Saúde em crise: trabalhadores relatam falta de pagamentos e péssimas condições de trabalho em Belém

Sesma diz que caos se deve à falta de verba do governo federal

Camila Guimarães
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A falta de médicos, medicamentos, equipe de limpeza e de portaria já são problemas percebidos por usuários de Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e Pronto Socorro (PSM) municipais de Belém. A ausência é sintoma de uma crise generalizada no setor da saúde que já afeta diferentes categorias. Trabalhadores e órgãos representativos, como os sindicatos, denunciam as irregularidades. Na última quarta-feira, 6, o protesto realizado por trabalhadores terceirizados da Secretaria Municipal de Saúde (Sesma) também evidenciou o problema.

Na frente do Hospital e Pronto Socorro Municipal Mário Pinotti, o PSM da 14 de Março, Daniele Meneses, de 32 anos, estava indignada com a falta de higiene e de condições de funcionamento da unidade de saúde. Ela está com o irmão, que é paciente renal crônico, internado por complicações na saúde há cerca de quatro dias e conta os problemas que enfrentou desde a chegada no local:

"Ele ficou um tempão jogado no corredor porque não tinha ninguém para atender. Está faltando funcionário aqui. Está faltando também equipe e material de limpeza, porque a higiene aqui é péssima. Quando meu irmão precisou de oxigênio, não tinha porque o aparelho estava quebrado. Os próprios funcionários reclamam que um monte de material está em falta e eles não têm o que fazer”, desabafa.

Uma técnica de enfermagem que prefere não se identificar contou que trabalhou nos últimos seis anos no PSM da 14 de Março e também declara o funcionamento precário:

“A medicação continua faltando muito, não tem nem o básico que é dipirona, esparadrapo, não tem lençol. Às vezes nós chegamos, à noite, o paciente estava mijado, evacuado, e não tinha lençol para trocar. Para quem trabalha à noite, as acomodações não são adequadas. O pessoal joga o colchonete no chão para tentar ter algum descanso, os beliches são dentro do próprio posto de enfermagem. Lá por baixo nós dividimos uma cama para dois”, ela conta.

Além da falta de material hospitalar básico e de acomodações adequadas para os funcionários, os técnicos de enfermagem estariam recebendo menos do que deveriam:

“Na questão de salário eles pagavam sim, mas não estavam pagando o salário certo, porque a gente não podia ganhar menos de um salário mínimo, mas a gente ganhava. Nós tínhamos de pegar duas escalas para poder ter um salário melhor”, ela conta.

A presidente do Conselho Regional de Enfermagem (Coren), Danielle Rocha, comentou que o órgão já fez visita a instituições de saúde para averiguar o problema, incluindo as escalas dos funcionários, e solicitou audiência ao Ministério Público para tratar sobre o assunto.

“Outra situação que tem sido relatada é a falta de insumos, entre eles EPI, medicamento, rouparia etc. Estive junto com a coordenadora do Departamento de Fiscalização do Coren-PA averiguando a denúncia”, informou.

image Danielle Meneses está com o irmão, renal crônico, internado no PSM da 14 e diz que ele passou muito tempo no corredor sem sequer ser atendido pela falta de profissionais (Cristino Martins / O Liberal)

Situação de médicos também é crítica

Muitos estariam desistindo de trabalhar nos pronto-socorros devido ao atraso nos pagamentos e a um limite de plantões imposto pela Sesma, que faz com que os médicos não consigam trabalhar mais horas para incrementar o salário no fim do mês:

“Neurocirurgião, por exemplo, só tem um que está vindo porque ele tem amor à profissão, porque os outros já foram embora. Tem médico aqui que recebeu, em novembro, o salário de maio. Eles estão desmotivados, porque a Sesma diminuiu a quantidade de plantões que eles podem tirar e não é mais vantagem para eles continuar aqui”, relata uma trabalhadora do PSM da 14 que não quis se identificar.

O diretor do Sindicato dos Médicos do Pará (Sindmepa), Waldir Cardoso, afirma que tem conhecimento das reclamações e revela que os problemas são ainda mais graves:

“O pior nas UPAs é que o governo municipal contratou empresas privadas para gerir as unidades e elas não contratam os médicos, elas obrigam os médicos a constituírem uma Pessoa Jurídica. Aí a empresa recebe o dinheiro do município, mas, paga por último o PJ dos médicos. Eles passam dois, três meses para receber. Estamos no Ministério Público do Trabalho com esta denúncia”, afirma Waldir.

O diretor do sindicato também atribui à terceirização da contratação dos funcionários outros desrespeitos que, na visão de Waldir, têm desqualificado toda a categoria:

“A maioria dos médicos que trabalham no município não são funcionários estatutários, é tudo terceirização. Eles chegam a ser demitidos por Whatsapp. Sem vínculo empregatício, saem sem nenhum direito. A profissão, que já foi uma profissão de ponta, hoje é um subemprego”, critica.

Em nota, o MPT informou que constam dois procedimentos autuados em junho deste ano a partir de uma mesma denúncia, acerca de possível fraude na prestação de serviços médicos por empresa contratada pelo Município de Belém.

Em hospitais particulares que atendem o Sistema Único de Saúde (SUS) a situação dos médicos não é melhor. O advogado de um dos hospitais, que preferiu não revelar o nome na matéria, conta que várias especialidades estão paralisando por falta de pagamento.

“Os cardiologistas estão paralisados há quatro meses; ortopedistas há um mês; anestesistas paralisaram esta semana. Eles estão há alguns meses sem receber da prefeitura e estão com os honorários defasados há mais de uma década. Quem fica prejudicado também é a população, que fica sem os serviços”.

 

Trabalhadores da limpeza e portaria são demitidos em massa

Na última terça-feira, 6, trabalhadores terceirizados da Sesma, agentes de portaria e auxiliares de serviços gerais realizaram uma manifestação em frente ao órgão reivindicando o pagamento de salários e rescisões atrasados.

A representante dos agentes de portaria, Keyse Vales, 32 anos, explicou que, só de novembro para dezembro, 170 agentes de portaria foram demitidos sem perspectivas de pagamento da rescisão trabalhista. Já a auxiliar de serviços gerais, Flávia Amaral, de 37 anos, disse que não recebe o salário há dois meses, tampouco o ticket de alimentação, o décimo terceiro e o vale transporte.

image O Sindmepa aponta que muitos profissionais até desistem de trabalhar pelas condições. Devido aos contratos terceirizados, algumas demissões ocorrem até por Whatsapp (Ivan Duarte / O Liberal)

Caos é causado por corte de verba federal, diz prefeitura

Em resposta às denúncias, a prefeitura de Belém, por meio da Sesma, aponta o corte de verbas federais como principal justificativa para a crise. A União deveria repassar cerca de R$ 36 milhões, mas o Estado só tem recebido R$ 22 milhões: “Recurso que é insuficiente para financiar as necessidades da saúde no Município de Belém”, diz em nota.

Sobre as irregularidades na contratação de funcionários terceirizados, a Sesma diz que não pode responder pelo vínculo empregatício estabelecido entre empresas e os funcionários. Porém, admite que tem revisado e renegociado contratos com as empresas terceirizadas, devido à falta de recursos.

Quanto à falta de insumos nas unidades, a secretaria comenta que o problema se dá “por conta de um contexto que é nacional. Mas parte desses insumos e medicamentos já estão sendo repostos na rede de saúde”.

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