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Racismo ambiental ganha centralidade na COP 30 e expõe desafios na Amazônia

Na COP 30, o tema foi apresentado por pesquisadores do Grupo de Pesquisa Grandes Projetos na Amazônia (GPA), do Núcleo de Meio Ambiente da UFPA.

Bruna Lima

O debate sobre racismo ambiental, ainda relativamente recente no campo das Ciências Socioambientais brasileiras, ocupou lugar de destaque na COP 30. Pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA) e especialistas convidados ressaltaram que, na Amazônia e em outras regiões do país, comunidades negras, indígenas, ribeirinhas e periféricas seguem arcando com os maiores danos provocados por grandes projetos urbanos, industriais e de infraestrutura.

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De acordo com material divulgado pela UFPA, o conceito, formulado nos Estados Unidos na década de 1980 pelo ativista Benjamim Chavis, descreve como populações historicamente vulnerabilizadas são desproporcionalmente expostas a riscos e passivos ambientais. No Brasil, passou a ganhar força nos anos 2000 e hoje se torna cada vez mais central no debate climático e social.

Na COP 30, o tema foi apresentado por pesquisadores do Grupo de Pesquisa Grandes Projetos na Amazônia (GPA), do Núcleo de Meio Ambiente da UFPA. O sociólogo André Luis Assunção de Farias e o geógrafo Christian Nunes destacaram que o país ainda carece de instrumentos eficazes para identificar, prevenir e reparar situações de racismo ambiental. Apesar de avanços, como a inclusão de comunidades quilombolas no último Censo e a atuação crescente do Ministério da Igualdade Racial, os impactos continuam evidentes em todo o território nacional.

Farias lembrou que parte das desigualdades socioambientais brasileiras tem raízes na Ditadura Militar, período marcado pela instalação de grandes projetos que atraíram fluxos migratórios e levaram milhares de trabalhadores a ocupar periferias urbanas precárias e ambientalmente vulneráveis. Esses processos, afirma o pesquisador, ainda se refletem na ocupação desigual das cidades e na distribuição assimétrica dos impactos ambientais.

Exemplos recentes, como os desastres de Mariana e Brumadinho e as enchentes no Rio Grande do Sul, foram citados como expressões contemporâneas da mesma lógica estrutural. Na Amazônia, o histórico de agressões a povos indígenas e comunidades tradicionais amplia o cenário de injustiça. Territórios Xicrin, Tembé e Mundurucu seguem pressionados pela expansão de empreendimentos, enquanto na Região Metropolitana de Belém áreas como Vila da Barca, Barcarena, Abacatal e periféricas de Ananindeua convivem com poluição industrial, remoções forçadas e processos de gentrificação associados a obras de macrodrenagem e expansão viária.

Configuração de racismo ambiental

A leitura é compartilhada pelo advogado e pesquisador Alexandre Julião, mestre em Direito pela UFPA e membro da Comissão de Igualdade Racial da OAB-PA. Ele explica que o racismo ambiental se configura quando decisões políticas e econômicas alocam riscos e danos majoritariamente sobre populações historicamente marginalizadas. “Os passivos ambientais gerados por empreendimentos são direcionados a grupos vulneráveis, enquanto outras localidades são poupadas”, afirma. Julião cita a mineração em Parauapebas, os impactos acumulados em Barcarena e a construção da UHE Belo Monte, em Altamira, como casos emblemáticos da última década.

Diante desse cenário, o advogado destaca a importância da organização comunitária e do fortalecimento dos instrumentos legais de defesa socioambiental. Associações locais, Ministério Público, Defensorias Públicas e o acionamento da Justiça têm sido caminhos recorrentes na busca por direitos. Para populações indígenas, quilombolas e ribeirinhas, órgãos como Funai e Incra também desempenham papel central, embora nem sempre com a agilidade necessária.

Obstáculos

Entre os principais obstáculos está a dificuldade de comprovar a intencionalidade ou o direcionamento discriminatório dos danos ambientais, além do que Julião aponta como “baixa disposição de parte do sistema de justiça” em reconhecer a profundidade dos impactos sofridos por essas comunidades.

Ainda assim, a COP 30 tem sido vista como oportunidade para ampliar vozes que tradicionalmente permanecem à margem do debate político. Para o advogado, o momento internacional oferece visibilidade e espaço de denúncia, mas não pode ser encarado como solução definitiva. “A COP abre portas, mas não resolve sozinha. É preciso mobilização contínua, organização e presença ativa das comunidades na defesa de seus direitos”, afirma.

Ao reunir pesquisas, tecnologias sociais e experiências comunitárias acumuladas ao longo de quase 30 anos, a UFPA reforçou, no evento, seu papel como referência científica no enfrentamento ao racismo ambiental. A realização da Cúpula dos Povos no campus da instituição simbolizou esse protagonismo e destacou a urgência de políticas públicas capazes de enfrentar desigualdades socioambientais que, há décadas, moldam o território amazônico.