CONTINUE EM OLIBERAL.COM
X

'Conviver com isso todos os dias me transformou', diz socorrista vacinado

Oberdan Barbosa está há mais de 10 meses na linha de frente do combate ao vírus

Eduardo Laviano
fonte

Uma das mais de 173 mil doses da vacina Coronavac que chegaram ao Pará já foi aplicada no braço de Oberdan Barbosa, o socorrista e condutor de ambulâncias que não parou de trabalhar desde que a pandemia começou.

"Nós sempre fizemos de tudo e vimos de tudo, pois todo tipo de acidente pode ocorrer, não é? Chegamos, atendemos as pessoas nas ruas às vezes ou então levamos o mais rápido possível na maca direto para a ambulância. Mas a pandemia mudou completamente nosso ritmo de trabalho", conta ele, que atua Belém e Castanhal e está na profissão há nove anos. 

Oberdan admite que em meados de março ainda não estava preocupado com a doença e seguiu trabalhando normalmente.

Justo quando o noticiário começou a ficar mais pesado, ele foi transferido de Marabá para Belém, para engrossar a força de trabalho de milhares de profissionais da saúde da capital paraense.

"Eu confesso que a ficha só caiu quando eu vivenciei as situações, olhei elas, senti elas. Enquanto eu estava vendo só na televisão, naquela primeira quinzena de março [de 2020], eu ficava tranquilo. Quando fui transferido em março para a atuar nas urgências do Dom Zico [hospital referência para covid-19], em Belém, o vírus já estava no Brasil", diz o profissional, de 48 anos.

Pega maca, sobe a maca, deixa a maca no hospital. Volta para a ambulância. E começa tudo de novo. Sem parar. Essa rotina, que Oberdan encarou nos últimos 10 meses, não sai da cabeça dele.

Para ele, o cansaço físico era só uma parte do cotidiano agitado. Foi o cansaço psicológico que ele sentiu com mais força.

"A sensação de conviver com isso todos os dias foi algo que me transformou, não há como comparar com nada. Quer dizer, para comparar mesmo só quando fizerem os filmes sobre isso, né? Quando falam em novo normal, fico pensando se ele vai se tornar velho normal um dia. Quando olho as mutações que os cientistas contam na mídia, vejo que ele muda rápido. O jeito é se agarrar na esperança e na fé", recomenda Oberdan.

Ele conta que quando começou a fazer os transportes de pacientes na Unidade de Pronto Atendimento da Sacramenta, uma vez viu pessoas chegando e se jogando no chão. Outras, desmaiavam. As que estavam em melhor estado saíam do carro ofegantes.

As cenas deixaram ele chocado. Um domingo de maio, porém, ficou na memória mais do que outros dias.

"Era 1h da manhã e estava num plantão. Consegui parar 30 segundos para respirar. Não acreditei. 30 segundos de pausa na correria. Fechei os olhos e respirei. Quando abri, já tinha outro paciente para levar da Sacramenta para o Dom Zico. Abri os olhos com as pessoas batendo na ambulância pedindo para eu levar os familiares delas", relata ele.

Oderban até hoje não sabe quantas pessoas morreram naquele domingo e pensa no provável número com frequência. Prefere não chutar. Mas sabe, ao certo, quantos pacientes ele levou em um único turno: 17.

De acordo com ele, gente de todas as classes sociais e bairros, incluindo policial, atendente de loja, uma professora e um zelador de prédio. Ele lembra das profissões de cada um, como se listasse os nomes deles

"Adoeci psicologicamente, pois foi tudo muito rápido. Até na hora de me vestir e me aparamentar vinha aquele nervoso antes dos atendimentos, saber que eu estava de frente ao vírus. Quando eu entrava na UPA para deixar as macas com os pacientes, ficava chocado. Meus colegas colocavam a mão na cabeça, paravam para respirar. Sempre aquela sensação obscura no ar", afirma. 

Quando se deu conta, os quatro dias de férias após o plantão de 24 horas viraram três dias. A demanda seguiu aumentando e os amigos do volante foram se ajudando e alguns tiravam 12 horas de plantão com 48 horas de férias. "E quando chegava em casa?". Ele ouve a pergunta e inspira com força. E expira.

"Olha, não foi fácil. Mas, para ser sincero, eu tentava não levar da rua para a casa. O que acontecia lá me deixava mal da porta para fora. Quando eu chegava, não queria ninguém da minha família perguntando e nunca comentei ou puxei o assunto em casa. Eles sabiam disso e chegar em casa era desligar do mundo lá fora por um tempo", conta ele.

Quando a vacina chegou ele não acreditou. A família, muito menos. Ele acha que a esposa e as filhas ficaram até mais felizes e eufóricas que ele. 

Imaginavam que, por profissionais da saúde, o Plano de Imunização se referia somente aos médicos e enfermeiros. Tomou a vacina sem medo algum e recomenda todos a tomarem também. 

"A palavra novo assusta mesmo, então entendo quem tem medo achando que isso vai asseverar as mortes invés de ajudar os índices a caírem. Isso não vai acontecer. Diante de um vírus desse, tendo a vacina você vai optar por não tomar? Infelizmente tenho alguns amigos, dentro e fora da profissão, que não querem se vacinar. Nessas horas, não podemos vacilar", aconselha ele, que teve sintomas do vírus e repousou em casa, na companhia de muito chá de limão com alho.

Ele lembra, porém, que não é a hora de abandonar a máscara e afirma que, independente da vacinação, não dá para abrir mãos das medidas de prevenção, pois poucas pessoas receberam a Coronavac nesta primeira fase.

Mas admite: "Existe mesmo essa sensação de estar seguro, mas ainda vou tomar a segunda dose. Então vamos manter os cuidados enquanto a furada não chegar no teu braço", brinca. 

Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱
Belém
.
Ícone cancelar

Desculpe pela interrupção. Detectamos que você possui um bloqueador de anúncios ativo!

Oferecemos notícia e informação de graça, mas produzir conteúdo de qualidade não é.

Os anúncios são uma forma de garantir a receita do portal e o pagamento dos profissionais envolvidos.

Por favor, desative ou remova o bloqueador de anúncios do seu navegador para continuar sua navegação sem interrupções. Obrigado!

ÚLTIMAS EM BELÉM

MAIS LIDAS EM BELÉM