalhado, onde o cabelo é selecionado e preparado para a montagem da prótese, que é adaptada ao gosto e estilo de cada mulher. Regina também destaca a importância da manutenção das perucas, já que o desgaste natural do uso e a necessidade de cuidados contínuos são inevitáveis.

"A troca das perucas deve ser feita de 2 em 2 anos, porque, com o tempo, o material se desgasta. Quando usamos produtos químicos no cabelo ou não fazemos a manutenção adequada, a peruca perde a durabilidade mais rápido", explica.

Ela também ressalta a dificuldade crescente de obter doações de cabelo, já que muitas pessoas estão vendendo os fios em vez de doar. 

ONG em Belém arrecada doação de cabelo e confecciona perucas

Fundada em 2011, a ONG Orvam já confeccionou e doou mais de 400 perucas para vítimas de escalpelamento. A iniciativa nasceu do pedido de duas mulheres que sofreram o trauma e buscavam ajuda para conseguir perucas. A partir disso, o espaço passou a oferecer cursos de confecção, permitindo que as próprias vítimas aprendam a costurar os cabelos doados como iniciativa voluntária. A doação de perucas já beneficiou mulheres de todos os lugares do Pará e até de cidades de outros estados, como Manaus, no Amazonas.

A instituição tem como missão resgatar a autoestima das mulheres atingidas, combater o preconceito e apoiar a reinserção delas no mercado de trabalho. A ONG funciona em uma casa construída com apoio de um programa de televisão e cedida pela Prefeitura de Belém. O trabalho da instituição é fortalecido por parcerias, como a que mantém com o Espaço Acolher, da Fundação Santa Casa de Misericórdia.

Darci Lima, presidente da Orvam, explica que a ONG confecciona cerca de 20 perucas por mês e enfrenta desafios constantes com a falta de recursos e de cabelos. “Os desafios são captar recursos para manter o espaço e a doação de cabelos para confecção das perucas", compartilha.

Para receber uma peruca gratuitamente, é necessário que a vítima esteja cadastrada na instituição, onde pode escolher entre modelos prontos ou solicitar a confecção com os fios doados.

Como doar?

As doações podem ser feitas pessoalmente ou pelos Correios. Os cabelos devem ter, no mínimo, 30 centímetros e podem ser tingidos ou com química, desde que embalados corretamente em saco plástico.

A Orvam também aceita doações de toucas, linhas, material de limpeza, cestas básicas, roupas e produtos de higiene como xampu e condicionador.

Mais informações estão disponíveis no site da instituição.

Serviço

Orvam (Organização dos Ribeirinhos Vítimas de Acidente de Motor)
Funcionamento: segundas-feiras, quartas-feiras e sextas-feiras, de 8h às 17h
Endereço: Av. João Paulo II, lote 134, bairro Castanheira
 

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