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Cabanagem: em memória à revolta cabana

Bairro começou a partir de homenagem aos 150 anos da revolução da Cabanagem. Mas essa identidade histórica se perdeu com o tempo.

Victor Furtado / Redação Integrada de O Liberal
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O bairro da Cabanagem, atualmente, pouco vive a memória à qual se propunha a preservar: a única revolução popular do Brasil e da América Latina levou o povo ao poder, entre 1835 e 1840. Nem ruas e nem escolas com nomes dos revolucionários cabanos. E não fosse o esquecido Memorial da Cabanagem, seria difícil entender por que esse território carrega o nome do movimento. Curiosamente, o bairro e o monumento têm coisas em comum.

Em 1985, o senador Jader Barbalho (então governador), foi ao Rio de Janeiro, acompanhado do jornalista e historiador Carlos Rocque, para encontrar com o arquiteto e urbanista Oscar Niemeyer. A ideia era fazer uma homenagem aos 150 anos da Cabanagem. Niemeyer foi presenteado com farto material histórico. Disse ter ficado encantado e impressionado com toda a história. Entusiasmado, anunciou que iria ceder a obra a Belém, sem nenhum custo.

Esse encontro e a proposta são relatadas pelo ex-governador, num artigo assinado, por ele mesmo. Até hoje há uma dúvida sobre o monumento: trata-se de uma rampa ou de um dedo, a estrutura rachada e que aponta para o céu? O ex-governador afirma que o próprio arquiteto revelou o conceito a ele e que seria um "dedo da mão da história", que aponta ao infinito. A rachadura seria o momento em que os cabanos são massacrados.

No museu que compõe o memorial, hoje fechado à visitação e invisibilizado pelas obras de trânsito, estão alguns restos mortais de líderes da revolução. Mas apenas líderes. E é uma área de concentração de pessoas em situação de rua e dependência química.

E o Memorial da Cabanagem se tornou a única obra de Niemeyer na região Norte. Entre a construção do monumento, em 1985, e o início da década de 1990, um movimento espontâneo começou a ocupar a área que hoje compreende o bairro.

O historiador Diego Pereira, professor e coordenador do curso de História da Unama, pontua que o nome do bairro se deu numa alusão ao movimento (resistência popular) e à inauguração do monumento. O bairro hoje tem uma parte em Belém (a maior) e uma parte em Ananindeua. As áreas limítrofes costumam viver um jogo de empurra sobre quem é responsável por executar determinados serviços.

image A única "lembrança" do jeito cabano e revolucionário é vista quando os moradores do bairro protestam para exigir seus direitos e respeito. A avenida Independência costuma ser o ponto escolhido. (Igor Mota / Arquivo O Liberal)

História do bairro é contada pelas pessoas

 

Pelo último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o bairro tem hoje cerca de 29 mil habitantes. A maioria vivendo em habitações humildes ou precárias. Muitos convivem com condições pouco favoráveis de saneamento. E com o passar do tempo, a segurança pública se tornou um dos maiores desafios, como ressalta o historiador. O bairro Cabanagem é uma área dominada pelo narcotráfico.

Por conta disso, alguns dos nomes mais famosos do bairro estão ligados ao noticiário policial. Um deles seria Jocicley Braga de Moura, que era conhecido como "Dote", tido, até 2012, pelas forças policiais, como o maior traficante do Norte e do Nordeste do Brasil.

Outra personalidade foi Andreza Castro de Sousa, que ficou conhecida como "Senhorita Andreza" e que convocou, nas redes sociais digitais, uma "social" num vídeo. Foi criminalizada por esse vídeo, que ela afirmou ter sido uma brincadeira. Foi detida, algemada e exposta de várias formas como criminosa, mas o único crime que cometeu foi customizar e fazer manutenção de aparelhos no bairro da Cabanagem. Teve o companheiro assassinado. Foi candidata a vereadora pelo PC do B e comemorou nas redes quando completou o ensino médio, sonhando em entrar para o ensino superior. Foi assassinada em 13 de abril de 2017. Dois anos depois, nenhuma solução. Ela deixou uma filha.

image Andreza Sousa, que ficou famosa como a "Senhorita Andreza", foi assassinada há dois anos. Crime até hoje sem solução. Era uma moradora da Cabanagem e foi alvo de várias formas de criminalização, mesmo quando tentava estudar, organizar movimentos sociais e políticos e seguir uma carreira na produção artística. (Divulgação)

Como muitos aglomerados urbanos populares e espontâneos, há de pouco a nada de registros históricos do bairro. Não há também outras referências históricas ou de identidade do bairro. É uma área cuja história é contada por cada pessoa que vive lá. Por sinal, um dos poucos nomes do movimento da Cabanagem só dá nome a um residencial que fica distante do bairro, que é o conjunto Eduardo Angelim.

O bairro se encontra numa área de integração com outros bairros, devido a vias como a avenida Independência, — que é uma das poucas referências históricas intencionais em relação à revolução cabana. Quando a avenida Independência foi totalmente reformada para ser uma nova entrada e saída de Belém, o cuidado com o entorno e as pessoas não acompanhou. Mas o espírito cabano sempre se manifesta de forma "involuntária": qualquer insatisfação dos moradores da Cabanagem resulta em manifestação que interdita a avenida na busca por atenção e garantia de direitos.

"Para se enquadrar num projeto de Belém do futuro, o bairro da Cabanagem precisa ter um trabalho na contenção do narcotráfico. Prevenir mais do que conter. A área pelo menos se encontra no projeto Belém Porto Futuro e pode ser privilegiado com obras de infraestrutura", conclui Diego.

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