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Açaí 'vetado' na COP 30? Engenheiro florestal contesta proibição e defende consumo seguro

O profissional defende fiscalização e certificação em vez de proibição e critica desconhecimento sobre a culinária amazônica

O Liberal

A exclusão de produtos tradicionais da culinária amazônica, como açaí, tucupi e maniçoba, do cardápio dos restaurantes oficiais da 30ª Conferência Mundial sobre a Mudança do Clima (COP 30), marcada para novembro em Belém, gerou reação imediata de moradores e profissionais da região. Segundo o documento divulgado pela Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI), responsável pelas orientações, a medida se justifica pelo “risco de contaminação por Trypanosoma cruzi [causador da Doença de Chagas] quando não pasteurizado”. 

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Segundo a OEI, entidade que firmou acordo com o governo federal e é responsável pelas contratações, as medidas seguem “diretrizes técnicas rigorosas” e têm como objetivo “assegurar a saúde” dos participantes da conferência.

No entanto, a justificativa não é suficiente para alguns profissionais.  O engenheiro florestal Ben Hur Borges, que trabalha com pesquisas e práticas ligadas ao açaí há mais de 40 anos, se posiciona contra a medida. Para ele, a exclusão do fruto representa um desconhecimento sobre os avanços sanitários já consolidados no setor.

Segundo Borges, o discurso da organização ignora  anos da evolução sanitária no país e desconsidera protocolos de segurança já estabelecidos por órgãos oficiais. Ele destacou que o Ministério da Saúde recomenda a pasteurização na indústria e o branqueamento - imersão rápida do fruto em água quente - para as batedeiras artesanais, além de boas práticas de manipulação.

“A abordagem deles não fala de uma comida tradicional, mas previne as pessoas contra esse alimento. Isso é um absurdo! Transformam o açaí em um fantasma, em um monstro, quando na verdade existem protocolos muito claros para o consumo seguro”, afirmou em entrevista ao Grupo Liberal. 

O engenheiro acrescentou que pesquisas desenvolvidas pela Embrapa reforçam a eficácia do branqueamento como medida preventiva. “O choque térmico reduz de forma significativa a presença de patógenos e integra sistemas de Boas Práticas de Fabricação (BPF) e de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC). A vigilância sanitária, a Anvisa e órgãos estaduais e municipais realizam inspeções permanentes justamente para coibir práticas inseguras”, explicou.

Borges também chamou atenção para a contradição de retirar o fruto amazônico dos cardápios da COP 30, ao mesmo tempo em que o evento pretende ser uma vitrine da bioeconomia.

“É contraditório: enquanto se promete valorizar alimentos regionais, retira-se o alimento-símbolo da Amazônia, que é base de renda para milhares de famílias ribeirinhas e motor de conservação florestal”, declarou.

Ele ressaltou que a preocupação com segurança alimentar não deveria resultar em proibição, mas em exigência de certificação e fiscalização. “Se a preocupação é sanitária, a resposta não é banir, é certificar, fiscalizar e comunicar. O edital poderia exigir apenas fornecedores conformes, com comprovação de branqueamento ou pasteurização, além de auditorias e testes por amostragem. O Brasil já faz isso em inúmeros setores alimentares”, afirmou.

Defesa e alternativas

O engenheiro apresentou sugestões para reverter a decisão, entre elas a inclusão de apenas fornecedores com comprovação documental de boas práticas e inspeções independentes durante o evento. Ele defendeu também uma comunicação educativa com o público internacional, explicando como o açaí seguro é produzido atualmente e destacando seu papel na bioeconomia amazônica.

Borges disse esperar que os organizadores revejam o documento. “É preciso transformar esse edital. Fazer chegar a eles uma nota de repúdio para que se retratem de alguma maneira. O mundo inteiro reconhece o açaí como alimento saudável, e agora vêm dizer que ele pode matar. Isso não faz sentido”, afirmou.

A lista de produtos proibidos nos restaurantes oficiais da COP 30 inclui maionese, ostras cruas e carnes mal passadas, sucos de fruta in natura, molhos caseiros, bebidas abertas sem nota fiscal, leite cru e derivados não pasteurizados, doces caseiros com cremes ou ovos sem refrigeração, gelo artesanal ou não industrializado, alimentos preparados com antecedência fora de refrigeração e produtos artesanais sem rotulagem ou registro sanitário.

Ao todo, 87 estabelecimentos vão fornecer refeições para a COP 30, sendo 50 na Blue Zone e 37 na Green Zone. A venda de pratos, lanches e bebidas ocorrerá de 3 a 28 de novembro. As empresas selecionadas deverão oferecer opções veganas, vegetarianas, sem glúten e sem lactose, além de atender a restrições religiosas, como alimentos halal e kosher. Também precisarão priorizar refeições à base de plantas, com vegetais, legumes, frutas e grãos, e incentivar a redução gradual do consumo de produtos de origem animal, com atenção especial à carne vermelha.

‘Vai ter açaí, sim!’


O Ministro do Turismo, Celso Sabino, anunciou no sábado (16), que os pratos típicos da culinária paraense, estarão, sim,  presentes no cardápio oficial da COP 30. Em vídeo publicado em seu perfil no Instagram, ele afirmou que a decisão da OEI “cometeu um grave erro impedindo a entrada dos principais produtos da gastronomia paraense” e destacou que Belém é reconhecida pela Unesco como cidade criativa da gastronomia. 

Segundo ele, a medida prejudicava a valorização internacional da culinária local, conhecida mundialmente por sua qualidade e sabor.

O ministro explicou que entrou em contato com os organizadores da COP 30 e com o secretário especial do evento, Valter Correia da Silva, ligado à Casa Civil, e obteve a confirmação de que o edital será corrigido e republicado na próxima semana, garantindo a inclusão de alimentos regionais. 

Sabino reforçou que a edição da COP deste ano, além de ser chamada de “COP da Floresta”, também será destacada pela diversidade e riqueza da gastronomia amazônica.