Não poder fazer celebrações fúnebres agrava dor pela perda de entes queridos

Especialista afirma que 'não poder realizar um ritual é algo cruel para o ser humano'

Dilson pimentel

Lidar com a morte é um processo muito sofrido e dolorido. E a dor pela perda de um ente querido ganhou um componente terrível: a pandemia. As pessoas estão perdendo seus entes queridos, mas não podem estar perto fisicamente. E, por causa das recomendações sanitárias, e para evitar a disseminação do novo coronavírus, não podem fazer os velórios e os sepultamentos tradicionais. Mas como lidar com esse sentimento de perda durante a pandemia? Para tratar desse tema, a Redação Integrada entrevistou a professora Rachel Ripardo, docente do Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento, da Universidade Federal do Pará (UFPA).

Ela disse que um dos primeiros pensamentos que as pessoas têm quando perdem alguém, em uma pandemia ou não, é de que não devem sentir tristeza, ou qualquer sentimento negativo. “Apesar de normal em um primeiro momento, deve ser permitido que a pessoa (incluindo crianças) sinta tristeza pela perda de seu ente querido”, explicou. “Como não tem sido possível realizar algumas partes de rituais de luto comuns à nossa sociedade, outros rituais devem ser criados, sendo importante que eles não sejam ignorados. Caso a pessoa seja religiosa, é importante que seja realizado algo, dependendo de cada religião. E, no caso de não ser, algum tipo de ritual em que se fale sobre a pessoa perdida, usando fotos e lembranças, ajuda na permissão de sentir o luto”, disse.

image Professora Rachel Ripardo, docente do Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento (Cláudio Pinheiro / O Liberal)

Segundo a professora Rachel Ripardo, há diversas teorias na Psicologia que estudam o luto. Uma das mais aceitas e popularizadas é a de Elisabeth Kübler-Ross, grande pesquisadora na área, que defendia que havia cinco fases de luto: negação, raiva, barganha, tristeza e aceitação. “Cada fase possui suas especificidades, e uma pessoa em luto não precisa passar por todas, e pode, inclusive, retornar para uma fase anterior”, disse. “Durante esta pandemia, a situação parece tão irreal, com pessoas internadas ou morrendo rapidamente, ou simplesmente morrendo na frente de familiares, sem receber tratamento, o que pode contribuir para o que se chama luto complicado. Este pode ser decorrente da impossibilidade de experienciar o luto”, afirmou.

"Quando a pessoa tem um mecanismo que evita o sentimento, paralisando-a, o luto pode ser complicado”, diz professora.

A maior parte das nossas desordens psicológicas, como depressão e ansiedade, decorrem de não querermos sentir sentimentos e emoções negativas, o que, infelizmente, é necessário para nos reorganizar psicologicamente, disse a professora Rachel Ripardo. “A dor de uma perda muitas vezes é a pior tristeza que alguém pode sentir, o que aciona mecanismos psicológicos para lidar com ela. Quando a pessoa tem um mecanismo que evita o sentimento, ou não consegue lidar com ele, paralisando a pessoa, o luto pode ser complicado”, afirmou.

E, no caso da pandemia, há muitos sentimentos a sentir, que são amplificados, como negação pela morte de tantas pessoas, quando se morre uma pessoa próximas. “Raiva, pela perda da pessoa e pela situação crítica que o país está passando, com muitas mortes que poderiam ser evitadas e por nem poder se despedir. Barganha, que é a tentativa (fantasiosa) de recuperar a pessoa, com pensamentos como ‘se eu tivesse levado essa pessoa antes ao pronto-socorro’, ‘se ela já tivesse tomado a vacina’, etc. A tristeza, que está acumulada, da quantidade de pessoas que estamos perdendo, muito mais do que era esperado em um ano. E, por fim, a fase da aceitação é apenas temporária, pois uma nova perda pode advir, e aspectos da perda anterior podem ser retomadas”, afirmou.

image Sepultamento de uma vítima da covid-19 ocorrido esta terça-feira no cemitério São Jorge, na Marambaia: movimento nos cemitérios caiu (Igor Mota / O Liberal)

Ela explicou que não poder enterrar e realizar um ritual é algo cruel para o ser humano. “Foi e ainda é utilizado como punição por crimes realizados ou para castigar pessoas de outros grupos sociais. Dessa forma, é uma perda dupla, o que pode aumentar os sentimentos negativos. Isso também faz com que a primeira fase, a de negação, possa se estender”, completou.

A professora Rachel Ripardo disse ser importante ressaltar que a maioria das pessoas passa pelo período do luto, chegando à aceitação e à retomada das atividades diárias, e que apenas algumas precisam de ajuda psicológica e psiquiátrica. “Nesses casos, é importante que elas recebam apoio. Entretanto, na pandemia, o número de pessoas que irá precisar de ajuda aumenta. Por esta razão, para evitar maiores problemas, precisamos estar atentos”, alertou.

image (REUTERS / Ricardo Moraes)

Por não estar perto do ente querido, e não poder fazer uma despedida à altura do que a pessoa merece, o familiar se sente muito culpado. Como lidar com esse sentimento de culpa? “Culpa é um sentimento que pode advir mesmo se houver um velório considerado adequado. É um sentimento complexo, que não está ligado apenas a esta ocasião. Por isso é importante se perguntar: ‘por que eu estou verdadeiramente sentindo isso’. Ela pode vir com mais frequência no começo, e ir aos poucos diminuindo, se a pessoa se permitir sentir a culpa, sem "acreditar nela". Ela explicou que a perda da pessoa em si é algo que já mobiliza uma pessoa. “Por isso, se houver muita culpa que impeça a pessoa de continuar a realizar suas atividades por muito tempo após o falecimento de alguém próximo, é importante buscar ajuda psicológica”, orientou.

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