Cotijuba: ilha em isolamento forçado pelo coronavírus

A ilha não teve escolha de entrar ou não em quarentena. A quarentena foi forçada e restou aos moradores buscar todas as formas possíveis de prevenção

Victor Furtado
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Cotijuba é um exemplo de como a pandemia de covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus (sars-cov-2), afetou as 39 localidades que compõem a Região das Ilhas de Belém. São áreas, historicamente, carentes de desenvolvimento e que já sofriam um certo isolamento. Afinal, só são acessíveis via fluvial. A economia dessas áreas é baseada em comércio e turismo, dois setores esmagados pela necessidade de saúde pública de pessoas ficarem em casa.

Com muito mais dificuldades em acessar máscaras e álcool em gel, moradores da ilha se viram como podem. Preocupados, se pensa em começar a cobrar comprovante de residência para chegar à ilha. Algumas barreiras sanitárias têm usado esse recurso, em alguns municípios.

image O senhor Felipe Vilhena diz ter tido sorte em conseguir a máscara para resolver as urgências financeiras em Cotijuba, após cinco dias de isolamento total. (Thiago Gomes / O Liberal)

Enquanto alguns locais até protestam pelo fim das quarentenas, o que o povo de Cotijuba não quer é ter de remediar algo que pode sobrecarregar a capacidade de cuidar dos doentes. Ainda que preocupados com a economia, de forma ampla, a comunidade tem tentado se proteger da pandemia. Todos os entrevistados relataram se cuidar de todas as formas possíveis. Contudo, Cotijuba não teve muita escolha. Foi forçada a um lockdown (o fechamento e isolamento) ainda mais severo do que outros lugares.

 

Barcos vazios e higienização constante

A ilha de Cotijuba, para quem nunca a visitou antes, fica a cerca de 30 minutos de barco, saindo do trapiche de Icoaraci. Detém 8 mil pessoas, da população de quase 40 mil que habita a Região das Ilhas. O primeiro impacto está justamente no transporte. Antes, os barcos saíam e chegavam, quase sempre, lotados. Em média, a capacidade das embarcações é de 50 passageiros (umas mais e outras menos).

Dificilmente, dizem os barqueiros, as viagens têm 20 pessoas. Por questões de sobrevivência financeira, em que ganhar pouco é melhor que ganhar nada, as linhas continuam, mas com ajustes nos horários e preços iguais. Há prejuízo. Para dar conta de viagens pouco rentáveis, tem havido revezamento. Com isso, alguns profissionais da saúde reclamam que as condições de viagem são cada vez piores para chegar à Unidade Municipal de Saúde de Cotijuba.

image Nos barcos, às vezes é possível encontrar alguém de máscara. Mas a maioria das pessoas que usa ou é da área da saúde ou conseguiu por meios muito alternativos. (Thiago Gomes / O Liberal)

"Nossa região é carente de recursos e é difícil encontrar máscaras e álcool gel. Álcool nem se acha. Quando tem, é em preço exorbitante. Algumas pessoas estão acompanhando a mídia e a divulgação da prevenção tem sido feita", diz Aldo de Jesus, que trabalha em um laboratório e diz estar atento a todos os cuidados, desde a higienização das mãos até a lavagem das roupas. Nos barcos, são raras pessoas de máscaras.

Parte do prejuízo inclui os gastos novos, que antes nunca foram pensados: higiene. Agora, a cada viagem, os barcos são higienizados com álcool 70%. Assento por assento e nos locais onde as pessoas costumam pegar e se apoiar. A limpeza é feita com toalhas de papel, descartadas logo em seguida. Ninguém entra nas embarcações sem ter as mãos previamente higienizadas com álcool também. Ainda há quem seja negligente a esses cuidados, mas são minoria. Todos esses dados são da Cooperativa dos Barqueiros da Ilha de Cotijuba (Cooperbic).

image Após cada viagem, os barcos passam por uma rigorosa limpeza com álcool 70%. (Thiago Gomes / O Liberal)

Presidente da Cooperbic, o barqueiro Eliézer Torres diz que a comunidade de Cotijuba tem se mostrado unida e atenta na prevenção. Diante da falta de álcool em gel, empresários se uniram para montar pias no trapiche principal. Ao menos sabão e detergente não têm estado em falta. Nem toalhas de papel para enxugar as mãos. A Organização Mundial da Saúde já atestou: uma boa lavagem de mãos já é suficiente para matar o novo coronavírus.

"Quem chega ou sai da ilha, precisa higienizar as mãos. Essa medida já tem sido muito boa. Estamos fazendo nossa parte, tentando conscientizar todo mundo, para que o vírus não chegue à nossa ilha, mas tem uns que ainda não compraram a ideia", diz Torres. Nos barcos e pontos de principal circulação, há cartazes informativos sobre a covid-19 e medidas preventivas contra o novo coronavírus.

image No trapiche de Cotijuba, os barqueiros e comerciantes se uniram para construir pias. Uma forma de driblar a falta generalizada de álcool gel e garantir alguma segurança a quem chega à ilha. (Thiago Gomes / O Liberal)

Felipe Vilhena é encarregado em construções. Tem feito o possível para seguir a recomendação de não sair de casa. No entanto, a necessidade de sobreviver às contas de cada mês exigem que ele tenha voltado a trabalhar. Ele fez e foi a Cotijuba, mas antes deu um jeito de ao menos arranjar uma máscara.

"Infelizmente, nem todo mundo está se cuidando. Até porque não tem máscara ou álcool. Nada. Essa máscara que estou usando foi um amigo que já me arranjou. Cadê a higiene? Não é em toda embarcação que o pessoal faz limpeza não. Só estou indo a Cotijuba por urgência, após cinco dias direto em casa. Sem trabalho, não tem comida. Não sei como outras pessoas vão aguentar", comentou Felipe.

image As máscaras, ocasionalmente vistas nos barcos, ainda causam estranheza entre alguns passageiros. Mas é uma visão que se torna cada dia mais fácil de se entender, frente ao medo da pandemia de covid-19 (Thiago Gomes / O Liberal)

 

A ilha que respirava turismo é irreconhecível

A equipe da Redação Integrada de O Liberal visitou a ilha na quinta-feira (26). Quem conhece Cotijuba, sabe que, em outros tempos, já haveria um movimento aquecido para o dia. Uma ilha inteira se preparando para o final de semana, que sempre foi o período de trabalho intenso. Porém, o que os jornalistas viram foi apatia e silêncio. Antes, o barulho das motos rompia esse silêncio frequentemente. Só que os mototaxistas e motocharretistas não têm mais quem levar. Muitos pararam de trabalhar. Outros insistem, ainda que fiquem ociosos quase o tempo todo.

image Cotijuba, às vésperas de um final de semana, vê as ruas vazias e silenciosas. (Thiago Gomes / O Liberal)

Muitos comércios estão fechados. Os mercados, ao menos, não sofrem com desabastecimento, pois não houve corrida para montar estoques (diferente dos centros urbanos). Com exceção de álcool gel e máscaras. Egue Alcântara, dono de um mercadinho, diz que a rotina de higiene mudou por completo no estabelecimento. Quanto ao fornecimento de álcool gel e mesmo de álcool líquido, está nas listas de espera de quatro fornecedores. Está na esperança de conseguir a partir de segunda-feira (30).

"Até agora, as coisas por aqui estão tranquilas. Esperamos que tudo isso acabe logo. Porque se continuar, a situação vai se agravar. Eu tenho uma sorveteria e o local está praticamente fechada. Ninguém nem sai mais à noite. Não tem movimento. Estamos fechando o mercadinho mais cedo também", relata Egue.

image O comerciante Egue Alcântara diz que a sorveteria dele já praticamente fechou. O mercadinho tem demanda constante por álcool líquido e em gel, mas está na fila de espera de quatro fornecedores, na esperança de conseguir a partir de segunda-feira (30) (Thiago Gomes / O Liberal)

Felipe Souza é mototaxista. Ele ainda não parou. Não fosse pela reportagem, que precisou se deslocar  na ilha, possivelmente ele não teria nenhum cliente no dia. "Caiu o movimento de tudo. O turismo parou, as ruas estão fracas, bares e restaurantes fechados, hotéis, pousadas, praias... os barcos não trazem ninguém. Pessoal parado. Tá pegando a situação. Não tô pegando passageiro nenhum. Muitos colegas pararam. Os da charrete também", contou.

Nas praias, só se ouve passarinhos, vento e alguns cachorros. Nenhuma caixa de som ligada tocando as marcantes ou os sucessos mais recentes do tecnobrega. Bares, restaurantes, hotéis e pousadas fechados. Um cenário desolador para mais de 30 anos de trabalho em Cotijuba do senhor Jonas Bentes, o "Highlander" — também cantor e compositor de arrocha —, que é dono de um bar e restaurante na praia do Farol, uma das mais populares por ser a mais próxima dos trapiches.

image Bares, restaurantes e pousadas fechados por conta das praias desertas. (Thiago Gomes / O Liberal)

"Fazer o que? É só Deus mesmo pra proteger a gente. Não tem nem uma caixa de som animando, alguém fazendo uma brincadeira. Pra me virar com as contas, eu faço matapi ecológico, de garrafa PET, pesco camarão... é o que ajuda. Comecei vendendo queijinho assado no espeto. Eu me viro. Minha irmã e meu cunhado também se viram como podem, mas também fecharam os negócios deles", conta Jonas, seguindo com uma canção sobre a noitada de Cotijuba que não é mais a mesma.

A Redação Integrada de O Liberal entrou em contato com a Prefeitura de Belém, na noite de quarta-feira (25), para falar sobre as ações preventivas na Região das Ilhas. A Assessoria de Imprensa da Secretaria Municipal de Saúde (Sesma) apontou que só deve responder aos questionamentos da reportagem na segunda (30) ou na terça (31).

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