Entre eficiência e segurança: o avanço da IA no serviço público do Pará
Além de capacitações, órgãos avançam no desenvolvimento de agentes próprios para auditoria, direitos humanos e área eleitoral
Após a inserção da Inteligência Artificial (IA) no cotidiano, diferentes áreas precisaram se adaptar as funcionalidades que a tecnologia trouxe, o que foi positivo em boa parte dos casos. No serviço público paraense, por exemplo, a estratégia foi criar IAs próprias que tornam as ações repetitivas mais rápidas, facilitando processos internos e mantendo a segurança de dados que não poderiam se tornar públicos. Órgãos como o Tribunal de Contas do Estado do Pará (TCE-PA) e o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) descrevem a mudança de maneira benéfica e destrincham como a mudança tem ocorrido internamente.
O exemplo mais prático é a criação de uma IA própria, nomeada como Aplicações Corporativas Assistidas por Inteligência Artificial (açAI), que reúne bases de conhecimento pensadas para o trabalho desenvolvido especificamente no TCE-PA. A secretária de tecnologia da informação do tribunal, Lêda Monteiro, explica que a plataforma foi lançado em maio de 2024, atravessando diferentes versões no decorrer do tempo, já com uma nova prevista para ser lançado em janeiro do próximo ano. “Essa plataforma açAI reúne diversas soluções de IA desenvolvidas pelo Tribunal de Contas, com o objetivo principal de apoiar as atividades do controle externo”, destaca.
Monteiro enfatiza que, na prática, a IA auxilia os auditores do controle externo na análise de documentos, o que agiliza o processo feito anteriormente de maneira manual. Além disso, a plataforma também se integra ao sistema de processo eletrônico interno do Tribunal, abastecendo a base de dados com os processos e demais documentos necessários para a atividade dos auditores. Isso, somado a mecanismos pensados para tirara dúvidas e facilitar a compreensão de demais etapas.
“Em vez de analisar manualmente cada uma das centenas de peças de um processo, o auditor pode marcar as peças que precisa analisar e pedir à IA para fazer uma análise inicial, fornecendo uma ideia ou resposta inicial. E, a plataforma também interage com o processo eletrônico do tribunal, permitindo que os auditores trabalhem em um nível mais avançado, com o apoio da IA substituindo o trabalho braçal”, explica a secretária.
A escolha por uma plataforma própria, em vez de utilizar ferramentas de IA prontas como o ChatGPT, deve-se à necessidade de proteger a base de conhecimento privada do tribunal, que lida com processos e peças que contêm dados sensíveis. A secretária detalha que a “utilização de plataformas públicas exporia esses dados ao mundo, o que não é permitido devido a preocupações com a LGPD, privacidade e segurança”. Nesse ambiente controlado e privado, a ferramenta ainda interage com a legislação e resoluções internas do tribunal, preservando essas informações.
O assessor de tecnologia da informação do TCE-PA, Patrick Alves, que liderou o desenvolvimento da plataforma e também a aperfeiçoou a partir da experiência e demandas dos servidores, explica que essa segurança é reforçada com a necessidade de acessar a IA interna apenas pela de intranet do Tribunal. Isso não limita o seu uso ao espaço físico do TCE, mas garante que a internet pública não tenha contato com os conteúdos sensíveis tratados.
Ele explica que a ferramenta possui seis módulos agrupados em dois tipos: módulos de interação direta com o usuário e módulos de automação de fluxo de trabalho. Um dos exemplos que ele utiliza para explicar a funcionalidade de módulo de automação é o "candidato de PV", que usa a IA para identificar processos que podem ir para o plenário virtual. Anteriormente, essa identificação era feita manualmente pelos servidores, o que, segundo ele, levava de 3 a 4 minutos para o servidor, mas era realizada 150 vezes por semana.
“Hoje a gente mapeou todo esse fluxo de trabalho e usou IA para automatizar todo esse fluxo. Todas as noites, a IA pega todos os processos novos, analisa, identifica quais são elegíveis para o plenário virtual e a gente consegue economizar um tempo de trabalho muito grande dos servidores, esse é um exemplo de um processo que foi automatizado usando IA”, afirma o assessor.
Dentro da categoria de módulos de interação direta, o principal é o "chat contas". Nele, o usuário pode interagir com processos eletrônicos, legislação do tribunal e seus próprios documentos, além de realizar pesquisas na internet. As quatro fontes de consulta que o usuário pode utilizar são: legislação interna do tribunal (acórdãos, resoluções, portarias), pesquisa na internet, processos eletrônicos e documentos próprios do usuário (que podem ser transformados em base de conhecimento).
A plataforma utiliza um processo técnico de avaliação para testar a qualidade do chat de IA, criando bases de teste com perguntas e respostas corretas. A taxa de acerto atual da IA para as perguntas dos usuários está acima de 90%. E, as bases de conhecimento são atualizadas da seguinte forma: processo eletrônico acessado em tempo real, legislação é atualizada diariamente de madrugada e a base de conhecimento do próprio usuário atualizada quando ele desejar.
Outros exemplos
O Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) também vem estruturando, desde abril deste ano, uma política institucional voltada ao uso ético, responsável e estratégico da inteligência artificial. Nesse período, a instituição criou o Comitê de Governança da Inovação e da Inteligência Artificial, responsável por coordenar as ações dos Escritórios de Inovação e de Inteligência Artificial. Segundo a promotora de Justiça Daniela Moura, coordenadora do Comitê, o foco inicial da atuação esteve na preparação de membros e servidores para lidar com a nova realidade tecnológica.
No primeiro ano de funcionamento, o Escritório de Inteligência Artificial concentrou esforços na letramento digital, capacitando integrantes do MPPA para o uso adequado das ferramentas de IA generativa. A formação enfatiza a necessidade de revisão humana obrigatória de todo conteúdo produzido por sistemas automatizados, considerando a possibilidade de erros e vieses. “A literacia enfatiza que o homem é o piloto da tecnologia em questão, e todo produto gerado pela IAG deve ser revisado, considerando a possibilidade de erros”, ressalta Moura.
Outro eixo de atuação foi a capacitação em engenharia de prompts jurídicos, técnica que consiste na formulação adequada de comandos para obtenção de resultados mais precisos. Além dos cursos, o MPPA produziu uma série de videocasts voltados à difusão do conhecimento sobre o tema. “É importante saber gerar o comando correto para a IA, para obter os melhores resultados, razão pela qual focamos em capacitações de engenharia de prompts jurídicos e produzimos uma série de videocasts sobre a matéria”, afirma.
Paralelamente, a instituição avança no desenvolvimento de soluções próprias. Em 2025, foi lançado o Dhiana, ferramenta de inteligência artificial que consulta toda a base de conhecimento do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, permitindo que membros do MPPA fundamentem suas manifestações em precedentes e orientações da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
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Futuro
Para um futuro nem tão distante, está previsto o lançamento do Marias, um agente de IA voltado à análise de processos de violência doméstica. Inicialmente, a ferramenta atuará na fase investigatória, com a perspectiva de acompanhar todo o ciclo processual até a conclusão.
Além disso, o MPPA planeja o desenvolvimento de agentes específicos para improbidade administrativa e para a atividade eleitoral, considerando os desafios recorrentes dos períodos eleitorais. “No próximo ano, nos depararemos, mais uma vez, com eleições, o que traz sempre grandes desafios para a atuação ministerial”, conclui a promotora.
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