Do canal à construção: lixo coletado por ecobarreiras em Belém se transforma em tijolos ecológicos
Lixo coletado pelas primeiras ecobarreiras colocadas nos canais da capital paraense já está sendo reutilizado e, além dos tijolos, devem virar matéria-prima sustentável para outros objetos

Ruas, canais e rios de Belém estão frequentemente tomados por lixo de diversos tipos, que, além de poluir o ambiente, contribui para enchentes e alagamentos na cidade. Para conter o problema, a prefeitura começou a instalar ecobarreiras nos canais, a primeira delas no canal da Tamandaré, onde os resíduos são filtrados antes de chegar aos rios. Coletados duas vezes ao dia, os resíduos são separados e enviados a uma cooperativa, que os transforma em tijolos ecológicos, unindo sustentabilidade e inovação. O projeto prevê ainda diversificar os materiais feitos a partir do lixo reciclado, produzindo tampas de bueiros, bancos e lixeiras, e estuda parcerias para utilizar os tijolos na construção de imóveis do programa Minha Casa Minha Vida.
Responsável pela supervisão dos serviços de limpeza e funcionamento das ecobarreiras nos canais, o secretário executivo de drenagem urbana e saneamento integrado, Marcelo Mattos, explicou como funciona todo o sistema, que já está sendo implementado também no canal do Una.
“A ecobarreira é um sistema montado para conter os resíduos que são jogados dentro dos canais. Vale ressaltar que esses resíduos são descartados de forma irregular, e as ecobarreiras são uma ação posterior a esse descarte. Fazemos diariamente a retirada do lixo acumulado na ecobarreira dos canais, com uma equipe que atua integralmente no canal do Tamandaré, retirando os resíduos pela manhã e à tarde com ecobags”, explicou.
Para retirar o lixo preso nas ecobarreiras, os profissionais entram no canal com vestimenta adequada para realizar a coleta manualmente.
“A ecobarreira tem um piso onde eles podem descer sem precisar ficar diretamente na água. Eles ficam sobre a estrutura e retiram o resíduo. Quando a maré está cheia, utilizam uma espécie de jardineira, uma roupa que facilita a entrada no canal sem riscos”, explicou.
Segundo o secretário, são recolhidas de três a quatro toneladas de lixo por dia, e desde a instalação da barreira, em julho, já foram retiradas 140 toneladas de resíduos do canal. A expectativa é instalar 15 novas ecobarreiras em outros canais da cidade, por meio de uma parceria entre a prefeitura e a empresa de cosméticos Natura, que patrocina a implantação dos equipamentos, o que deve resultar também em uma redução dos alagamentos na capital.
“As ecobarreiras impedem que esses resíduos cheguem aos nossos rios e à baía, evitando que a poluição se torne irreversível. Elas fazem a detenção do entulho nos canais. Estudos mostram que todo esse resíduo, quando vai para os rios, fica preso em um quilômetro quadrado, em palafitas e mangues, aumentando a poluição. Acreditamos que esse seja um dos grandes problemas dos alagamentos na cidade, pois entope nossa rede de drenagem e faz com que as vias alaguem”, disse.
Para o gerente sênior de circularidade e descarte responsável da Natura, Sergio Talocchi, empresa que patrocina as ecobarreiras em Belém, o projeto é de extrema importância para garantir a preservação da Amazônia e consolidar o papel da empresa na promoção de práticas sustentáveis.
“A iniciativa das ecobarreiras fortalece a relação com comunidades, fornecedores e parceiros, gerando oportunidades econômicas inclusivas e desenvolvendo modelos de negócio que equilibram resultados financeiros com benefícios sociais e ambientais. Projetos como esse também consolidam a reputação da Natura como líder em responsabilidade socioambiental, mostrando seu papel ativo na preservação da Amazônia e na promoção de práticas empresariais regenerativas. O projeto funciona como um legado para além da COP30, promovendo conscientização sobre a gestão de resíduos e inspirando políticas públicas, parcerias locais e modelos replicáveis de sustentabilidade urbana. Dessa forma, contribui para a melhoria da qualidade ambiental de Belém e fortalece a cultura de economia circular e cuidado com os ecossistemas da região”, afirmou.
Lixo se torna matéria-prima
Após a retirada do canal, o lixo é separado, e plásticos e vidros são encaminhados para a cooperativa Concaves, onde são transformados em matéria-prima para a fabricação de tijolos ecológicos, como explica o catador e coordenador da Concaves, Jonas de Jesus.
“O material que vem, nós preparamos para lavar completamente e depois colocar para triturar. Depois que trituram, preparamos o cimento, que é misturado com o plástico ou um pouco de vidro, já para eliminar o excesso de vidro e não deixá-lo no meio ambiente. Após a mistura, o conteúdo é colocado em moldes para se tornarem os tijolos”, explicou.
Para Jonas, esse trabalho é importante para a preservação de todo o meio ambiente, e é fundamental que os cidadãos se atentem ao impacto da coleta seletiva e do descarte irregular na vida cotidiana.
“Esse trabalho não impacta só a vida dos catadores, mas também a de cada cidadão. É importante que o cidadão perceba que isso representa um ganho real para ele e para o meio ambiente. Esse material, que estaria nos rios causando alagamentos e degradação ambiental, agora é transformado em blocos de tijolo. Esses blocos podem ser usados para diversas finalidades, inclusive para a construção de casas. Muitas pessoas que vivem em áreas precárias podem se beneficiar. Então isso é algo extremamente importante”, disse.
Outros produtos sustentáveis
Para gerir os resíduos e intermediar a coleta com as cooperativas, a secretária executiva de inclusão produtiva, Pamela Massoud, coordena o diálogo da prefeitura de Belém com 16 cooperativas, incluindo a Concaves, para a realização de diversos trabalhos, como ocorre com os resíduos das ecobarreiras. Segundo ela, o planejamento da prefeitura é que, além dos tijolos, o lixo recolhido nas ecobarreiras se transforme em outros produtos para o mobiliário urbano.
“A ideia é, a partir desse resíduo, que é usado para fazer os tijolos, produzir tampas de bueiro, lixeiras, bancos e outras peças de mobiliário urbano para praças, margens de canais e diversos locais da cidade. Esses projetos se alinham com o programa Praça Viva, anunciado recentemente pelo prefeito, em que uma empresa ou instituição adota uma praça e realiza sua revitalização. Dessa forma, o beneficiamento do resíduo permite criar mobiliário urbano acessível à população”, explicou.
Além de serem usados no mobiliário urbano, os tijolos já deram origem a uma casa, um protótipo construído no Parque de Ciência e Tecnologia do Guamá. Com base nos estudos do material a partir desta construção, a prefeitura pretende articular-se com outras secretarias para a construção de protótipos de imóveis do programa Minha Casa Minha Vida utilizando os tijolos sustentáveis.
“Temos dialogado com a Secretaria de Habitação para desenvolver alguns protótipos de Minha Casa Minha Vida com esse tipo de tijolo. As discussões incluem habitações em áreas ribeirinhas, utilizando madeira sustentável, e a ideia é agregar os tijolos para essas construções. Atualmente, no PCT Guamá, em parceria com a UFPA, existe um protótipo de casa com telha termoacústica e um projeto que melhora a ventilação interna, entre outras características”, finalizou.
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