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Moda circular ganha força em Belém com brechós que unem sustentabilidade e impacto social

Com quase uma tonelada de roupas reaproveitadas por ano, iniciativas mostram o poder dos três ‘R’s’ da sustentabilidade

Amanda Martins

Repensar os hábitos de consumo e optar por roupas de segunda mão têm tudo a ver com os temas que estarão no centro de discussão da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP) 30, que será realizada na capital paraense, em novembro deste ano. Poucas pessoas sabem, mas a moda é uma das indústrias que mais polui o meio ambiente. Segundo a consultoria S2F Partners, cerca de 4 milhões de toneladas de resíduos têxteis são descartadas anualmente pelas residências brasileiras. Só em 2024, cada domicílio jogou fora, em média, 44 quilos de roupas e calçados


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Considerado esse panorama, iniciativas que incentivam o reaproveitamento de roupas, como os brechós, têm ganhado espaço como uma alternativa para promover a sustentabilidade. Em Belém, esse movimento tem crescido com a ajuda de projetos como o Bora Garimpar Belém (BGB), criado há três anos pela advogada e ativista Ana Gibson, de 38 anos. Mensalmente ela e outras tantas brechonistas, que fazem parte do projeto, se reúnem em espaços públicos ou privados, para colocar em prática a chamada economia circular, que busca dar um novo uso a produtos que iriam para o lixo.

O projeto promove cerca de dois eventos por mês ao longo de todo o ano, estimulando o consumo consciente por meio da venda e troca de roupas usadas. Segundo a fundadora Ana, somente em 2024, a iniciativa conseguiu evitar que cerca de uma tonelada de roupas fosse descartada de forma inapropriada, contribuindo para a redução de resíduos têxteis na cidade.

Além das vendas, também são realizadas coletas colaborativas, nas quais os participantes levam peças que não utilizam mais. “A gente realiza a triagem e aplica critérios para decidir se aquela roupa vai para venda, doação ou descarte responsável”, explica Ana, que também atua como vice-presidente da Comissão de Direito em Moda da Ordem dos Advogados do Brasil, no Pará.

Mercado em expansão

E a sustentabilidade por meio da moda circular é uma tendência. Dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) apontam que, em 2023, o Brasil já contava com 118.778 brechós em funcionamento. Contudo, esse número pode ser ainda maior, considerando os pequenos empreendimentos caseiros, muitas vezes instalados em garagens e salas residenciais.

A gestora de Economia Criativa do Sebrae no Pará, Alessandra Lobo, confirma o avanço desse tipo de negócio na região Norte do país. “Existe uma mudança perceptível na mentalidade dos empreendedores locais. Eles estão cada vez mais engajados com o consumo sustentável e o reaproveitamento de roupas”, diz. Segundo ela, além de benefícios ambientais, esse modelo tem fortalecido a renda de muitas famílias, sobretudo chefiadas por mulheres, graças ao baixo custo inicial e ao potencial de lucro.

O brechó Florindas, criado pela biotecnologista Gilanna Ferreira, de 30 anos, e pela fisioterapeuta Helaiane Ramos, também de 30, é um desses casos citados pela gestora do Sebrae. Elas começaram vendendo peças na Praça da República, no centro de Belém, e depois decidiram formalizar o negócio. Atuando há dois anos e meio de forma online e na sala de estar da casa de Gilanna, como provador para as clientes, elas relatam que a loja de usados se tornou uma forma de renda extra e de educação ambiental para as clientes.

“Às vezes alguém comenta nas redes sociais: ‘Por esse preço, compro uma peça nova’. A gente explica que tem uma cadeia de produção por trás, e que brechó não é sinônimo de roupa barata, mas sim de consumo consciente”, afirma Gilanna.

Por conta de sua formação, ela revela que sempre teve afinidade com temas ligados ao meio ambiente e vê no brechó uma oportunidade de colocar seus princípios em prática. “O impacto não é só no descarte. A produção de roupas novas consome água, libera CO₂ e exige recursos naturais. Quando reinventamos uma peça, estamos diminuindo esse impacto”, esclarece a biotecnologista.

Apesar dos avanços, Helaiane observa que ainda há resistência. “Tem muita gente que associa brechó a roupas velhas, mas estamos conseguindo quebrar esse preconceito”, acrescenta.

Moda circular também gera renda

Mais do que ajudar o meio ambiente, quem opta por aderir à moda circular, como consumidor, também pode faturar um extra por meio da consignação: a pessoa deixa a peça para ser avaliada dentro do perfil da loja. A parceira pode receber até “x” % do valor de venda. “O restante cobre custos com provadores virtuais, ajustes com costureiras e manutenção das redes sociais”, explica a fisioterapeuta como as sócias trabalham. 

Especialista aponta riscos do fast fashion

A professora e pesquisadora da Universidade Federal do Pará (UFPA), Graziela Ribeiro, vinculada ao Instituto de Ciências da Arte, graduada em Letras e Moda, mestre e doutora em Artes, e atualmente conselheira de Moda e Design do Conselho Municipal de Políticas Culturais da Prefeitura de Belém, avalia que o modelo atual de produção e consumo de roupas, especialmente o fast fashion - modo de produção acelerado -, tem aprofundado uma relação descartável com os produtos de moda.

Segundo ela, a lógica de consumo rápido banalizou a relação das pessoas com o vestuário e aumentou os danos ambientais. “Estas peças, após pouco uso, são percebidas como lixo, e, na verdade, como ela não é fabricada para ter uma longa duração, realmente fica inutilizável depois de um tempo breve”, explica.

Como alternativa, ela aponta a moda circular, que busca prolongar a vida útil das roupas e incentivar a reutilização. “Acredito que, em termos comportamentais, incomoda a grande indústria de bens de consumo, o que já é válido”, pontua.

Para ela, o engajamento dos consumidores pode pressionar mudanças. “Quando o público-alvo se mostra preocupado, engajado, insatisfeito e consciente, as empresas vão começar a pensar que forma podem atender a estas necessidades”, afirma.