Rua da Paz é quase uma via fantasma, na comunidade Irmã Dulce

Ninguém falou com a reportagem nada além de confirmar que aquela era a rua da Paz. Mas não havia quase ninguém com quem falar. A via é deserta.

Victor Furtado
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Na noite do dia 18 de novembro do ano passado, a rua da Paz perdeu a característica que a dá nome. O local, que fica na comunidade Irmã Dulce, bairro Parque Guajará, distrito de Icoaraci, foi ocupado por uma milícia. Possivelmente, uma narcomilícia. Trinta famílias foram violentamente expulsas de casa e não retornaram desde então. A via inteira agora lembra uma cidade fantasma de um filme.

Durante a invasão, o grupo armado assassinou Antenor Coelho, (77 anos) e Ednilson da Conceição Lima (49 anos). Outros moradores foram feridos. Os imóveis foram saqueados, bens foram destruídos e um clima de terror se instalou na comunidade. A Defensoria Pública do Estado do Pará (DPE) interveio pelas famílias desalojadas

O juiz Raimundo Santana, da 5ª Vara da Fazenda Pública e Tutelas Coletivas, concedeu uma decisão liminar. Prefeitura de Belém e o Governo do Estado devem garantir o retorno seguro dos moradores. As famílias também deverão ter os títulos de propriedade dos imóveis. A comunidade deverá receber várias obras urbanísticas. Uma decisão assim é inédita no Brasil.

Na comunidade, mais de um ano depois da noite da invasão, o silêncio e sensação de solidão são opressivos. A maioria das casas está fechada. Há avisos de venda em vários imóveis. Poucas pessoas passam pela rua e todas preferiram não falar muito com a reportagem. Nem animais circulam.

A falta de saneamento básico na rua da Paz — e em toda a área da comunidade Irmã Dulce — terminam de caracterizar o visual de abandono. As vias não têm asfalto. Mato cresce nas bordas e os esgotos não estão tratados. Quase todos os postes estão sem lâmpadas.

Juliana Oliveira, coordenadora do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos e Ações Estratégicas da DPE, comenta que, nas reuniões com os moradores da comunidade, a informação é de que a área segue dominada pelos grupos criminosos.

A Redação Integrada de O Liberal solicitou uma entrevista à Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup), para falar sobre qual a situação da comunidade Irmã Dulce e saber sobre os inquéritos das mortes de Antenor e Ednilson, na noite do dia 18 de novembro de 2018.

 

Segup não comentou sobre como vai garantir o retorno das famílias. Prefeitura acha arriscado.

A Segup se manifestou apenas por nota, dizendo que "...o inquérito para apurar as invasões e as mortes já foi concluído pela Polícia Civil e encaminhado à Justiça".

Em relação à decisão liminar, a Segup informou que "...ainda não foi notificada e somente poderá se manifestar após a ciência dos autos. A Segup ressalta que, desde o início deste ano, trabalha para coibir a criminalidade no Distrito de Icoaraci. Prova disto é a redução de 60% nos crimes violentos letais intencionais na área, de janeiro a novembro de 2019, em comparação ao mesmo período do ano passado".

A Prefeitura de Belém, por meio da Procuradoria Geral do Município (PGM), informou, em nota, que "...já apresentou defesa informando que a área onde está localizado a área Irmã Dulce é de interesse ambiental, o que exige componentes mais complexos para o planejamento da regularização fundiária. A Prefeitura ressalta ainda que o pedido formulado pela DPE acaba por preterir inúmeras outras comunidades que possuem pedidos de regularização anteriores".

"Por fim, a Prefeitura informa que, no caso das famílias que teriam sido expulsas, obrigá-las a permanecer no local de onde teriam sido retiradas é medida que precisa ser avaliada com cautela e sensibilidade, pois se esse fosse o propósito, a Defensoria poderia ter ajuizado ação de reintegração de posse para proteção possessória das famílias, o que inclusive a Defensoria se recusou a fazer, razões que em conjunto justificaram o pedido de improcedência da ação e que levaram o magistrado a acolher em parte o pedido de liminar, decisão sujeita a reforma e não revestida de definitividade", dizia a nota da prefeitura.

As famílias que não puderam retornar às residências, moravam em uma área denominada de “Estado Paralelo”. No texto da ação da DPE, isso impossibilitava o Estado de garantir segurança e a posse-propriedade dos cidadãos violentados. Só foram ofertadas medidas que não garantiam o retorno sem riscos: escolta policial para a mudança coletiva. As vitimas não possuem títulos oficiais de domínio dos imóveis, mas possuem direito por legitimação fundiária, via lei 13.465/2017 (título, urbanização e geração de renda).

A Prefeitura de Belém, na decisão judicial, terá um prazo de 30 dias para iniciar os procedimentos de levantamento dos débitos tributários para regularização fundiária da área. Esse trabalho deverá ser conduzido pela Companhia de Desenvolvimento e Administração da Área Metropolitana de Belém (Codem). Também deverá ser feito cadastramento multifinalitário com os moradores, para atender às necessidades de vários setores socioeconômicos dos atingidos.

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