Número de crianças míopes cresceu durante a pandemia
Uso frequente de aparelhos eletrônicos implicam consideravelmente na manifestação dessa condição

O número de casos de crianças e adolescentes com miopia aumentou durante a pandemia da covid-19. É a condição em que os olhos podem ver objetos de perto, mas não são capazes de enxergar claramente a distância. A principal causa é a herança genética, mas a exposição excessiva a telas de computador, smartphones e tablets e a redução do tempo ao ar livre, que foram rotina ao longo do isolamento social, são fatores que implicam consideravelmente na manifestação dessa condição.
Esse foi o apontamento do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), em um estudo inédito divulgado no início deste mês. Foram ouvidos, entre abril e junho, 295 profissionais em todo o Brasil. Pelo menos 72% dos oftalmologistas relataram o crescimento de diagnósticos de miopia em pacientes na faixa entre zero e 19 anos, além do agravamento acelerado dos casos que já tinham esse problema de visão.
Para 76% dos entrevistados, a principal causa é a superexposição a telas de aparelhos eletrônicos no ensino remoto e em lazer no confinamento. Praticamente todos os especialistas (99%) defendem a redução do chamado tempo de tela e o aumento das atividades ao ar livre.
Em Belém, Heitor Soares, de 5 anos, está entre os novos casos de crianças com miopia durante o contexto pandêmico. Por conta das aulas remotas, ele passou mais tempo em contato com dispositivos eletrônicos. Após sentir dificuldade para ver TV de longe, o problema foi diagnosticado, conforme contou a mãe dele, Kamilla Soares.
"Descobrimos ano passado, quando ele começou a piscar muito. Só queria ver TV de perto. Sentia incômodo, como se os olhos estivessem secos. Quando o levei ao especialista, ele já estava precisando usar óculos de grau dois. O doutor está graduando, com dois e meio, para chegar a três graus agora", relatou Kamilla.
"Quando entrou na pandemia, ele ficou muito tempo em casa, usando muito celular, tablet e computador. Depois que começou a usar óculos, melhorou bastante. Como as aulas presenciais já voltaram na escola onde ele estuda, a rotina voltou. Estamos tratando com colírio lubrificante e com maior controle no uso desses aparelhos", detalhou a mãe.
O oftalmologista Lauro Barata, que trata o caso de Heitor na capital paraense, disse que também identificou, no consultório onde trabalha, o aumento de casos de pacientes crianças míopes durante a pandemia. E citou, inclusive, um outro estudo que também aponta essa progressão mediante os tempos de confinamento.
Trata-se de um estudo realizado na China com mais de 120 mil crianças, que mostrou que os casos de miopia aquelas com 6 anos aumentaram 400% nos cinco primeiros meses de lockdown de 2020, em comparação aos anos anteriores. A pesquisa foi publicada na JAMA Ophthalmology, revista científica com maior fator de impacto dentro do campo da oftalmologia.
"Esses estudos corroboram com o que nós avaliamos. Teve, sim, aumento significativo no grau em crianças. E a miopia nada mais é que um olho maior do que o normal. Durante a pandemia, houve esforço visual maior e nossos olhos estão em formação. Consequentemente, se teve esse maior esforço em todo o olho, principalmente entre crianças, que ficaram mais em casa com celular e tablet, acabou sendo um estímulo para o crescimento do comprimento do olho", explicou o doutor Lauro Barata.
O especialista listou alguns sinais para que os pais fiquem atentos. "A criança começa a ir mal no colégio, porque não consegue acompanhar de longe. Agora, com o retorno das aulas, apareceram mais casos assim. Os professores observaram e avisaram para os pais", contou. "Sente dificuldade de enxergar porque o ponto focal se forma antes da retina. Esse ponto teria que estar na retina para ter uma visão 100%", detalhou.
Cuidados
A Sociedade Brasileira de Pediatria orienta evitar a exposição de crianças menores de dois anos às telas, mesmo que passivamente. Na faixa entre dois e cinco anos, a recomendação é de, no máximo, uma hora diária de tela e, entre seis e dez anos, duas horas diárias. A entidade alerta para não usar telas na hora das refeições nem nas duas horas anteriores ao sono.
Mesmo com todos esses cuidados, os casos tendem a aumentar nos próximos anos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a miopia atinja metade da população mundial até 2050. De acordo com a OMS, 2,6 bilhões de pessoas convivem com a miopia no mundo. Dessas, 59 milhões estão no Brasil.
O oftalmologista Lauro Barata recomenda bom senso. "Se tiver algum sinal, procure um oftalmologista imediatamente. Se for o caso, o especialista entrará com a prescrição de óculos ou outra correção ótica. Mas tem que ter bom senso sobre o tempo de exposição das crianças aos aparelhos eletrônicos. Quanto mais exposição, mas dano a médio e a longo prazo. O ideal seria uma hora de celular e vinte ou trinta minutos de atividade ao ar livre", orientou.
Ele explica que não existe cura para miopia. "Dependendo do caso, pode fazer cirurgia para diminuir o grau a tal ponto que a pessoa não vai sentir a necessidade de usar os óculos. Mas não existe garantia de 100% nem podemos chamar de cura", finalizou.
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