Respeito: Porque é tão difícil aceitar as diferenças?

Enfrentar a discriminação envolve mudanças culturais profundas

Tainá Cavalcante / Redação Integrada
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"Respeitar a vida e a dignidade de qualquer pessoa sem discriminar ou prejudicar" é o primeiro dos seis princípios da cultura de paz estabelecido pelo "Manifesto 2000". Apesar de instituído há tantos anos, o princípio é violado diariamente a cada atitude que reforça a exclusão, o pré-julgamento, a estereotipagem e o preconceito nos diversos segmentos da sociedade.

Casos de racismo, homofobia, transfobia e intolerância religiosa, por exemplo, não são raros em nosso país. Eles estão nos noticiários e na vida de tantas pessoas que são impactadas pelo ambiente discriminatório que ainda se constroi na sociedade.

Um retrato disso é o depoimento do casal gerente do Espaço Art Ato, Maynara e Sebastian Santana. Ela, mulher negra, e ele, homem trans, criaram um local colaborativo de resistência e relatam situações discriminatórias pelas quais já passaram, principalmente diante de suas especificidades de raça e gênero, não só por estarem à frente do empreendimento, mas em situações cotidianas, como o simples ato de caminhar na rua.

Segundo Maynara, o processo de discriminação racial pode ser identificado todos os dias, em situações que vão das mais simples às mais complexas. "As pessoas não me atendem quando eu vou ao shopping, por exemplo. Elas acham que eu não vou comprar, que eu só vou perguntar as coisas e não vou consumir. E isso, sem dúvida, é porque sou negra", explica ela, ao contar que o que mais enfrenta é o preconceito velado.

"O preconceito que eu vivencio com mais frequência decorre do fato de eu estar na gerência de um espaço onde, por precisar ter contato com outras realidades e muitas pessoas, preciso negociar com homens, mais velhos, brancos e que duvidam da minha capacidade por eu ser mulher e jovem. Além do racismo, há o sexismo, porque acham que eu não tenho capacidade intelectual de desenvolver esse trabalho", lamenta Maynara, que tem 26 anos.

Sebastian também relata que sua vivência como homem trans é entrecortada por todo tipo de discriminação, sentida, principalmente, ao sair na rua. "Eu acho que uma das coisas que é mais complicada para mim, como pessoa trans, é que eu não posso andar na rua como qualquer pessoa. Muita gente me conhece, sabe que sou trans, mas ficam olhando para o meu peito e para outras partes do meu corpo pra ver se eu tenho órgão genital de homem. É muito invasivo", expõe. E relata que quando vai à praia "é ainda pior". "Quando as pessoas acham qualquer vestígio de 'feminilidade' elas não sabem disfarçar. Ficam olhando. É muito complicado" diz.

A exposição pública de sua condição, conta Sebastian,  é outro ponto que produz situações incômodas. "Como infelizmente os registros ainda não foram alterados, mesmo a pessoa me vendo na frente dela, ela faz questão de me tratar pelo gênero feminino quando vê meus documentos. Fala alto, na frente de todo mundo, como se fosse para afirmar que não concorda com aquilo".

De acordo com ele, pessoas trans, periféricas e que estão em pré-transição vivem cotidianos ainda mais difíceis. "Eles são agredidos nas ruas, são mortos, e não é por acidente. Há fartos indícios de crueldade. É como se quisessem deformar ainda mais aquele corpo", pondera.

Tanto para Maynara como para Sebastian, ter que vivenciar situações assim é algo muito complicado, mas a melhor forma de reagir é ocupar os espaços e conscientizar as pessoas". "Eu acho que a reação tem que ser de forma educada, de forma a despertar a consciência, porque se eu falar alto, gritando, a pessoa vai ficar com raiva e não vou comunicar o que quero", afirma Maynara.

Sebastian complementa ressaltando que "educar as pessoas é o caminho, pois é necessário ter diálogo, mas também é importante que eles (os outros) estejam dispostos a ouvir e fazer uma autoanálise". Já Maynara é enfática ao afirmar que só o afeto pode salvar a sociedade de verdade. "Quando a minha luta se uniu à do Sebastian, nossa força se tornou maior."

Professora da Universidade Federal do Pará (UFPA) e integrante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Pará, a advogada Luanna Tomaz considera que "falar de enfrentamento ao preconceito, à discriminação e à desigualdade envolve um conjunto muito complexo de ações, porque isso repercute nas mais diversas esferas da vida". Ela se ancora na afirmativa ao destacar, por exemplo, que "estudos mostram impactos desses atos até no ponto de vista da saúde mental das pessoas".

Em virtude disso, segundo a advogada, falar em enfrentamento exige ações complexas que mudem estruturas sociais que permitam a redução dessas dinâmicas, além de mudanças culturais, como o debate sobre questões de gênero e questões raciais na educação. "É preciso que sejam tomadas medidas estruturais, culturais, que possibilitem acesso a direitos. Ações afirmativas, como as cotas, são fundamentais, para garantir que essas pessoas tenham acesso a espaços que historicamente são cerceadas. É preciso medidas que garantam a mudança da sociedade como um todo", conclui.

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