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Belém tem 50 pontos críticos de alagamentos e especialista aponta alternativa; como evitar? Vote

Com 65 canais e 14 bacias hidrográficas, o município tem pelo menos 50 pontos críticos de alagamentos em períodos de chuvas fortes, segundo dados da Secretaria Municipal de Saneamento (Sesan), divulgados em dezembro de 2022

Fabyo Cruz e Dilson Pimentel

A cidade de Belém, historicamente, é marcada por constantes inundações nas áreas de baixadas, principalmente em locais próximos aos canais, onde os habitantes são obrigados a viver em condições precárias e insalubres. Com 65 canais e 14 bacias hidrográficas, o município tem pelo menos 50 pontos críticos de alagamentos em períodos de chuvas fortes, segundo dados da Secretaria Municipal de Saneamento (Sesan), divulgados em dezembro de 2022. Para especialistas da faculdade de geografia e cartografia da Universidade Federal do Pará (UFPA), alternativas para contornar os impactos causados seriam ações de ampliação das áreas verdes, a permeabilidade das bacias hidrográficas e o reflorestamento de solos.

Os alagamentos provocam desde prejuízos financeiros, problemas de saúde, até impactos ambientais. Um dos pontos considerados mais críticos da capital é a rua engenheiro Fernando Guilhon, entre a avenida Generalíssimo Deodoro e a travessa 14 de Março, no bairro da Cremação. No trecho, é possível notar que quase todas as casas já foram levantadas ou possuem algum tipo de barreira para tentar impedir que a água entre nas residências, ocasionando danos materiais ou até mesmo problemas de saúde. Moradores do local afirmaram à reportagem, na última sexta-feira (3), que há quem tente vender seus imóveis na localidade, sem sucesso, por conta da “fama” dos alagamentos naquela região. O morador Roberto Sales, 54 anos, que é cadeirante, relata a principal dificuldade enfrentada em dias de alagamento. Ele diz que a adversidade ocorre há mais de 30 anos.      

image O morador Roberto Sales, 54 anos, que é cadeirante, relata diz que a adversidade provocada pelos alagamentos ocorre há mais de 30 anos (Thiago Gomes/O Liberal)

“Nas épocas de chuva eu tenho muita dificuldade para pegar o ônibus. Todo ano é isso e nunca muda nada”, afirmou o morador. O colega dele, Ribamar Costa, 58 anos, reside no perímetro há mais de 30 anos e possui uma venda de garrafões de água próximo da sua casa. O comerciante conta que a situação é mais agravante para quem mora perto do canal da Generalíssimo em dias de chuva quando as águas costumam transbordar e invadir as residências. “Eu já tive muitos problemas, é água atingindo os móveis e os aparelhos elétricos. Também tenho minha venda prejudicada porque enche rápido de água quando chove, basta 10 minutos para encher tudo, daí preciso guardar logo os garrafões que ficam expostos aqui na frente”, comentou.    

image Ribamar Costa, 58 anos, conta que a situação é mais agravante para quem mora perto do canal da Generalíssimo em dias de chuva, quando as águas costumam transbordar e invadir as residências (Thiago Gomes/O Liberal)
  
No dia 22 de fevereiro deste ano, a reportagem visitou um outro ponto de alagamento: a passagem Coronel Moisés, no bairro do Curió-Utinga. Lá, a situação era ainda mais grave, uma vez que a rua cheia de água sequer conta com calçadas. No local, muitos moradores ficaram literalmente ilhados dentro de casa por essa razão. Eles também contam que o problema é crônico. A manicure Joana Tobias, 56 anos, mora na passagem Coronel Moisés, entre as avenidas Almirante Barroso e João Paulo II. “Entra água no banheiro de casa. A gente não consegue usar o banheiro”, disse.  Ela afirmou que já pediu providências à Secretaria Municipal de Saneamento. “Moro há sete anos aqui e há dois anos estou reclamando na Sesan. Mas eles nunca ajeitam pra gente”, contou. Joana já pensou em mudar de endereço. Mas afirmou não ter condições financeiras para procurar outro imóvel para morar.

Causas dos alagamentos

A professora doutora Luziane Mesquita da Luz afirma que alguns fatores que levam bacias urbanas de Belém a sofrerem com inundações são conhecidos pela população em geral, que são os fatores antrópicos -  ações realizadas pelo homem -, como acúmulo de lixo nos canais e a impermeabilização do solo, porém os fatores físicos ainda são poucos utilizados para o entendimento dos eventos de inundação. Fatores como baixa declividade, terrenos planos, canais retificados, falta de arborização e o elevado índice pluviométrico (quantidade de chuva por metro quadrado em determinado local e em determinado período), principalmente nos meses mais chuvosos (janeiro a maio), que nos últimos anos Belém apresentam um cumulado de chuva elevado, contribuem junto com o antropismo implementado nas bacias, para o favorecimento de risco a inundação.

Para entender o porquê dos problemas dos alagamentos serem antigos na capital paraense, a educadora ressalta que é importante compreender as características naturais da cidade: “Belém é uma cidade baixa. Logo ela sofre com os inconvenientes periódicos dos transbordamentos dos rios. Isso é uma fala de Santa Rosa, um geógrafo de 1924. Ele já observava esses problemas. E antes disso, a cidade é marcada por grandes rios, uma extensa rede hidrográfica e rios caudalosos com grandes volumes de água. Isso é uma característica de uma cidade equatorial, que chove muito e tem uma extensa rede hidrográfica, então os rios são reflexos. É um reflexo também dessa elevada precipitação. Mas, ao longo do tempo, a cidade foi passando por muitas obras e transformações urbanas”.

“Então, desde o início da ocupação da cidade, do século XVII e XVIII, a gente já teve grandes obras de canalização e secamento, por exemplo, do Alagado do Piri, muito famoso no século XVIII, que é corresponde à área da Bacia da Tamandaré, onde houve bastante aterramento de cabeceira e drenagem de nascente. A gente aterrou muitas nascentes desses rios, canalizou, retificou, fundou muitos rios. Então, isso levou a um estrangulamento da rede de drenagem natural e vai transformar numa rede de drenagem artificial, isso gera muitos problemas”, concluiu.

image Na passagem Coronel Moisés, no bairro do Curió-Utinga, a situação era ainda mais grave, uma vez que a rua cheia de água sequer conta com calçadas (Carmem Helena/O Liberal)

Soluções

Para a professora, algumas soluções para amenizar os tais impactos nas bacias urbanas seriam ações de ampliação das áreas verdes para melhorar a infiltração e a permeabilidade das bacias, a revitalização dos rios e igarapés, o reflorestamento de solos expostos e a criação de cinturões verdes, observando que a mudança no regime de chuvas, que está associada às mudanças climáticas, ocasiona também transformações no regime fluvial. 

Áreas de risco de Inundações

Luziane Mesquita da Luz junto do também professor doutor José Edilson Cardoso Rodrigues, da faculdade de geografia e cartografia da UFPA, possuem um estudo publicado no livro “Amazônica - diálogos integrados de gestão fluvial e recursos hídricos”, de 2022, que aponta as áreas risco de inundação e a precipitação em Belém. Segundo a obra, as áreas consideradas de “alto risco” são:

  • A leste, à grande planície de inundação do rio Guamá, que não apresenta orla com proteção por diques contra inundações, onde a coincidência de períodos chuvosos e maré alta leva à inundação de extensas áreas na UFPA, sobretudo o campus profissional e da saúde;
  • Zonas baixas nos canais urbanos, em cotas inferiores a 4 metros de altitude, apresentam áreas crônicas de inundações na bacia do Tucunduba, Estrada Nova, Tamandaré, Armas Reduto e Una;
  • E as bacias localizadas ao norte também sofrem com as inundações nos canais de Val-de-Cães, Mata Fome e Paracuri.

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