Projeto propõe fim de taxas dos terrenos de marinha

Para acabar com sobretaxação, PEC estabelece mudança no domínio de mais de 19 mil km em área costeira, sendo que o Pará tem 5 mil quilômetros

Fabrício Queiroz

A extinção da figura das terras de marinha está na pauta no Congresso Nacional. A matéria é objeto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 39/2011, já aprovada em dois turnos na Câmara dos Deputados e que, atualmente, tramita no Senado Federal, onde se encontra na Comissão de Constituição e Justiça como PEC nº 3/2022, sob relatoria do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

Pela Constituição Federal, são considerados terrenos de marinha as áreas situadas na costa brasileira, bem como margens de rios e lagoas até onde chega a influência da maré, que inclui toda faixa de terra no perímetro de 33 metros contados do mar ou rio em direção ao continente. Em todo o país, mais de 19 mil quilômetros da costa estão enquadrados nessa categoria, sendo 25% apenas no Estado do Pará, onde a faixa litorânea se estende por 5.025.755 quilômetros, segundo dados da Controladoria Geral da União (CGU).

Áreas da União podem passar para estados e municípios

Caso o projeto seja aprovado e sancionado, essas áreas atualmente sob o domínio da União poderiam passar para a gestão dos estados, municípios, foreiros, cessionários ou de seus ocupantes, desde que estejam quites com suas obrigações. As únicas áreas que permaneceriam com a União seriam aquelas onde há edificações da administração pública federal, aquelas que foram destinadas ou sejam de interesse das Forças Armadas e, ainda, aquelas que foram concedidas pelo próprio governo para prestadores de serviços públicos.

O projeto, de autoria dos ex-deputados federais Arnaldo Jordy (PPS, atualmente Cidadania), José Chaves (PTB-PE) e Zoinho (PR-RJ), esteve na Câmara por onze anos até que em fevereiro deste ano, ela foi incluída na pauta e aprovada com ampla maioria de votos. No primeiro turno, foram 377 parlamentares, 93 contrários e uma abstenção. Já no segundo turno, o placar foi mais elástico com 389 votos a favor e 91 contra.

Quais taxas são cobradas em terrenos de marinha?

No texto da PEC, os autores defendem que o tratamento diferenciado a essas áreas se justificava pela sua importância para a defesa nacional, razão pela qual foram mantidas sob domínio da União e sobre a qual ocorre uma taxação distinta. Anualmente, é preciso pagar o aforamento, que é o direito de utilizar o terreno, correspondente a 0,6% do seu valor. Além disso, é cobrada uma taxa de ocupação que varia de 2% a 5% do valor de avaliação do terreno; e o laudêmio que corresponde a 5% da avaliação e terreno e suas benfeitorias.

Esse acúmulo de taxas seria um dos principais motivos que levaram a proposição da PEC, segundo Arnaldo Jordy, atual presidente do Cidadania no Pará. “Além da carga tributária que se tem, a União se vê no direito de cobrar um imposto sobre essas áreas e é uma carga que não se justifica. Você já paga IPTU e outros tributos e ainda tem que pagar terrenos de marinha”, critica o ex-parlamentar que classifica o instituto dos terrenos de marinha como uma “patologia”.

Para Jordy, a existência dessas áreas ainda hoje se explica pelo fato da grande arrecadação que elas proporcionam aos cofres públicos. “Elas não tem outro objetivo a não ser arrecadar cerca de R$ 2 bilhões de impostos para a União, que foi o valor recolhido só em 2021. É uma coisa que não tem o menor sentido num pais como o Brasil”, destaca.

Além da mudança de tributação sobre as terras de marinha, o avanço da PEC 03/22 representaria uma mudança na gestão dessas áreas, que segundo ex-deputado, seria muito mais eficiente sob o comando dos estados e municípios. “Em todo o Estado do Pará, a SPU (Superintendência do Patrimônio da União) tem apenas seis funcionários para cobrir um estado com as nossas dimensões geográficas. Com certeza, com a competência indo para estados e munícios o controle seria muito maior”, diz.

O que dizem estado e município?

No âmbito local, as administrações públicas se manifestam favoravelmente ao projeto. O Governo do Estado, por meio da Procuradoria-Geral do Pará (PGE), afirma que é “recomendável a transferência deste patrimônio ao Estado, permitindo uma nova política de ordenamento territorial e o reconhecimento de direitos dos ocupantes destas áreas”, diz a instituição em nota, acrescentando que: “com a mudança, a sociedade diretamente envolvida e o poder público local poderão estabelecer prioridades, inclusive em questões envolvendo regularização fundiária e preservação ambiental”.

Já na capital, a Prefeitura de Belém por meio da Companhia de Desenvolvimento e Administração da Área Metropolitana de Belém (Codem), afirma que já efetua a regularização fundiária de duas léguas patrimoniais incorporadas ao município, o equivalente a cerca de 13,2 quilômetros.

“Caso seja aprovado, a Codem assumirá o papel como órgão municipal responsável pela Política de Regularização Fundiária do Município, como tem feito com todos os imóveis de Belém que detém a propriedade plena”, afirma o órgão que enfatiza o interesse na aprovação da PEC.

Movimentos sociais alertam para riscos da proposta

Entidades que atuam junto a comunidades ribeirinhas e populações tradicionais mostram preocupação com os rumos que a aprovação do projeto pode dar às terras de marinha. Um dos temores de movimentos sociais é que a medida, caso aprovada, implique, por exemplo, na privatização de áreas públicas em que vivem essas comunidades, bem como temem que a PEC estimule o acirramento dos conflitos territoriais e socioambientais com a iniciativa privada.

Entre as entidades no Pará está o Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP). “Os terrenos de marinha são bens públicos de natureza socioambiental e a privatização dessas áreas implicará na pressão ainda maior dos setores de interesse imobiliário de empreendimentos sobre comunidades tradicionais pesqueiras, quilombolas e povos indígenas que ocupam esses terrenos”, afirma Erina Gomes, assessora jurídica da CPP, que avalia que a medida tem o interesse de favorecer o mercado imobiliário, o turismo, o agro e o hidronegócio.

Representantes de movimentos populares reivindicam uma alternativa que garanta proteção ambiental e respeito aos direitos desses grupos sociais. “A regularização fundiária dos territórios de comunidades tradicionais pesqueiras e o reconhecimento dessas áreas em sua função ecológica e socioambiental é um passo importante e que precisa ser dado pelo Estado brasileiro”, frisa Erina Gomes, defendendo a aprovação do projeto de lei do território pesqueiro, que tramita no Congresso desde 2019 e prevê, entre outras medidas, a garantia de acessos dessas populações aos recursos naturais e o direito de consulta prévia em caso de implantação de projetos que afetem a gestão da terra e das águas de seu uso.

A transferência do domínio das terras de marinha preocupa também populações de áreas urbanas. Em Belém, a Vila da Barca, localizada às margens da Baia do Guajará, em área de crescente urbanístico e imobiliário, moradores rejeitam a possibilidade de abandonar locais onde construíram suas vidas.

Vilma Souza é natural de Soure, no arquipélago do Marajó e há 12 anos mora na comunidade. Ela defende a ocupação das terras de marinha. “A gente tem todo dia uma luta, para ter acesso a água, luz, melhorias, mas a gente não sai porque o que a gente quer é a garantia dos nossos direitos aqui onde a gente se encontra”, diz a empregada doméstica.

O historiador Kelvyn Gomes também é morador da Vila da Barca e considera que a resistência da população se deve, entre outros fatores, à identificação com esse território. “Nós levantamentos dados de que essa comunidade já tem cerca de 100 anos de existência. É uma área de ocupação espontânea, com modos e meios de vida, como a pesca, a coleta, o comércio, as festas de santo, as romarias fluviais e outras práticas que, no âmbito local, precisam de uma visão mais sensível dessa situação”. Para Sanches, no entanto, a mudança de domínio das terras de marinha “seria benéfica desde que a Prefeitura esteja apta a passar por esse processo e receba o apoio do governo federal, em termos de apoio financeiro e apoio técnico”.

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