Pessoas LGBTQIAPN+ são mais vulneráveis a sofrer violências em encontros de aplicativo, diz OAB-PA

De acordo com o psicólogo e advogado João Jorge, presidente da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da OAB-PA, o preconceito contra LGBTQIAPN+ contribui para os casos; entenda

Fernando Assunção
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O que parecia ser mais um encontro casual, marcado a partir de um aplicativo de relacionamento, se tornou uma experiência negativa na vida do então estudante de administração, Luís Alberto Monteiro. “Marquei um encontro com alguém que havia conhecido virtualmente, mas a cordialidade mostrada pelo aplicativo, não se repetiu pessoalmente. Tivemos um ato sexual nada confortável, e até grosseiro e agressivo em alguns momentos. Em certo ponto, percebi que o preservativo havia se rompido, então eu pedi para parar, mas a pessoa me ignorou e continuou, até chegar no ápice da sua satisfação sexual. Foi aí que ele foi ao banheiro e me deixou sozinho no cômodo, quando eu, de certa forma machucado, observei o ambiente ao redor e percebi coisas que a gente não costuma encontrar nos quartos, como, por exemplo, uma agulha perto da embalagem do preservativo e me questionei: ‘para qual finalidade’?”, relata.

Confira a entrevista do administrador Luís Alberto Monteiro na íntegra:

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O encontro ocorreu em 2014, em uma localidade no bairro de Águas Lindas, em Ananindeua, quando Luís, que é natural de Moju, no interior do estado, morava na Região Metropolitana para fazer faculdade. O episódio marcou a memória do administrador, que passou a ser mais cauteloso durante encontros de aplicativos. Anos depois, porém, o jovem, à época com 22 anos de idade, obteve o diagnóstico para HIV, o vírus da imunodeficiência humana. “Por volta de dois anos após o encontro, em meio a um exame de rotina, eu fiz um teste para HIV, que testou positivo. Aí me perguntam e eu também me pergunto: ‘quem?’. É claro que entre o intervalo do ato ao diagnóstico, eu me envolvi com outras pessoas, mas com muita segurança. E aí, quando a gente para e pensa em tudo o que aconteceu, eu só lembro desse momento. Não posso afirmar, mas sempre que me pergunto onde ocorreu essa exposição ao vírus, eu me recordo daquele momento vivido”, reflete.

image Por chamada de vídeo, o administrador Luís Alberto Monteiro relatou sua experiência ao Grupo Liberal (Reprodução)

Hoje, aos 31 anos, Luís fala abertamente da experiência, e procura, a partir dela, alertar outras pessoas. Ele conta que está em tratamento contra o HIV e chegou ao estágio indetectável da infecção, onde o paciente não é capaz de transmitir o vírus pela via sexual. “Logo após o diagnóstico, comecei o tratamento e me tornei indetectável no terceiro mês. Estou ótimo de saúde, com os exames em dia, e, também, psicologicamente, afinal tive apoios fundamentais naquele momento, da minha família, amigos, trabalho e um relacionamento. Quatro pilares que em momento nenhum fraquejaram, pelo contrário, estiveram sempre muito firmes em me ajudar, então isso foi muito positivo para mim. Tirei dessa experiência, algo para ajudar pessoas ao longo desses anos”, diz. “Quanto à pessoa, nunca mais procurei, nem consegui encontrar ou esbarrar, nem mesmo pelas redes sociais”, acrescenta.

Casos como o vivido pelo paraense de Moju chamaram atenção da grande mídia nos últimos anos, inclusive com desfechos fatais. Foi o que ocorreu com o ator Jeff Machado e o caso “serial killer de Curitiba”. Desaparecido desde janeiro deste ano, o ator Jefferson Machado, 44, foi encontrado morto em um baú enterrado e concretado no quintal de uma casa no Rio de Janeiro no último mês de maio. Uma das pessoas presas suspeitas pelo assassinato, foi o garoto de programa Jeander Vinicius da Silva Braga, 29, que o ator conheceu por meio de um aplicativo de relacionamento um ano antes do crime. Já no início deste mês, o programa “Linha Direta” exibiu o caso do serial killer de Curitiba, José Tiago Correia Soroka, preso em maio de 2021, por matar três jovens gays, entre abril e maio daquele ano, por motivações homofóbicas, após marcar encontros amorosos com as vítimas nos aplicativos. Ainda nesta modalidade, em março de 2023, um homem de 35 anos ficou mais de 24 horas refém de criminosos armados em São Paulo após cair no golpe do falso encontro amoroso por aplicativo de relacionamento pelo celular.

LGBTQIAPN+ mais vulneráveis

De acordo com o psicólogo e advogado João Jorge, presidente da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Pará (OAB-PA), pessoas LGBTQIAPN+ são mais vulneráveis a serem vítimas de crimes em plataformas virtuais. “Por conta de um histórico de falta de afetividade, que começa muitas vezes na família, se estende para outras instituições, como na escola, no meio das amizades, onde a pessoa não consegue de fato expressar os seus sentimentos. As experiências amarosas, então, acabam ficando ocultas, na perspectiva de uma relação sigilosa, como se fosse algo errado. E é aí que a tecnologia surge como uma alternativa que permite, de alguma forma, experienciar esse afeto, nem que seja no mundo virtual”, avalia.

“A gente vive em uma sociedade que é machista, racista, LGBTfóbica, marcada por uma série de questões que moldam a forma como a gente enxerga aquilo que é certo e errado. E quando você, no desenvolvimento da sua personalidade, da sua sexualidade, da sua individualidade, começa a perceber que os seus gostos não são iguais aos que a sociedade dita, por questão de sobrevivência, a pessoa acaba se escondendo, o famoso ‘armário’. Então, é uma série de violências, que deixa as pessoas LGBTQIAPN+ mais carentes, e muitas vezes tudo o que sobra é um aplicativo, onde vai aparecer alguém que vai dizer que gosta de você, que tem desejo você, algo que às vezes você não teve ainda na vida. Mas aí também mora o perigo, da pessoa estar realmente só se aproveitando de você”, acrescenta.

João Jorge explica, ainda, que, apesar da maior vulnerabilidade do público LGBTQIAPN+, todas as pessoas podem ser vítimas de crime por meio de encontros por aplicativo, com riscos ainda maiores com o crescimento das plataformas de relacionamento nos últimos anos, principalmente em razão da pandemia da covid-19 e do isolamento social. “É importante compreender que os perigos são para todas, todos e todes, porque, de fato, a gente vive o momento das redes sociais nesses, pelo menos, últimos dez anos, um processo que foi ainda mais acelerados nesses últimos três anos, com a questão da pandemia, onde as relações foram mais cerceadas e as pessoas acabaram mesmo migrando para os relacionamentos virtuais”, analisa.

image De acordo com o psicólogo e advogado João Jorge, presidente da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da OAB-PA, pessoas LGBTQIAPN+ são mais vulneráveis a serem vítimas de crimes em plataformas virtuais (Cristino Martins/O Liberal)

Subnotificação

Questionada pela reportagem, a assessoria de comunicação da Polícia Civil do Estado do Pará informou que a Diretoria Estadual de Combate a Crimes Cibernéticos não possui um levantamento específico para crimes cometidos no âmbito de encontros marcados por aplicativos de relacionamento e que as ocorrências são registradas de acordo com as tipificações delas, como violência física, roubo e assim por diante. A Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup-PA) também disse que não possui esses dados. Para o advogado da OAB, a subnotificação contribui para o crescimento dos casos: “É ruim não ter essas informações porque são os dados que justificam as políticas públicas de combate aos crimes e de alerta à população. Sem eles, a tendência é que esses crimes continuem acontecendo por falta de informação sobre o assunto. Eu, como presidente da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da OAB-PA, acompanho quase que semanalmente casos de pessoas LGBTQIAPN+, sobretudo mais velhas e do interior do estado, os maiores alvos de criminosos que atuam nos aplicativos”.

Como identificar atitudes suspeitas

Segundo o porta-voz da OAB-PA, é preciso ficar alerta durante o uso das plataformas de encontro para evitar ser vítima de crimes. “Existem algumas perguntas básicas de identificação, como ‘onde você mora?’, ‘qual é o seu bairro?’, ‘o que que você faz?’… Se a pessoa fica muito reticente em relação a prestar essas informações, e se você, mesmo conversando com ela durante um tempo, acaba não sabendo realmente de fato nada sobre ela, isso é um alerta para não avançar para um encontro”, diz. “Se tudo der certo, ter uma boa conversa franca em relação a seus objetivos, verificar se existe uma reciprocidade entre os envolvidos e afinidade nos gostos”, completa João Jorge.

Após essa etapa, as tratativas para os encontros presenciais podem ocorrer, mas sempre priorizando locais públicos. “Passou essa fase, você não identificou nada suspeito e acha que já é o momento de um encontro, esse encontro, como regra geral, tem que ser em um lugar público, como um shopping, uma praça, uma orla, um restaurante, para que você verifique se realmente essa pessoa é quem diz ser. E aí também é importante sempre ter alguém de confiança que você minimamente possa dizer: ‘olha, eu vou ter um encontro, vou para esse local’, compartilhar o endereço e a localização para a pessoa ficar em alerta e denunciar caso ocorra alguma coisa além do comum. São algumas estratégias que auxiliam, mas que não impedem totalmente a exposição”, finaliza o especialista.

Canais de denúncia

Emergência: 190
Disque-denúncia: 181 ou Whatsapp: (91) 98115-9181
Disque Direitos Humanos: disque 100

Defensoria Pública do Estado do Pará (DPE-PA)
Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos e Ações Estratégicas (NDDH)
Contato: 3201-2680 (telefone e Whatsapp) e nddhpa@gmail.com
Endereço: Travessa Padre Prudêncio, nº 154 - Bairro: Campina
Horário de atendimento: Terça, quarta e quinta-feira, das 08 às 13 horas

Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Pará (OAB-PA)
Comissão de Diversidade Sexual e Gênero
Contato: cds@oabpa.org.br
Endereço: Praça Barão do Rio Branco, nº 93 – Campina
Redes sociais: @cdsgoabpa (Instagram) 

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